Mais do que o olho vê: o Universo exótico de altas energias Understand article

Traduzido por Pedro Augusto. No terceiro artigo desta série sobre Astronomia e o espetro eletromagnético, aprenda sobre fenómenos cósmicos exóticos e poderosos que os astrónomos investigam com observatórios de raios X e raios gama, incluindo as missões XMM-Newton e INTEGRAL da Agência…

A imagem é cortesia da ESA /
AOES Medialab

Nos anos 60 do século XX o advento da era espacial iniciou a era da Astronomia de altas energias. Pela primeira vez os astrónomos podiam ver o Universo com olhos de raios X e de raios gama. A radiação eletromagnética (EM) a estes comprimentos de onda é emitida por fontes cósmicas com propriedades extremas tais como temperaturas excecionalmente altas, densidades extraordinariamente elevadas ou campos magnéticos notavelmente fortes. Os observatórios terrestres, contudo, não conseguiam detetar essa radiação, por ter comprimentos de onda curtos demais para penetrarem a atmosfera da Terra (figura 1). Foram necessários os primeiros observatórios espaciais para revelar este Universo turbulento e constantemente em mudança.

Em apenas meio século, observações feitas às mais altas energias mudaram significativamente a nossa visão do cosmos. Ao estudarem o céu em raios X e raios gama, os astrónomos descobriram vários novos tipos de fontes astronómicas e melhoraram o seu conhecimento sobre muitos outros tipos de objetos. De forma a examinar o Universo na gama do espetro EM dos raios X e dos raios gamaw1, a Agência Espacial Europeia (ESA; ver caixa) opera duas missões: os observatórios espaciais XMM-Newton (raios X) e INTEGRAL (raios X e raios gama). As técnicas usadas na Astronomia de raios X e raios gama por estas duas missões foram apresentadas no segundo artigo desta série (Mignone & Barnes, 2011b); este artigo fornece uma visão geral do que estas missões nos ensinaram, desde a vida das estrelas à estrutura do Universo. Para uma visão geral sobre o espetro EM e o seu papel na Astronomia, ver o primeiro artigo desta série (Mignone & Barnes, 2011a).

Figura 1: O espetro EM, com as regiões de alta-energia observadas pelos observatórios espaciais da ESA (XMM-Newton e INTEGRAL) destacadas. Os raios X são emitidos por fontes cósmicas a milhões de graus Celsius; os raios gama por fontes a centenas de milhões de graus Celsius. O XMM-Newton deteta raios X com energias de 150-1.5 x 104 eV, enquanto o INTEGRAL detecta tanto raios X a energias de 3 x 103-3.5 x 104 eV como raios gama de 1.5 x 104 keV – 1.0 x 107 keV. Clique na imagem para a aumentar.
A imagem é cortesia da ESA/ AOES Medialab

Revelando o nascimento e morte das estrelas

As estrelas nascem quando a gravidade faz com que enormes núvens de gás e poeiras colapsem, se fragmentem e formem proto-estrelas. Estas proto-estrelas crescem mais tarde para estrelas totalmente desenvolvidas quando a fusão nuclear faz a ignição dos seus núcleos. Como uma estrela depois continua a evoluir depende da sua massa, com estrelas massivas destinadas a uma vida mais curta e a um final mais espetacular do que as suas parceiras com menos massa (figura 2).

Figura 2: O ciclo de vida das estrelas. Clique na imagem para a aumentar.
A imagem é cortesia da ESA/ AOES Medialab

São os estágios iniciais e finais do ciclo de vida de uma estrela que são os mais interessantes para os astrónomos de raios X e de raios gama. Uma vez que algumas estrelas muito jovens brilham fortemente nos raios X, os astrónomos podem detetar muitas olhando para regiões de formação estelar com telescópios de raios X como o XMM-Newton (figura 3). As estrelas jovens mais massivas libertam radiação muito energética e gás extremamente quente que são observados em comprimentos de onda de raios X e influenciam como outras estrelas se formam na zona circundante. Astrónomos utilizando o XMM-Newton detetaram bolhas de gás quente de estrelas jovens massivas em muitas regiões do céuw2, incluindo na Nebulosa de Orion e na região de formação estelar NGC 346. Esta investigação alimenta o nosso conhecimento de como jovens estrelas massivas afetam a formação estelar em torno delas – um tópico quente na astrofísica moderna.

