’Levantamento escolar do radão’: Medidas de radioactividade em casa Teach article

Traduzido por Mª da Conceição Abreu. Marco Budinich e Massimo Vascotto apresentam um projecto escolar para medir níveis de radão nas nossas casas.

Imagem cortesia de Nicola Graf

A simples palavra ‘radioactividade’ evoca mistério e receio, e poucas pessoas têm presente que, na maioria das situações, a radioactividade é um fenómeno natural com que temos de viver. O radão é um gás radioactivo que existe na natureza e é a causa mais frequente de cancro de pulmão depois do tabaco, representando a forma de radioactividade com maior impacto social.

Sendo um gás, o radão escapa-se das rochas e, mistura-se com o ar que respiramos. Quanto maior for a sua concentração, maior a radioactividade a que estamos expostos. A concentração de radão é bastante aleatória: uma casa pode ter muito radão enquanto as casas vizinhas não têm níveis de radão detectáveis. Uma vez que o radão vem essencialmente das rochas, a sua concentração está relacionada com a composição do solo, a existência de água e, em geral, com a geologia. Saber quanto radão respiramos em casa é pois importante para a nossa saúdew1. O projecto de ‘Levantamento Escolar do Radão’ (RSS)w2, w3 envolve alunos do ensino secundário na medição da concentração de radão nas suas casas.

Figura 1: Amostra de CR39
Imagem cortesia da
Universidade de Trieste

Em condições normais, as medições de radão requerem equipamento bem para além do orçamento da escola; como alternativa usamos um método simples, seguro e fiável para obter resultados significativos através da detecção da radioactividade a do radão. O núcleo do átomo de radão-222 decai para polónio-218, emitindo uma ‘pesada’ partícula-a (um núcleo de hélio-4). Quando a partícula-a atinge um objecto sólido, provoca uma alteração local, tal como uma bala faria numa parede: deixa um pequeno buraco ou traço nuclear. A nossa ‘parede’ foi um fino alvo de plástico; podemos facilmente contar o número de buracos deixados pelas partículas-a, e com esta informação, calcular a concentração média de radão durante o tempo de exposição.

Figura 2: Dosímetro de CR39
Imagem cortesia da
Universidade de Trieste

O plástico usado, CR39, (também conhecido por PADC – poly allyl diglycol carbonate), foi desenvolvido para a construção das cabinas dos aviões na 2ª Guerra Mundial e é agora utilizado em lentes ópticas inquebráveis, e também, em física nuclear para detectar partículas-a e neutrões.

Materiais

  • Para cada aluno, um dosímetro de radão CR39 no topo da caixa de plástico com tampa aparafusável (ver Figura 3). (Para mais informação ver a lista de fornecedores)
  • Hidróxido de sódio (NaOH)
  • Água destilada
  • Banho maria (ou uma frigideira barata com termostato)
  • Um microscópio com microcâmara (ver ‘Fornecedores’)

Método

Figura 3: CR39 dentro da
câmara de exposição

Imagem cortesia da
Universidade de Trieste
  1. Para medir quantitativamente o nível de radão, colocar o dosímetro de um a seis meses num dado lugar. Um quarto é uma boa escolha para reflectir a nossa exposição ao radão, porque é um local onde estamos bastante tempo. A seguir, o detector está pronto para ser analisado.Para visualizar os traços nucleares deixados pelas partículas-a usando um microscópio vulgar, devemos primeiro ampliá-los com um decapante químico.
  2. Colocar o dosímetro numa proveta e cobri-lo com uma solução de 240g de hidróxido de sódio por litro de água destilada. Aquecer a 80ºC pelo menos durante 4h. ( Se usarem uma frigideira com termostato, testar primeiro a temperatura da água). Se estiverem a preparar vários dosímetros, devem usar uma nova solução de hidróxido de sódio para cada um.
Figura 4: Microscópio com
micro câmara

Imagem cortesia da
Universidade de Trieste

Nota de segurança:o hidróxido de sódio é corrosivo e tem de ser manuseado com cuidado.

