Neutrinos: uma introdução Understand article

Tradução de M.ª da Conceição Abreu. O que há de comum entre a deriva dos continentes, as centrais nucleares e as supernovas? Neutrinos, como explica Susana Cebrián.

O que são neutrinos?

Imagem cortesia de Mark Tiele
Westra

Neutrinos, significa ‘pequenas coisas neutras’ e estão por todo o lado. Estas minúsculas partículas elementares viajam no espaço com uma velocidade muito próxima da velocidade da luz e não têm carga elétrica. Pensou-se mesmo que não teriam massa, mas agora os cientistas pensam que têm de facto massa; calcula-se que essa massa seja inferior a um bilionésimo da massa do átomo de hidrogénio, mas a investigação ainda está em cursow1.

A existência dos neutrinos, uma das partículas mais abundantes no Universo, foi primeiro postulada pelo físico austríaco Wolfgang Pauli em 1930, para explicar as observações do declínio radioactivo beta. Só com a construção das primeiras centrais nucleares se atingiu, a partir do declínio dos produtos de fragmentação, fluxos suficientemente elevados de neutrinos (na realidade da sua anti partícula, os anti neutrinos; para mais informações sobre anti partículas ver Landua & Rau, 2008) o que permitiu confirmar a sua existência. Em 1956, Clyde Cowan e Frederick Reines construíram dois grandes tanques subterrâneos, cheios de água, a apenas alguns metros da central nuclear de Savannah River perto de Aiken, Carolina do Sul, USA, nos quais os anti neutrinos interagiam com os protões da água (ver diagrama). Esta experiência deu a Frederick Reines o Prémio Nobel da Física em 1955w2. Clyde Cowan não partilhou o prémio porque faleceu em 1974.

A experiência de Reines e Cowan: anti neutrinos do eletrão (νe) interagem com os protões (p+) da água num tanque grande cheio de água e cloreto de cádmio (CdCl2); resultando positrões (e+, a anti partícula do eletrão) e neutrões (n0). Os positrões aniquilam-se quando encontram eletrões do meio (e) e os neutrões são absorvidos pelos núcleos de cádmio (Cd). Em ambas as reações libertam-se raios gama que são detetados nos cintiladores. Estes transformam o sinal em luz visível que é detetada e processada por tubos fotomultiplicadores. Click to enlarge image
Imagem cortesia de Susana Cebrián

Os neutrinos apresentam-se em três tipos ou sabores, segundo o modelo padrão da física de partículas (ver imagem abaixo): neutrino do eletrão, neutrino do muão e neutrino do tau, os quais já foram todos experimentalmente confirmados. Pela deteção do neutrino do muão Leon M Lederman, Melvin Schwartz e Jack Steinberger receberam o Prémio Nobel da Física em 1988w2.

Foi proposto um quarto tipo, ‘estéril’, o qual é imune à força fraca do modelo padrão, o que é suportado por dados recentes, incluindo cálculos rigorosos sobre as medidas feitas em 1980 no Instituto Laue-Langevinw3 em Grenoble, França (Hand, 2010; Reich, 2011). Se fossem encontrados os neutrinos estéreis, seria aberto um novo horizonte na física para além do modelo padrão.

O modelo padrão das partículas elementares.
As partículas de matéria são de dois tipos diferentes, leptões e quarks, formando um conjunto de 12 partículas, dividido em três famílias, cada uma com dois leptões (um dos quais é um neutrino) e dois quarks. As partículas de matéria “comunicam” entre si de modo diferente através da troca de diferentes tipos de mensageiros designados de bosões (um bosão para cada tipo de interação fundamental) que podem ser imaginados como pequenos pacotes de energia com propriedades específicas. A massa de algumas destas partículas ainda está a ser estudada pela comunidade científica; estes são os valores de 2008

Imagem cortesia de PBS NOVA; fonte: Wikimedia Commons
O tanque do detetor Super-
Kamiokande cheio de água.
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Imagem cortesia de Kamioka
Observatory, ICRR (Institute for
Cosmic Ray Research),
Universidade de Tóquio