Figura 4: Imagem nos raios X
do resto de supernova SN
1006 como visto com o
XMM-Newton. Este objeto é o
que resta de uma supernova
que foi vista por astrónomos
chineses em 1006 DC. Visível
nos cantos superior esquerdo
e inferior direito estão ondas
de choque onde partículas
tais como eletrões são
aceleradas até velocidades
muito elevadas.

A imagem é cortesia de CEA /
DSM / DAPNIA / SAp / J Ballet e
ESA
Figura 5: Registo artístico de
um binário de raios X. Com o
seu intenso campo
gravitacional, o buraco negro
à direita captura matéria da
sua companheira, uma
estrela supergigante azul, à
esquerda. O material
removido circula em espiral
em torno do buraco negro,
formando um disco de
agregação que brilha
fortemente às energias mais
elevadas. Dois poderosos
jatos de partículas altamente
energéticas disparam da
proximidade do buraco
negro.

A imagem é cortesia da ESA /
AOES Medialab
Figura 3: A região de
formação estelar NGC 346
está localizada na Pequena
Nuvem de Magalhães, uma
das galáxias vizinhas da Via
Láctea. Esta imagem de
falsa-cor combina
observações realizadas com
o XMM-Newton nos raios X
(azul) com dados recolhidos
em luz visível (verde) e
infravermelha (vermelho)
com os telescópios espaciais
Hubble e Spitzer,
respetivamente.

A imagem é cortesia da NASA /
JPL-Caltech / D Gouliermis
(Max-Planck Institute for
Astronomy, Heidelberg,
Alemanha) e ESA

No final das suas vidas, as estrelas massivas explodem como supernovas (como descrito em Székely & Benedekfi, 2007), aquecendo o gás em redor até temperaturas extremamente elevadas e acelerando partículas, tais como eletrões, até velocidades muito elevadas. Em consequência, é libertada uma abundância de raios X e raios gama (figura 4).  Além disso, muitos elementos mais pesados do que o ferro, tais como o chumbo, o níquel e o ouro, são sintetizados durante as explosões em supernova (para saber mais, ver Rebusco et al., 2007). Alguns destes elementos são radioativos e eventualmente decaem para isótopos estáveis, produzindo raios gama no processo. Os astrónomos que usam o INTEGRAL rastrearam a Via Láctea e encontraram vestígios do radioisótopo Alumínio-26. Tal como arqueólogos, eles mergulharam na história da nossa galáxia e realizaram um censo das supernovas do passado. Os resultados demonstram que, na Via Láctea, as supernovas ocorrem, em média, uma vez a cada 50 anosw3.

Depois de uma explosão em supernova tudo o que resta da estrela massiva é um objeto compacto e extremamente denso – ou uma estrela de neutrões ou um buraco negro.

Figura 6: A galáxia ativa
próxima, Centaurus A (NGC
5128). Esta imagem em
falsa-cor combina
observações feitas com o
XMM-Newton nos raios X
(ciano, azul e violeta, em
ordem de um aumento de
energia) e dados recolhidos a
comprimentos de onda mais
longos, no infravermelho
(amarelo) e submilímetro
(vermelho) usando o
observatório espacial
Herschel da ESA. A
comprimentos de onda dos
raios X, um número de fontes
pontuais são visíveis em
primeiro plano: estas são
binários de raios X que
pertencem à nossa galáxia, a
Via Láctea.

A imagem é cortesia da ESA /
XMM-Newton (raios X); ESA /
Herschel / PACS / SPIRE / CD
Wilson, McMaster University,
Hamilton, Ontario, Canada
(infravermelho longínquo e
sub-milímetro)

Com uma tão grande massa apertada num espaço restrito, estes restos têm campos gravitacionais excecionalmente fortes e exercem uma força de atração intensa em matéria próxima mas são bastante difíceis de detetar. Contudo, se a estrela de neutrões ou o buraco negro formam parte de um sistema estelar binário (duas estrelas em órbita em torno de um centro de massa comum), podem começar a devorar matéria da estrela companheira; a matéria em agregação, então, aquece até aos milhões de graus, emitindo raios X e gama. Esta emissão de altas energias pode ser usada para revelar a presença de uma estrela de neutrões ou de um buraco negro.

Estes sistemas são chamados de binários de raios X (figura 5) e foram descobertos no final dos anos 1960 em observações de raios X. Nessa altura, as estrelas de neutrões e os buracos negros apenas existiam como previsões teóricas pelo que aquelas observações forneceram a primeira prova da sua existência.

