A cor na natureza: azul verdadeiro Understand article

Já viu uma vaca azul? Uma maçã azul? Ou uma árvore azul? O azul é raro na natureza, então porque será que algumas plantas e animais são azuis?

Imagem: Michal Mrozek/unsplash

De onde vêm as cores? A luz solar contém todas as cores na parte visível do espectro, bem como comprimentos de onda que são invisíveis para os humanos. As substâncias coloridas absorvem determinados comprimentos de onda e refletem outros. Os nossos olhos percebem um objeto como azul quando a luz refletida tem um comprimento de onda entre cerca de 450 e 495 nm.[1]

Os seres vivos geralmente têm as cores que lhes conferem uma vantagem evolutiva. Então, porque é que o azul é relativamente raro na natureza? É desvantajoso? E porque é que algumas plantas e animais apresentam tons de azul? É um erro?

Para responder a essas questões, temos que mergulhar na química, em particular no mundo dos pigmentos naturais!

Azul na natureza: flores e plantas

Das mais de 280 000 espécies de plantas com flores conhecidas, menos de 10% produzem flores azuis.[2,3]

Nas flores, a cor azul vem de moléculas que absorvem a parte vermelha do espectro visível. Esses pigmentos são chamados de antocianinas, que vem da expressão grega para “flor azul” (anthos = “flor” e kyanous = “azul escuro”).

As antocianinas são uma classe de pigmentos solúveis em água que, dependendo do pH, podem ser vermelho, roxo ou azul. Esse comportamento faz com que flores com a mesma antocianina possam ter cores diferentes dependendo do pH do solo.[4] Isso ocorre porque a cor azul é frequentemente o resultado de iões metálicos interagindo com as antocianinas nas pétalas para formar complexos químicos, que alteram a cor do pigmento. Por exemplo, o azul da centáurea (Centaurea cyanus) provém de uma antocianina chamada protocianina, que junto com outro composto (a flavona) forma um complexo de pigmentação composto por seis moléculas de protocianina, seis moléculas de flavona, um ião férrico, um ião de magnésio e dois iões de cálcio.

Uma centáurea e a estrutura do complexo de pigmentação azul. Consiste em seis moléculas de protocianina (cinzento) e seis moléculas de flavona (amarelo), juntamente com dois iões metálicos (Mg2+ e Fe3+) no centro.[5]
Imagens: Centáurea: Agnieszka Kwiecień/Wikipedia, CC BY 4.0. Protocianina: Reproduced from Ref. [5]/Wikipedia, CC BY-SA 3.0

O pH do solo pode influenciar a absorção de iões metálicos pelas plantas, razão pela qual a cor das pétalas pode depender do pH e algumas espécies podem até apresentar uma gama de cores na mesma planta. Por exemplo, as hortênsias são rosa ou vermelho em solo básico (pH acima de 7), mas são azuis em um pH mais baixo (abaixo de 7) porque a planta pode absorver mais iões de alumínio do solo.[6]

As hortênsias podem ter diferentes tons de rosa, roxo e azul.
Imagen: Matthias Böckel/Pixabay

Outro exemplo incrível de azul no mundo vegetal é a flor da ervilha-borboleta (Clitoria ternatea), que obtém sua cor da antocianina delfinidina (que também dá a cor aos mirtilos). O azul brilhante desta flor muda para roxo na presença de condições ligeiramente ácidas e torna-se rosa quente à medida que a acidez aumenta. Por isso, as flores secas de ervilha-borboleta são usadas para criar chás coloridos que podem mudar de cor, por exemplo, com a adição de uma rodela de limão.[7]

Esquerda: flor de ervilha-borboleta. Direita: As cores do chá de ervilha-borboleta em condições neutras (azul), ácidas (rosa/roxo) e básicas (verde)
Imagens: For: N. Aditya Madhav/ Wikipedia, CC BY-SA 3.0. Chá: Courtesy of Marisa Prolongo

Então, porque algumas flores são azuis? Muitos insetos percebem as cores de maneira diferente de nós. Os fotorreceptores nos nossos olhos são sensíveis ao vermelho, verde e azul. Os insetos pertencentes à família das abelhas (ordem Hymenoptera) possuem recetores sensíveis ao verde, azul e ultravioleta.[8] As flores azuis devem ser altamente visíveis para estes insetos polinizadores.

O mundo animal: quando a química falha, a física vem em socorro

Se o azul é raro nas plantas, é ainda mais raro no mundo animal. No entanto, existem alguns exemplos de animais azuis: insetos, répteis, peixes e até pássaros.

Nesse caso, a química geralmente não tem nada a ver com isso; na verdade, a maioria dos animais azuis não é capaz de sintetizar pigmentos azuis,[9] embora haja exceções, como alguns sapos. Por isso, muitos animais recorrem à física e ao maravilhoso fenômeno da iridescência!