Mesmo os três tipos de neutrinos confirmados têm algo de especial: podem oscilar de um sabor para outro – os neutrinos do eletrão, muão ou tau podem transformar-se uns nos outros. Este fenómeno foi observado pela primeira vez em 1998 na experiência japonesa do Super-Kamiokandew4, na qual se descobriu que os neutrinos do muão gerados na atmosfera ‘desapareciam’, presumivelmente na forma de neutrinos do tau. Uma experiência recente observou este tipo de acontecimento da outra perspectiva – o aparecimento de um neutrino tau em vez do desaparecimento de um neutrino do muão: depois de três anos durante os quais foi emitido um feixe de neutrinos do muão gerados no CERNw5 em Genève, Suíça, foi detetado um neutrino tau em 2010 pelo detetor OPERA no Laboratório Nacional do Gran Sassow6 em Itália , situado a 730 km de Genève. (ver imagem abaixo).

A deteção das oscilações resolveu também um mistério velho de 40 anos: os cientistas medem muito menos neutrinos do eletrão solares do que esperavam. Em 2001, o Observatório dos Neutrinos Solaresw7 no Canadá demonstrou que eles se transformam em neutrinos de outros sabores durante a viagem até à terra (Bahcall, 2004). Estão em curso experiências para analisar as oscilações do neutrino, por exemplo em França e no Japão onde aceleradores e centrais nucleares fornecem grande número de neutrinos para o estudow8.

No caminho entre o CERN em Geneve, Suiça, e o Gran Sasso em Itália, alguns dos neutrinos do muão transformam-se em neutrinos do tau e são detetados pelo OPERA . Clique na imagem para ampliar
Imagem cortesia de CERN

De onde vêm os neutrinos?

Os primeiros neutrinos foram gerados há cerca de 14 mil milhões de anos (14 x 109), 10-43 segundos depois do Big Bang. Apenas um segundo mais tarde eles já se moviam rapidamente para fora do resto da sopa quente e densa de outras partículas primárias; os cientistas ainda procuram neutrinos provenientes do Big Bang

É a fraca interação dos neutrinos com a matéria que faz com que seja quase impossível detetá-los, mas também é isso que os torna atraentes para os cientistas. Ao contrário da maioria das outras partículas, os neutrinos escapam de regiões muito densas como seja o núcleo do Sol ou da Via Láctea, e podem viajar desde galáxias distantes sem serem absorvidos, transportando informação sobre a sua origem. Assim, os neutrinos são mensageiros cósmicos, e a astronomia dos neutrinos está a revelar-se cada vez mais importante.

Até hoje, só foram observadas duas fontes de neutrinos extra terrestres: o Sol e as supernovas. Raymond Davis Jr e Masatoshi Koshiba venceram em 2002 o terceiro Prémio Nobel atribuído a trabalhos sobre neutrinosw2 pela deteção de neutrinos solares e de supernovas. Tal como as outras estrelas, o Sol emite neutrinos do eletrão em várias etapas do processo em que núcleos leves se fundem em núcleos mais pesados (ver imagem abaixo e para saber mais, ver Westra, 2006, e Boffin & Pierce-Price, 2007); mais de 1010 neutrinos solares atingem em cada segundo, um centímetro quadrado da Terra. Ao contrário dos fotões, que levam 100 000 anos a viajar do centro do Sol até à fotoesfera exterior antes de rapidamente viajarem para a terra, os neutrinos libertados na mesma fusão levam apenas 8 minutos a fazerem a mesma viagem. É por isso que os neutrinos solares são mensageiros úteis para dar informação sobre o processo de fusão no interior do Sol, como por exemplo a composição do núcleow9.

