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Modelo para nadar: os segredos da pele de tubarão (Word)
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Traduzido por Rita Campos. A pele do tubarão apresenta adaptações notáveis para nadar com eficiência energética. Algumas dessas adaptações estão a ser copiadas por designers e engenheiros.
Os tubarões têm um problema de imagem: em todos o mundo são retratados como monstros sedentos de sangue – de forma mais famosa no filme ‘Tubarão’. O medo de tubarões é comum, especialmente em zonas costeiras onde há condições ideais para fazer surf ou nadar junto a tubarões residentes. Nessas situações, o branco da parte de baixo das pranchas de surf e os membros constantemente em movimento podem facilmente provocar esses animais – com consequências potencialmente trágicas.
Na verdade, os ataques de tubarões são relativamente raros e muitas espécies de tubarão estão agora a precisar de protecção relativamente a actividades humanas, especialmente a pesca. Longe de serem apenas monstros em filmes, os tubarões formam um importante e diversificado grupo de peixes cartilagíneos, que inclui cerca de 360 espécies distribuídas por 30 famílias e oito ordens taxonómicas. A investigação sobre tubarões revelou quão bem adaptados eles são: em particular, a sua pele tem características notáveis que ajudam os tubarões a nadar de forma especialmente eficiente em termos energéticos. Estas características têm sido adoptadas em várias áreas da tecnologia, desde fatos-de-banho a aviões.
Então, como é que os tubarões estão adaptados ao seu modo de vida? A característica mais óbvia (que partilham com outros peixes) é o seu corpo aerodinâmico, que lhes permite nadar muito rapidamente e com um gasto de energia mínimo. Na folha de trabalho suplementarw1, fornecemos instruções para uma experiência simples para explorar como a forma afecta a força necessária para o movimento através da água. Na experiência, que é adequada para o ensino secundário, os estudantes fazem formas, incluindo cubos, cubóides, esferas e cilindros – mais uma forma de tubarão – a partir de quantidades idênticas de massa de modelar e realizam um teste de velocidade, comparando quanto tempo demora cada forma a cair até ao fundo de um cilindro alto e cheio de água.
Claro que a locomoção de um animal através da água não é só influenciada pela sua forma mas também pela forma como a água flui sobre sua superfície – assim como nadadores competitivos gostam que a sua pele e fatos-de-banho sejam o mais suave possível. Se fosse acariciar a pele do tubarão, perceberia que ela é suave apenas numa direcção; na direcção oposta, parece muito áspera – como se passasse os dedos ao longo de uma pinha desde a ponta para baixo, em vez de da base para cima. Essa diferença na textura acontece porque a maioria das espécies de tubarões tem escamas em forma de dente a revestir a sua superfície. Estas escamas “placóides” fornecem protecção contra parasitas e ferimentos. Além disso, os investigadores descobriram relações entre a forma exacta dessas escalas e o estilo de vida de diferentes espécies de tubarões.
Por exemplo, tubarões que vivem perto de recifes (como os tubarões da família Centrophoridae) têm escamas suaves, que os protegem contra abrasões mecânicas das rochas. Este não é o caso dos tubarões de caça de natação rápida, como o tubarão branco (Carcharodon carcharias), o tubarão-seda (Cacharhinus falciformis) e os tubarões-martelo (Sphyrnidae). As escamas destas espécies têm uma característica adicional notável: cristas finas, levantadas, ou ‘ossículos’ ao longo do comprimento da escama. Esses ossículos são alinhados de maneira a formar pequenos cristas que correm longitudinalmente ao longo do corpo do tubarão. Apesar dos ossículos terem apenas poucos micrómetros de altura, as experiências mostraram que eles reduzem o arrasto quando o tubarão nada, permitindo que ele nade mais rápido usando a mesma quantidade de energia. Pelo contrário, tubarões que nadam lentamente – por exemplo, os tubarões da família Scyliorhinidae – têm menos ossículos nas suas longas e afiadas escamas. Em baixo podem-se ver algumas imagens ampliadas das escamas de diferentes espécies de tubarões, mostrando o seu formato variado e a forma do ossículo.
Então como é que as escamas e os ossículos dos tubarões funcionam? Para descobrir, precisamos prestar atenção às leis das dinâmicas dos fluidos.
Há duas formas diferentes de fluxos dinâmicos: laminar e turbulenta. No fluxo laminar, o fluido move-se apenas numa direcção; as partículas do fluido podem mover-se com velocidades diferentes em diferentes camadas mas as camadas não se misturam. No fluxo turbulento, no entanto, há fluxos flutuantes contra ou através da direcção principal do fluxo, que causam redemoinhos nas camadas. Aqui, as partículas do fluxo estão constantemente a mudar a sua posição e velocidade, o que consome energia.
