Refletindo o Universo: construção dos maiores telescópios do mundo Understand article

Durante centenas de anos os telescópios têm ajudado os astrónomos a desvendar os mistérios do Universo. Mas o que é que está envolvido na construção e manutenção dos complexos instrumentos de hoje em dia?

Em 1608 um fabricante de óculos germano-holandês chamado Hans Lippershey registou uma patente para um pequeno aparelho que usava lentes para focar a luz e produzir uma visão magnífica de objetos distantes: era o desenho mais antigo conhecido para um telescópio. Pouco depois desta invenção, Galileu ficou famoso pela sua própria construção e foi o primeiro a usar um telescópio para observações astronómicas. Quatrocentos anos depois, os telescópios ainda são fundamentais para a Astronomia, mas evoluiram de pequenos instrumentos manuseados à mão para aparelhos gigantes controlados por computador.

Hoje, a maior parte dos grandes telescópios óticos e de infravermelho do mundo – muitos dos quais são construídos e operados pelo European Southern Observatory (ESO)w1 – usam espelhos em vez de lentes para coletar e focar luz. Quanto maior o espelho, mais luz pode ser coletada, permitindo aos astrónomos ver objetos celestes mais fracos – que, usualmente, estão mais distantes – em grande detalhe. Embora grandes espelhos sejam mais fáceis de produzir do que grandes lentes, a produção de telescópios astronómicos modernos continua a ser um grande desafio.

Representação artística do Extremely Large Telescope (ELT). Uma vez concluído em 2024, a cúpula será tão grande quanto um estádio de futebol.
ESO/L Calçada/ACe Consortium

De Newton até hoje

O primeiro telescópio refletor bem sucedido (um que usa espelhos em vez de lentes para focar a luz) foi construído por Sir Isaac Newton em 1668. O desenho básico newtoniano usa um espelho primário côncavo (o primeiro espelho que a luz estelar encontra ao entrar no telescópio) e um espelho secundário plano, que é colocado por cima do espelho primário e inclinado diagonalmente de forma a refletir e dirigir a luz para a ocular. O mesmo princípio é utilizado hoje em muitos telescópios amadores e profissionais. Nos telescópios modernos, os espelhos permitem que a luz seja dirigida para diferentes câmaras ou detetores que substituem a ocular e também permitem um design mais compacto para os telescópios.

O primeiro telescópio refletor de Newton utilizou um espelho primário que media 3.3cm de diâmetro. Agora, os maiores espelhos de telescópios refletores do mundo têm cerca de 8m de diâmetro. O Very Large Telescope (VLT) do ESO, no Chile (América do Sul), por exemplo, consiste em quatro telescópios, cada um com um espelho primário de diâmetro 8.2m.

O percurso da luz num telescópio newtoniano (refletor), que usa espelhos para desviar e focar a luz
ESO/N Bartmann
Focus: Foco, Incoming light: Luz incidente, Primary mirror: Espelho primário, Secondary mirror: Espelho secundário

A construção dos espelhos

O material preferido para a maioria dos telescópios profissionais é o vidro (tal como o borossilicato, utilizado em pirex) ou um material composto de vidro e cerâmica. Tais materiais podem ser esmagados e polidos até se atingir a forma ideal que produza uma boa imagem. E não mudam o seu tamanho ou forma em resposta a flutuações térmicas. Isto é especialmente importante pois muitos telescópios estão localizados em montanhas altas ou no deserto, onde as temperaturas variam de forma significativa entre o dia e a noite.

De forma a focar tanto da fraca luz estelar quanto possível, a superfície dos espelhos primários tem de ser altamente refletora. A refletividade é criada usando uma cobertura extremamente fina de algum material refletor de luz, a identidade do qual depende do comprimento de onda de operação do telescópio. Por exemplo, a prata ou o alumínio são frequentemente usados em espelhos de telescópios óticos ou de infravermelho.

Maior e melhor

O tamanho dos espelhos dos telescópios tem aumentado consideravelmente nos últimos 50 anos, mas os astrónomos querem sempre maior… Contudo, existe um limite: um espelho muito maior do que 8 m seria incrivelmente difícil de moer e polir. Assim, uma solução é construir espelhos segmentados. Estes consistem de secções individuais, usualmente hexagonais, que, em conjunto, se constituem numa enorme área coletora de luz.

O maior espelho segmentado da atualidade – o Great Canary Telescope, nas ilhas Canárias, Espanha – mede 10.4m de diâmetro e compreende 36 segmentos. Mas, em 2024, vai ser ultrapassado pelo Extremely Large Telescope (ELT), que está em construção no deserto de Atacama no Chile. O seu espelho primário, medindo 39m de diâmetro, será feito de 798 segmentos, cada um com uma área de cerca de 1.4 m2. Este enorme telescópio, que vai ser operado pelo ESO, observará o Universo em comprimentos de onda do ótico e do infravermelho.

Há mais telescópios a caminho, como o Thirty Meter Telescope no Hawaii, que também adotaram uma abordagem semelhante, usando um elevado número de pequenos segmentos. Outros, como o Giant Magellan Telescope no Chile, compreendem menos – mas maiores – segmentos.

Um modelo à escala do espelho primário do ELT, usando versões de cartão dos segmentos espelhados
ESO

Uma superfície lisa

De forma a produzir imagens nítidas e medições precisas, a superfície dos espelhos tem de ser perfeitamente lisa. No caso do ELT, cada segmento individual será polido com uma precisão de 15 nanómetros. Isto significa que se um segmento fosse do tamanho da Europa, quaisquer irregularidades da sua superfície seriam do tamanho de uma joaninha.