A iridescência é o fenômeno de certos materiais que mudam de cor dependendo do ângulo de visão ou iluminação. Ocorre quando a estrutura física de um objeto faz com que as ondas de luz se combinem umas com as outras, um fenômeno conhecido como interferência. Na interferência construtiva, as ondas de luz combinam-se de modo que os picos e os vales se alinhem para se reforçarem uns aos outros, aumentando a vibração da cor refletida. A interferência destrutiva ocorre quando os picos e os vales se anulam para escurecer a cor. À medida que o ângulo de visão do observador muda, as cores do objeto iridescente mudam dependendo do grau de interferência construtiva e destrutiva. Por exemplo, as linhas circulares concêntricas de poços na superfície de um CD têm tamanho e espaçamento semelhantes ao comprimento de onda da luz visível, o que leva a uma iridescência colorida quando a luz incide sobre eles! Um efeito semelhante pode ser causado por finas películas transparentes, que é o que dá às bolhas de sabão o seu brilho iridescente.

A interferência entre duas ondas de luz pode ser construtiva e destrutiva de acordo com sua posição relativa no espaço.
Interferência construtiva e destrutiva de luz por um filme fino
© GIA. Reimpresso com permissão

No mundo animal, esse efeito pode ser produzido por micro e nanoestruturas presentes na superfície da pele, concha ou plumagem da criatura. Eles precisam ser altamente ordenados para modular a luz refletida, amplificando/atenuando algumas frequências mais do que outras.

Um exemplo é parótia-ocidental que é uma ave-do-paraíso (Parotia sefilata). Os machos têm penas no peito que produzem uma bela cor azul iridescente por causa de nanoestruturas planas, ordenadas e perfeitamente espaçadas que alinham a luz e amplificam comprimentos de onda em ângulos específicos. As bárbulas das penas (as fibras finas) têm uma seção transversal em forma de V que recebe a luz de diferentes ângulos. O ponto da estrutura reflete amarelo-alaranjado, enquanto os lados refletem verde-azul. Este fenômeno, combinado com uma espécie de ritual de dança, é usado para impressionar um parceiro em potencial.[10]

a) Parótia-ocidental. b) Uma visão oblíqua das penas do peito, mostrando a variação drástica na cor ao longo das penas alinhadas de forma diferente. c) Uma imagem de microscópio eletrônico de um corte através de uma bárbula de pena, mostrando os nanogrânulos escuros e a seção transversal em forma de V[11]
Imagem: Adaptado com a permissão de PNAS

As estruturas multicamadas das asas das borboletas são outro maravilhoso exemplo de iridescência. Quando pensa numa borboleta azul, provavelmente imagina as asas azuis da borboleta morfo Morpho menelaus? Se olhar para as asas de uma borboleta Morpho sob um microscópio, verá que elas são cobertas com pequenas escamas com estruturas de superfície bem ordenadas que agem como a estrutura de penas da parótia-ocidental, refletindo a luz em incríveis tons de azul a cada batida de asa.[12]

Imagens microscópicas de asas de borboleta Morpho em diferentes ampliações, mostrando que são compostas por milhares de escamas com estruturas hierárquicas complexas[13]
Imagem: Utilizada com permissão de SPIE

O mesmo fenômeno é encontrado em muitos peixes, como a donzela azul (Chrysiptera cyanea) e o peixe cirurgião-patela (Paracanthurus hepatus), que pode reconhecer como a Dory do filme À Procura de Neno da Disney!

A dozela azul (Chrysiptera cyanea) e o cirurgião-patela (Paracanthurus hepatus)
Imagens: Cirurgião-patela: Tewy/Wikimedia, CC BY-SA 3.0. Dozela azul: Dr. Scott Mills/Flickr, CC BY-SA 2.0

Este truque de física também é usado no mundo vegetal. Existem plantas que podem viver com muito pouca luz graças a pequenas armadilhas de luz presentes em suas folhas, como a planta tropical malaia Begonia pavonina, que tem folhas azuis iridescentes. As armadilhas de luz estão localizadas em estruturas microscópicas das folhas chamadas iridoplastos, um tipo de cloroplasto no qual as membranas tilacoides que contêm a clorofila formam nanoestruturas que parecem pequenas torres e agem como cristais multicamadas. Isso cria um efeito fascinante: a estrutura ordenada reflete a luz azul, e é por isso que as folhas são azul iridescente. Perder essa luz azul não é um problema para as begônias, já que a maior parte da luz azul é absorvida pela floresta tropical que cresce acima dela. No entanto, esses tilacóides especiais são muito melhores a absorver a luz predominantemente verde que atravessa a copa das árvores acima. Essas folhas azuis podem, assim, obter mais energia da pouca luz que atinge o chão escuro da floresta tropical.[14]

Esta folha de begônia exibe iridescência azul como consequência da adaptação às condições de sombra profunda.© © University of Bristol

E os ovos azuis?