Quando um peixe (ou um navio) se move na água – ou um avião voa no ar – o corpo em movimento está rodeado por um meio fluido. Devido à fricção, as partículas do fluxo que estão em contacto com a superfície do corpo em movimento movem-se a velocidade zero relativamente ao corpo, enquanto mais longe o fluido se move suavemente à volta do corpo. No meio está a camada turbulenta, onde ocorre a resistência ao movimento.
Cristas lineares como os ossículos dos tubarões reduzem essa resistência mudando o fluxo na camada de fronteira. Isto acontece porque bem dentro dos vales entre os ossículos a velocidade do fluxo é lenta e por isso a fricção é menor. No entanto, formam-se vórtices de alta velocidade nas pontas dos ossículos mas, porque a área da superfície dessas pontas é menor comparativamente à superfície do animal inteiro, a fricção total é reduzida (Dean & Bhusan, 2010). O espaçamento óptimo para os ossículos depende da velocidade do movimento, por isso nos tubarões é diferente entre as espécies.
Estas descobertas sobre a pele dos tubarões atraiu o interesse de engenheiros e tecnólogos, bem como de biólogos – um exemplo de potenciais aplicações ‘biomiméticas’, onde características biológicas encontraram um uso em aplicações técnicas.
Frequentemente, a biomimética é um processo “de cima para baixo”. Por exemplo, para resolver um problema ambiental, podemos procurar uma analogia na natureza que ajude a encontrar uma solução – como o desenvolvimento de insecticidas piretróides, que foram inspirados no insecticida piretrina, uma substância que ocorre naturalmente em algumas plantas. Por outro lado, num processo “de baixo para cima”, os sistemas biológicos são analisados para identificar processos ou construções que podem ter alguma aplicação tecnológica útil. A descoberta das escamas com ossículos dos tubarões é um desses casos e estas estão agora a ser usadas como inspiração para outras superfícies que se movem através de fluidos, como ilustrado no exemplo seguinte.
Já em 1989, o fabricante de aviões Airbus realizou uma experiência com ossículos. Cobriram 70-80% de um Airbus A380 com lâminas metálicas de ossículos, pequenas lâminas verticais com os ossículos em forma de triângulos muito afiados. Os testes mostraram que a lâmina reduz a fricção em cerca de 8%, equivalente a uma poupança de combustível de 1-2% em condições reais. Isto permite que um voo de longa distância num A380 possa levar 4 toneladas adicionais de carga paga. Mais recentemente, foi desenvolvida uma versão em polímero. Nestas, um revestimento é aplicado numa superfície e as microestruturas dos ossículos são impressas sobre o revestimento e depois endurecidas. Esta versão tem a vantagem de ser mais fácil de aplicar em superfícies curvas.
Os cascos de navios que se encontram abaixo da água adquirem camadas de crescimento biológico de cracas, algas e outros materiais. Esse acréscimo leva ao aumento do arrasto e, portanto, a custos adicionais de combustível para cada viagem. A investigação mostrou que criar uma superfície irregular, como as escamas com ossículos na pele de um tubarão, é uma grande ajuda pois reduz em cerca de 60% a quantidade de crescimento ao longo de um ano e facilita a sua limpeza (evitando os efeitos prejudiciais ao meio ambiente de alguns agentes anti incrustantes). Como com os aviões, as superfícies com ossículos nos navios podem reduzir o arrasto na água até 10% (Fu et al., 2017).
Finalmente, e mais controverso, alguns nadadores olímpicos escolheram usar fatos-de-banho de corpo inteiro feitos de uma material com efeito de ossículos – e depois ganharam medalhas de ouro. Apesar do efectivo contributo do efeito dos ossículos para esses triunfos ser ainda um assunto controverso, estes fatos-de-banho de corpo inteiro foram banidos das competições em 2010. Portanto, apesar das escamas com ossículo serem uma vantagem evolutiva para os tubarões, aplicar esta vantagem ao mundo da natação de competição é um assunto mais questionável.
Os editores gostariam de agradecer à Dr Katharina Sonnen pelas suas sugestões sobre o artigo.
Este artigo faz a ligação entre duas disciplinas distintas: hidrodinâmica (física) e biologia. As características morfológicas dos tubarões são descritas em relação à dinâmica dos fluidos, o que permite que os leitores percebam como estes diferentes fenómenos estão relacionados.
O artigo também inclui exemplos da engenharia, onde o desenvolvimento de novas estruturas é inspirado em adaptações biológicas.
Bartolome Piza Mir, professor de ciências e matemática, Espanha