  1. Deixar o dosímetro com decapante durante 4h, a seguir passar bem por água. Os traços têm agora um diâmetro de cerca de 10mm e podem ser vistos com um microscópio.

A concentração do radão é calculada pela fórmula:

Rn = D fc / Δt

onde

Rn é a concentração de radão (Bq/m3)

D é a densidade de traços (número de traços/m2)

fc é o factor de calibração (densidade de traços correspondente a uma exposição de 1 dia a uma concentração de 1 Bq/m3; esta informação é dada pelo fornecedor)

Δt é o tempo de exposição.

Figura 5: Traços nucleares 10x (buracos assinalados com setas)
Imagem cortesia da Universidade de Trieste

Amostragem de resultados

A concentração de radão nas nossas casas pode variar quatro ordens de grandeza ao longo do dia, e depende de vários factores incluindo o tempo, a circulação e a pressão do ar, e ainda outros efeitos sazonais. Contudo, o que é importante do ponto de vista da saúde, é a concentração média de radão. Devido a este facto, as medições de radão são realizadas durante longos períodos.

Desde que o projecto começou em 2003, estiveram envolvidos cerca de 2000 estudantes de escolas secundárias do Friuli Venezia-Giulia (nordeste de Itália). Usando dosímetros CR39 calibrados fizeram-se quatro observações de longa duração, algumas medições de curta duração e umas tantas verificações de lugares com elevados níveis de radão. O projecto ainda continua, e as escolas que fazem medidas são bem vindas ao projecto fornecendo os valores obtidos.

No verão de 2005, 89% das 897 medições de radão feitas pelos alunos estavam abaixo dos 200Bq/m3, i.e. abaixo do limite recomendado pela Comissão Europeia (A Comissão da Comunidade Europeia, 1990). Só 2% (22 medições) excediam o limite de 400Bq/m3 recomendado para as construções antes de 1990. Destas, 0.4% (4 medições) excediam 1000 Bq/m3, sendo o valor mais elevado de 5699 Bq/m3 (ver gráfico).

Medições feitas no verão de 2005. n=897, 7 escolas. Média 130, desvio padrão 292, máximo 5699, mínimo 0, mediana 87

No inverno de 2007, as 860 medidas efectuadas eram em geral ligeiramente mais elevadas: 70% abaixo de 200 Bq/m3 e mais de 20% entre 200 e 400 Bq/m3. Nesta observação, 10% (88 medidas) excediam o limite de 400 Bq/m3. Contudo, a medida mais elevada era menor do que a do verão de 2005: apenas 3227 Bq/m3 (ver gráfico).

Medições feitas no inverno de 2007. n=860, 10 escolas. Média 208, desvio padrão 275, máximo 3227, mínimo 0, mediana 140
Radon measurement (Bq/m3) Summer 2005 survey (n=897) Winter 2007 survey (n=860)
Table 1: Sample results from the RSS project
Rn≤200 (limit for post-1990 buildings) 89% (795) 70% (604)
200<Rn≤400 (limit for pre-1990 buildings) 9% (80) 20% (168)
Rn>400 2% (22) 10% (88)

Nos casos em que os níveis de radão detectados estavam acima do limite, a medida foi repetida, e se o nível era ainda demasiado elevado, recomendávamos aos alunos um contacto com a agência regional de protecção ambiental, que podia aconselhar como conseguir que o radão não se acumulasse em casa. Um exemplo de uma remoção fácil do radão é ventilar os compartimentos. Métodos mais trabalhosos incluem isolar a casa do terreno.

Fornecedores

O CR39 pode ser comprado aos fabricantes de lentes ou aos fornecedores de detectores de radãow4 (ver Figura 1 e 2). Os fabricantes de lentes ópticas vendem o material de plástico (CR39) cortado com qualquer forma (cerca de 1€), enquanto os fornecedores de detectores vendem dosímetros de radão CR39 calibrados e prontos a ser usados (cerca de 7€). Sugerimos usar a opção mais barata para medições do tipo sim/não, reservando os detectores mais dispendiosos para os locais onde o radão já foi detectado.