Desde então, várias gerações de observatórios espaciais ajudaram os astrónomos a aprender mais. O XMM-Newton e o INTEGRAL estudaram muitas binárias de raios X (que também podem libertar raios gama), revelando detalhes importantes sobre a física de buracos negros e de estrelas de neutrões. Por exemplo, raios gama de Cisne X-1, observados utilizando o INTEGRALw4, ajudaram os astrónomos a melhor compreender como a matéria é agregada através de um disco para o buraco negro e parcialmente expelida em dois jatos simétricos.

O Universo distante

Figura 7: Observações do
muito distante enxame de
galáxias CL J1449+0856
realizadas nos raios X
(emissão violeta) com o
XMM-Newton estão
sobrepostas numa imagem
feita com telescópios na
superfície da Terra em
comprimentos de onda no
infravermelho próximo. A
maioria dos objetos visível
na imagem são galáxias
muito fracas e distantes. As
galáxias que pertencem ao
enxame de galáxias são
visíveis como um conjunto de
objetos fracos e vermelhos.
Com uma temperatura acima
dos 20 milhões de graus
Kelvin, o gás quente que
ocupa o espaço intergalático
emite de forma brilhante nos
raios X.

A imagem é cortesia da ESA /
ESO / Subaru / R Gobat et al.

Os astrónomos das altas energias observam, não só, o nascimento e morte de estrelas na Via Láctea e galáxias próximas mas também utilizam os raios X e gama para investigar o Universo muito mais distante – incluindo buracos negros supermassivos e enxames de galáxias.

Todas as grandes galáxias alojam buracos negros supermassivos nos seus centros, com massas de uns poucos milhões a uns poucos biliões de vezes a massa do Sol. Algumas galáxias, conhecidas como galáxias ativas, contêm buracos negros supermassivos que, ao contrário do que existe no centro da Via Láctea, são ativos. Ao devorar matéria das suas redondezas, estes buracos negros libertam radiação em altas energias e poderosos jatos de partículas altamente energéticas (figura 6).

O XMM-Newton e o INTEGRAL, da ESA, são, assim, ferramentas ideais na caça a galáxias ativas e na investigação dos mecanismos que as alimentam. Os astrónomos não conseguem ver todos os necessários detalhes de fontes mais distantes de altas energias pelo que também colecionam dados de tantas galáxias ativas próximas quanto possível. Ao combinar os dados de galáxias próximas e distantes, os astrónomos descobriram como agregam matéria os buracos negros supermassivos (através de um disco) e como estes discos podem estar rodeados de nuvens absorsoras de gásw5.

Figura 8: Este mapa compara
a distribuição de matéria
‘normal’, delineada através
do gás quente visível pelo
XMM-Newton (a vermelho) e
pelas estrelas e galáxias
observadas com o telescópio
espacial Hubble (a cinzento)
com a distribuição da
invisível matéria escura (a
azul), inferida pelos efeitos
de lente gravitacional. O
mapa demonstra como a
matéria ‘normal’ através do
Universo segue a estrutura
de uma subjacente ‘matriz’
de matéria escura.

A imagem é cortesia da NASA /
ESA / R Massey (California
Institute of Technology)

Numa escala ainda maior, as galáxias tendem a organizar-se em enxames de até vários milhares de galáxias. Estes enxames são as maiores estruturas do Universo que se mantêm juntas pela ação da gravidade e libertam uma difusa emissão em raios X. Esta emissão, primeiramente observada nos anos 1970, revelou que o espaço intergalático num enxame contém uma imensa quantidade de gás quente. Junto com outras observações que sondam o céu através do espetro EM, o XMM-Newton observou centenas de enxames de galáxias (figura 7).

Estas incluem um enxame de galáxias muito distante que é uma das estruturas que se formou mais cedo no Universow6, apenas 3 biliões de anos depois do Big Bang. Isto pode parecer um tempo muito longo mas é menos de um quarto da idade presente do Universo.

Os enxames de galáxias estão localizados nos nós mais densos da teia cósmica, a gigante rede de estrutura que faz o Universo e que consiste, principalmente, de matéria escura invisívelw7. Usando o XMM-Newton, os astrónomos vislumbraram matéria onde esta está mais densamente concentrada, assim delineando a distribuição da estrutura cósmica através do Universo (figura 8).