Fusão no Sol: dois núcleos de hidrogénio fundem-se para formar um núcleo de deutério, um positrão e um neutrino. O positrão encontra rapidamente um eletrão, aniquilam-se mutuamente, e só resta energia. O núcleo de deutério vai fundir-se com outro núcleo de hidrogénio e formar hélio-3. Na etapa final, dois núcleos de hélio-3 fundem-se para formar o hélio-4 e dois núcleos de hidrogénio. Clique na imagem para ampliar
Imagem cortesia de Mark Tiele Westra
Uma visão artística do
material circundante da
supernova SN1987A: dois
anéis exteriores, um anel
interior e o material
deformado expelido da parte
mais interior

Imagem cortesia de ESO / L
Calçada

Os neutrinos das supernovas são o resultado da morte violenta de algumas estrelas, que explodem e produzem ainda mais neutrinos do que fotões (ver Székely & Benedekfi, 2007): em 1987, vários detetores registaram um sinal anormalmente forte (vários eventos em poucos segundos, contrariamente à frequência usual de um por dia), atribuído a neutrinos da supernova SN1987A situada na Grande Nuvem de Magalhães. Para permitir aos astrónomos estarem preparados para observar estes eventos, vários detetores de neutrinos encontram-se hoje ligados entre si, constituindo o Sistema Precoce de Alerta de Supernovasw10, porque durante as explosões estelares, os neutrinos são libertados antes dos fotões que os astrónomos tentam detetar.

Os astrónomos, não são os únicos cientistas interessados em detetores de neutrinos: Na Terra, existem fontes de neutrinos quer naturais, quer artificiais: os materiais radioativos no interior da Terra sofrem declínio beta produzindo geo neutrinos. Além disso, os reatores nucleares de fissão produzem neutrinos, e os aceleradores de partículas também são usados como fontes de neutrinos para a investigação. Os neutrinos interessam aos físicos de partículas, que os estudam, mas também aos geofísicos e talvez até aos políticos (ver ‘Neutrinos as nuclear police’ e ‘Powering Earth’).

Finalmente, quando os raios cósmicos atingem a atmosfera da Terra, são emitidos neutrinos atmosféricos no declínio de piões e muões. Esta intensa fonte natural de neutrinos que chegam à Terra é o desespero dos astrónomos de neutrinos (ver abaixo, ‘Como detetar neutrinos’) porque estão interessados em detetar os neutrinos que vêm do espaço exterior, mas por outro lado dá aos físicos de neutrinos outros meios para estudar as suas partículas favoritas.

Como detetar neutrinos

Os neutrinos são muito úteis para estudar fenómenos astronómicos e cosmológicos, e em todo o mundo estão a construir-se detetores de neutrinos a grande profundidade para eliminar o ‘ruído’ de outras partículas. O recém concluído IceCubew11 é o maior detetor construído até hoje: um quilómetro cúbico de gelo no Pólo Sul, é usado como telescópio para pesquisar os neutrinos que vêm de fontes astrofísicas (ver imagem abaixo). Quando um neutrino colide com um protão do gelo da Antártida liberta-se um muão. Como qualquer partícula carregada que viaje com maior velocidade que a luz num dado meio (contudo menor que a velocidade da luz no vácuo), o muão gera um rasto cónico de luz azul – radiação de Cherenkov, o equivalente fotónico da onda de choque supersónica. Este fenómeno também se pode observar em alguns reatores nucleares.

 

O telescópio de neutrinos IceCube está no Pólo Sul (em cima à esquerda, a estação Pólo Sul à esquerda da pista, o IceCube à direita). Consiste em milhares de módulos óticos digitais autónomos (em cima à direita) que registam o momento de chegada do neutrino. Os módulos são colocados em buracos profundos no gelo, furados com água quente (em baixo à esquerda, tocar para aumentar a imagem). Quando um neutrino choca com um protão do gelo da Antártida, um cone de luz de Cherenkov azul é produzido (em baixo à direita, tocar na imagem para aumentar) e o percurso da luz é reconstruído a partir do momento da deteção do neutrino
Imagens cortesia de NSF

Milhares de sensores óticos, colocados numa grelha tridimensional a uma profundidade de 1.5 –2.5 km, detetam esta luz; combinando a informação de vários sensores é possível determinar a energia do neutrino e a direção donde vem. Para distinguir os muões provenientes de neutrinos cósmicos dos milhões de outros muões produzidos pelos raios cósmicos na atmosfera acima do detetor, o IceCube usa a Terra como filtro, só observando os muões que vêm do subsolo. Os neutrinos são as únicas partículas que atravessam a Terra sem interagir, por isso temos a garantia de que qualquer muão que venha de baixo foi gerado recentemente no detetor a partir de um neutrino cósmico.