Nós usamos um microscópio Academy Konusw5 (modelos 5304 & 5829) com uma micro-câmara e um programa de imagem associado (ver Figura 4).

O projecto RSS

O projecto RSS é fortemente multidisciplinar, envolvendo, para além da física, a química, a geologia (pelas propriedades do solo), a matemática (envolvendo, por exemplo, a lei exponencial do declínio e a distribuição de Poisson dos traços), e aspectos sociais (incidência sobre os riscos do radão).

O tópico lança alguma luz sobre ‘os mistérios obscuros’ da radioactividade e é socialmente relevante, especialmente numa área propensa a ter radão como a nossa região; os alunos e os pais estão curiosos para conhecer o nível de radão das suas casas. Até agora, o projecto envolveu quase 5000 pessoas na nossa região – alunos, famílias, professores e pessoal escolar – consciencializando-os sobre um risco para a saúde.

Para além das medidas do radão, o outro grande objectivo do projecto é motivar os alunos do secundário para a ciência e carreiras científicas, introduzindo-os num estudo cientifico real, fazendo eles próprios as medições. Os alunos tomaram consciência que estão rodeados pela ciência e que é possível fazer ciência a sério no dia-a-dia, com equipamento simples.

Os coordenadores do projecto e muitos participantes estão presentemente envolvidos num outro projectow7 – investigar os níveis de 137 césio depositado na região devido ao acidente de Chernobyl em 1986.

Agradecimentos

Gostaríamos de agradecer a todos os alunos, professores, pessoal escolar e famílias envolvidos no projecto bem como aos nossos parceiros, a agência regional de protecção ambiental, ARPAF-VGw6.

Agradecemos o apoio dos patrocinadoresw3, Progetto Lauree Scientifiche, INFN e Departamento de Física da Universidade de Trieste.


References

Web References

Author(s)

Marco Budinichw8 é físico na Universidade de Trieste, Itália, onde é responsável pelas actividades de divulgação do departamento de física.

Massimo Vascotto, o coordenador do projecto, é licenciado em física e ensina disciplinas do mar (por exemplo, navegação, meteorologia e oceanografia) na escola secundária náutica (treino de marinheiros) em Trieste. Colabora há muitos anos com o departamento de física da Universidade de Trieste e com o INFN, o Instituto Nacional para a Física Nuclear italiano, onde é físico associado em projectos de comunicação de ciência.

Review

Este projecto mostra como o ensino da radioactividade, que é usualmente um tópico tratado em sala de aula, pode ser levado para fora da escola. Os estudantes testam a presença do radão nas suas casas e realizam depois uma análise mais completa no laboratório da escola; o facto de poderem ‘ver’ a radiação torna o tema menos abstracto. Motiva os estudantes a investigarem os efeitos do radão e de outras fontes de radiação, e a realizar análises cuidadas e uma interpretação detalhada dos resultados.

A maioria dos equipamentos e materiais referidos pelos autores encontram-se facilmente nos laboratórios de ciências. Isto encoraja os professores a repeti-lo com os seus próprios alunos para eles poderem ver realmente os efeitos da radiação nas suas casas. Este tipo de projectos conduz os estudantes a uma atitude de investigação em ciência.

O artigo pode ser usado em aulas de física para apresentar o tópico sobre a radioactividade (tipos de radiações, radiação de fundo, efeitos das radiações) Pode também ser usado em aulas de química (elementos radioactivos), geologia (propriedades dos solos e rochas) ou matemática avançada ( declínio exponencial e distribuição de Poisson) Além disto, por ser um tópico muito sensível, pode ter continuação numa discussão na aula sobre como a radioactividade pode ser posta ao serviço da humanidade, e o que acontece quando a radioactividade atinge níveis alarmantes.

Catherine Cutajar, Malta

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