Sabia que algumas espécies de aves, entre as quais o tordo-americano (Turdus migratorius), põem ovos com uma bonita cor azul? Está a questionar-se sobre o motivo desta elegante escolha? Aí vem a química novamente para explicar. A cor vem de um pigmento biliar chamado biliverdina, uma molécula que pode dar cores do verde ao azul. As fêmeas do tordo-americano têm uma grande quantidade de biliverdina em seus corpos que é depositada na casca do ovo durante a formação, dando-lhe a típica cor azul. A intensidade do azul é diretamente proporcional à saúde da fêmea, então os machos estão mais predispostos a cuidar dos filhotes nascidos dos ovos mais azuis.[15]

Um tordo-americano o os seus ovos azuis
Imagem: Tordo-americano: Kristof vt/Wikipedia, CC BY-SA 3.0. Ovos azuis: Laslovarga/Wikipedia, CC BY-SA 3.0

Há também outro motivo para esta escolha: proteção contra a luz solar. A casca colorida é capaz de proteger o embrião em crescimento dos raios UV prejudiciais e também absorve os raios infravermelhos, o que permite que o ovo mantenha uma temperatura ideal para o desenvolvimento do embrião.[16]

Quer venha da química ou da física, podemos dizer com certeza que na natureza o azul nunca é triste!


References

[1] O espectro da luz visível: https://www.sciencelearn.org.nz/resources/47-colours-of-light

[2] David Lee (2010) Nature’s Palette, The Science of Plant Color. University of Chicago Press. ISBN: 9780226471051

[3] Tahoun M et al. (2021) Chemistry of porphyrins in fossil plants and animals. RSC Advances 11: 7552–7563. doi: 10.1039/D0RA10688G

[4] de Pascual-Teresa S, Sanchez-Ballesta MT (2008) Anthocyanins: from plant to health. RSC Advances 7: 281–299. doi: 10.1007/s11101-007-9074-0

[5] Shiono M, Matsugaki N, Takeda K (2005) Structure of the blue cornflower pigmentNature436: 7052. doi: 10.1038/436791a

[6] Yoshida K, Mori M, Kondo T (2009) Blue flower color development by anthocyanins: from chemical structure to cell physiologyNature Product Reports 26: 884–915. doi: 10.1039/b800165k

[7] Kohei K, Naonobu N, Suzuki M (2003) Flavonoid composition related to petal color in different lines of Clitoria ternatea. Phytochemistry. 64: 1133–1139. doi: 10.1016/s0031-9422(03)00504-1

[8]  Shrestha M et al. (2021) Fragmentary blue: resolving the rarity paradox in flower colors. Frontiers in Plant Science 11. doi: 10.3389/fpls.2020.618203

[9] Shimoda M, Honda K-i (2013) Insect reactions to light and its applications to pest management. Applied Entomology and Zoology 48: 413–421. doi: 10.1007/s13355-013-0219-x

[10]  Bagnara JT, Fernandez PJ, Fujii R (2017) On the blue coloration of vertebrates. Pigment Cell Research 20: 14–26. doi: 10.1111/j.1600-0749.2006.00360.x

[11] Wilts DB et al. (2014)  Sparkling feather reflections of a bird-of-paradise explained by finite-difference time-domain. PNAS 12: 4363–4368. doi: 10.1073/pnas.1323611111

[12] Tadepalli S et al. (2017) Bio-optics and bio-inspired optical materials. Chemical Reviews 20: 12705–12763. doi: 10.1021/acs.chemrev.7b00153

[13] Saito A et al. (2006) Morpho-blue reproduced by nanocasting lithography. Proc. SPIE 6327, Nanoengineering: Fabrication, Properties, Optics, and Devices III, 63270Z; doi: 10.1117/12.679979

[14] Heather MW et al. (2016) Photonic multilayer structure of Begonia chloroplasts enhances photosynthetic efficiency. Nature Plants 2: 16162. doi: 10.1038/nplants.2016.162

[15] English PA, Montgomerie R (2011) Robin’s egg blue: Does egg color influence male parental care? Behavioral Ecology and Sociobiology 65: 1029–1036. doi: 10.1007/s00265-010-1107-9

[16] Lahti DC, Ardia DR (2016) Shedding light on bird egg color: pigment as parasol and the dark car effect. The American Naturalist 187: 547–563. doi: 10.1086/685780

Resources

Author(s)

Ottavia Bettucci é doutorada em Química Orgânica pela Universidade de Siena (Itália), em colaboração com o CNR (Italian National Research Council) de Florença (Itália). Ela é especialista em tecnologias fotovoltaicas emergentes e combustíveis solares sustentáveis. Em 2019, ingressou no Istituto Italiano di Tecnologia (Nápoles, Itália) onde trabalha como investigadora de pós-doutoramento na área da bioeletrônica.

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