Outros detetores usam materiais e estratégias diferentes – mas todos põem no trajecto dos neutrinos todo o material que for possível para tentar que interajam e assim revelem a sua presença.

Neutrinos como polícia nuclear

A deteção de armas e materiais nucleares é importante por várias razões incluindo a prevenção da proliferação nuclear e o terrorismo. Os cientistas estão a propor que detetores de anti neutrinos de um metro cúbico podem ser usados de modo não intrusivo para monitorizar e proteger os reatores nuclearesw12.

Atualmente os reatores são monitorizados indiretamente (por exemplo usando satélites, emissão de gás e poeiras, assinaturas sísmicas e de infra sons para testes de armas), o que pode conduzir a conclusões erradas. Detetores de neutrinos dariam informação em tempo real sobre a potência dos reatores, inclusive sobre a composição isotópica do núcleo. Uma matriz de aproximadamente 500 detetores espalhados pelo mundo permitiria o cálculo da potência de cada reator e a deteção de testes clandestinos de armas nucleares.

O tanque do detetor Super-
Kamiokande cheio de água.
Clique na imagem para
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Imagem cortesia de Kamioka
Observatory, ICRR (Institute for
Cosmic Ray Research), The
University of Tokyo

Fornecendo energia à Terra

Os neutrinos também são detetados em geofísica. O declínio radioativo do urânio, tório e potássio existentes na crusta terrestre e no manto sustenta o fluxo de material fundido em correntes convetivas, que condicionam a deriva dos continentes, o alargamento do fundo do mar, erupções vulcânicas e sismos.

Existem diversos modelos para o declínio, dependentes da constituição da crusta terrestre. Os geo neutrinos emitidos no declínio podem ajudar a dar resposta sobre a composição da crusta. Os geo neutrinos foram detetados pela primeira vez na experiência KamLANDw13 no Japão, em 2005, embora a abundância de centrais nucleares naquele país limite muito os estudos uma vez que os anti neutrinos por elas emitidos têm assinaturas energéticas muito semelhantes aos geo neutrinos. Em 2009, um grupo internacional do Projecto Borexinow6, w14 teve mais êxito porque à volta da experiência existem poucas centrais nucleares, fazendo com que se consiga um número de geo neutrinos com significado estatístico para determinar as quantidades relativas de urânio, tório e potássio.

Durante a leitura deste artigo cerca de 10 000 000 000 000 000 neutrinos passaram por ti sem dares por nada. Muito pequeno, mas com poder para confirmar ou rejeitar muitas teorias científicas

Agradecimentos

As editoras agradecem os conselhos do Dr Christian Buck, físico de neutrinos do Max-Planck-Institut für Kernphysik (Instituto Max Planck de Fisica Nuclear), Heidelberg, Alemanha.


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Author(s)

Susana Cebrián é professora na Universidade de Zaragoza, Espanha, trabalha em várias experiências no campo da física das astroparticulas no Laboratório Subterrâneo de Canfranc

Review

Os neutrinos são partículas estranhas – pequenas mas fascinantes, Este artigo descreve de modo acessível e com bons exemplos a sua origem, propriedades e deteção. É uma boa leitura básica para os professores de física mas pode igualmente ser um bom ponto de partida para a elaboração de projetos por parte dos alunos sobre este tópico ou para motivar discussões, por exemplo sobre física de partículas em geral, modelo padrão, física de detetores, CERN, astrofísica ou radiação.

O artigo é útil essencialmente para ser usado em aulas de física mas também contém ligações às ciências da terra. Para o tópico também ser acessível aos mais novos (cerca de 14 anos) aconselho o professor a selecionar algumas partes do artigo para discussão.

Gerd Vogt, Austria

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