Do nascimento de uma estrela à estrutura do Universo – o que se segue? Observatórios de raios X e gama, incluindo os XMM-Newton e INTEGRAL da ESA, mantêm uma apertada vigilância no sempre mutável céu de altas energias, registando súbitas e violentas explosões nos raios X e gama. Ao continuar a desvendar maravilhas celestes aos astrónomos, estes notáveis observatórios espaciais estão a ajudar-nos a resolver os mistérios do nosso Universo.

 

Mais sobre a ESA

A Agência Espacial Europeia (ESA)w8 é a porta da Europa para o espaço, organizando programas para descobrir mais sobre a Terra, o seu ambiente espacial próximo, sobre o nosso Sistema Solar e sobre o Universo, bem como cooperando na exploração humana do Espaço, desenvolvendo tecnologias e serviços com base em satélites e promovendo as indústrias europeias.

A Direção de Ciência e Exploração Robótica dedica-se ao programa espacial da ESA e à exploração robótica do Sistema Solar. Na busca da compreensão do Universo, das estrelas, dos planetas e das origens da vida, os satélites espaciais científicos da ESA penetram nas profundezas do cosmos e vislumbram as galáxias mais distantes, estudam o Sol com um detalhe sem precedentes e exploram os nossos vizinhos planetários.

A ESA é membro do EIROforumw9, o editor do Science in School.


References

Web References

Resources

Institutions

Author(s)

Claudia Mignone, Vitrociset Belgium para a ESA – European Space Agency, é uma escritora de ciência da ESA. Tem uma licenciatura em Astronomia pela Universidade de Bolonha, Itália e um doutoramento em Cosmologia pela  Universidade de Heidelberg, Alemanha. Antes de trabalhar para a ESA, trabalhou no gabinete de divulgação do European Southern Observatory (ESO).

Rebecca Barnes, HE Space Operations para a ESA – European Space Agency, é a responsável pela educação do Departamento de Ciência e Exploração Robótica da ESA. Tem uma licenciatura em Física com Astrofísica pela Universidade de Leicester, Reino Unido, e trabalhou antes nos departamentos de educação e comunicações espaciais do UK’s National Space Centre. Para saber mais sobre as atividades de educação do Departamento de Ciência e Exploração Robótica da ESA, contacte Rebecca pelo email SciEdu@esa.int.

Review

Este artigo, o terceiro de uma série, descreve atividades de investigação europeia na área da Astronomia de Altas Energias. O segundo artigo da série descreveu as técnicas utilizadas por duas missões da ESA, o XMM-Newton (raios X) e o INTEGRAL (raios X e raios gama); este artigo descreve alguns dos seus resultados, incluindo uma perspetiva sobre o nascimento e a morte de estrelas e também sobre o Universo mais longínquo.

Para estudantes mais velhos (>16), o artigo é ideal para lições de Física, onde pode ser usado para abordar a Astrofísica (a vida das estrelas, objetos cósmicos, a teoria do Big Bang), a Ótica ou mesmo Fìsica Quântica (gamas espetrais, relação entre comprimento de onda e energia, ondas EM), massa e gravidade. Também pode ser usado em aulas de Geografia sobre o Universo, o Sistema Solar e objetos cósmicos.

De forma a tornar o artigo também acessível para alunos mais novos (idades entre os 10 e os 15 anos), sugiro que o professor selecione apenas algumas partes do artigo para a discussão.

O artigo pode ser muito útil também em aulas de Inglês ou – uma vez traduzido – em Alemão, Francês ou aulas de outras línguas. Uma vez que o artigo não é muito técnico, mesmo professores pouco familiarizados com a Física podem usá-lo.

O artigo pode também ser utilizado para estimular a discussão, com questões que incluem:

  1. Descreva as missões europeias XMM-Newton e INTEGRAL.
  2. Dê uma visão geral sobre o espetro eletromagnético (incluindo o visível, infravermelho e UV).
  3. Qual é a relação entre comprimento de onda, energia e frequência?
  4. Porque usamos observatórios espaciais para além de observatórios na Terra?
  5. Porque são as fontes que brilham mais nos raios gama mais quentes do que as que brilham mais nos raios X?
  6. O que são binárias de raios X?
  7. O que pode acontecer a estrelas massivas no final das suas vidas?

Gerd Vogt, Higher Secondary School for Environment and Economics, Yspertal, Áustria

License

CC-BY-NC-ND

Download

Download this article as a PDF