À medida que os espelhos (únicos ou segmentados) se tornam maiores, começam a ceder sob o próprio peso devido a efeitos da gravidade, consequentemente reduzindo a perfeição da sua superfície. De forma a compensar estes efeitos, o VLT usa uma técnica chamada de ótica ativa que utiliza 150 atuadores para ajustar o espelho, fazendo correções a cada 30 segundos. Para o ELT, não é apenas uma questão dos segmentos individuais serem extremamente lisos: os segmentos também devem estar perfeitamente alinhados com os seus vizinhos de forma ao conjunto conseguir um efeito semelhante ao de um único espelho. O ELT vai ter um total de 4524 sensores nos lados dos espelhos segmentados; estes vão reportar constantemente as suas posições, permitindo que cada segmento seja precisamente ajustado, recorrendo a 2394 atuadores. Este sistema de ótica ativa tornará a superfície global do espelho primário lisa, com uma precisão de 50 nanómetros – um milésimo da espessura de um cabelo humano.

Testes aos sensores e atuadores debaixo de dois segmentos do espelho primário gigante do ELT
ESO

Mantendo a refletividade

De forma a garantir que a superfície dos espelhos se mantém tão reflexiva quanto possível, estes devem ser protegidos de poeiras com ventos fortes. Quando a poeira se acumula nos espelhos pode reduzir a refletividade por apenas uns poucos por cento, mas todos os fotões são valiosos de forma a produzirem-se imagens de alta-qualidade. A poeira também dispersa a luz e reduz o contraste das imagens. Durante o dia os espelhos são mantidos cobertos e à noite o telescópio é inclinado antes da cúpula ser aberta de forma a que qualquer coisa no telhado (tais como poeira ou fezes de aves) não caia na superfície dos espelhos.

Ao longo do tempo as camadas reflexivas deterioram-se pelo que os espelhos precisam de ser recobertos numa base regular. Os espelhos primários do VLT, por exemplo, têm de ser transportados da plataforma de observação para o campo-base aproximadamente todos os 18 meses de forma a serem recobertos. É especialmente desafiante lidar com a parte mais cara e delicada do telescópio e, por isso, o espelho é transportado a uma velocidade de apenas 5 km/h. O processo completo (da remoção à recolocação) demora cerca de uma semana.

Para o espelho primário do ELT cada um dos 798 segmentos também necessitará de ser recoberto todos os 18 meses. A forma mais eficiente de o fazer será remover, recobrir e recolocar dois ou três segmentos todos os dias. O telescópio ainda pode operar de forma eficiente sem um par de segmentos, permitindo um máximo de tempo de operação. Pelo contrário, quando algum dos espelhos do VLT está a ser recoberto, esse telescópio fica fora de serviço.

Explorando o Universo

Desenhar, construir e operar tão enormes telescópios não é fácil. Mas as perspetivas são excitantes e valem o esforço – a descoberta de planetas semelhantes à Terra, a medição das propriedades das primeiras estrelas e galáxias e sondar a natureza das matéria e energia escuras. Nas próximas décadas, os telescópios mais avançados do mundo têm o potencial de revolucionar a nossa compreensão do Universo, muito à imagem do que o telescópio de Galileu fez há 400 anos.


Web References

  • w1 – O ESO é a mais avançada organização inter-governamental de Astronomia da Europa e o mais produtivo observatório do mundo na superfície terrestre. Tem a sua sede em Garching, perto de Munique, na Alemanha e os seus telescópios no Chile.

Resources

  • Learn more about the VLT and ELT on the ESO website.
  • Para um gráfico informativo comparando o tamanho do espelho principal do ELT com o de outros telescópios na Terra, visite o ESO website.
  • Descubra mais sobre a produção dos espelhos para o ELT visitando o SCHOTT website.
  • Aprenda como é trabalhar no VLT no deserto de Atacama no Chile. Veja:
  • Mais informação sobre o espelho primário do ELT está disponível na revista trimestral do ESO, The Messenger.

Institutions

Author(s)

Nicole Shearer é uma comunicadora de ciência com um mestrado em Física e um bacharelato em Física e Astronomia pela Universidade de Durham no Reino Unido. No momento da redação deste artigo, a Nicole encontra-se a efetuar um estágio de seis meses de comunicação científica no ESO.

Tania Johnston trabalhou mais de dez anos na área da comunicação em Astronomia, com enfoque no apoio a professores no uso de Astronomia para o ensino das ciências. A Tania trabalha no ESO como ESO Supernova Coordinator.

Review

A reflexão é um conceito central dos tópicos de ondas e ótica no curriculum de ciências na escola. Os professores podem apoiar-se neste artigo, que dá informação atualizada sobre espelhos em grandes telescópios modernos, de forma a trazer à vida tais tópicos para os alunos. Além disso, pode ajudar a sensibilizar os alunos para as aplicações da Ciência e os desafios que a tecnologia moderna consegue ultrapassar.

Questões de compreensão poderiam incluir:

  • Quem fez as primeiras observações astronómicas usando um telescópio?
  • Quem construiu e utilizou o primeiro telescópio refletor?
  • Porque é utilizado vidro para a construção dos espelhos que se encontram em grandes telescópios astronómicos?
  • Como é possível construir telescópios com espelhos maiores do que 8m de diâmetro?

Stuart Farmer, professor de Física, Robert Gordon’s College, Escócia, Reino Unido

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