Boas vibrações: como apanhar uma onda gravitacional Understand article

Traduzido por Pedro Augusto. As ondas gravitacionais estão entre os mais subtis mensageiros que chegam até nós através do cosmos. Mas como podem os seus efeitos infinitesimais ser detetados?

Impressão de artista de dois
buracos negros a espiralarem
de encontro um ao outro
antes de se juntarem,
libertando ondas
gravitacionais

A imagem é cortesia da ESA / C
Carreau

Em 2015 os fantasticamente fracos sinais de ondas gravitacionais a atravessar o cosmos foram finalmente detetados. Prevista há um século atrás por Albert Einstein, esta primeira deteção de ondas gravitacionais marcou o culminar de décadas de trabalho experimental e teórico – e também o início de uma nova e excitante era em Cosmologia.

Então, o que são ondas gravitacionais e porque foi detetá-las um desafio tão gigantesco? As ondas gravitacionais são ondulações no espaço-tempo causadas por uma massa em aceleração. De facto, são o equivalente gravitacional das ondas eletromagnéticas – e, como estas, viajam à velocidade da luz.

A razão desde sinais furtivos serem tão difíceis de detetar é devido aos seus efeitos serem muito, muito ligeiros: apenas uma pequeníssima distorção no espaço-tempo, mesmo quando o evento que os produz é tão vasto quanto a colisão de dois buracos negros (distantes), como foi o caso com as deteções de 2015. Esta distorção significa que a distância entre dois pontos na Terra é esticada ou comprimida por uma fração absolutamente minúscula quando uma onda gravitacional passa. Aqui, ‘minúscula’ significa por um fator de 10-21 (um milésimo de bilionésimo de bilionésimo) – aproximadamente o diâmetro de um átomo comparado com a distância entre a Terra e o Sol: certamente um substancial desafio para o conseguir medir!

Desde o princípio dos anos 60 que físicos, engenheiros e técnicos de todo o mundo se dedicam a este desafio, o que resultou numa mão cheia de instrumentos gigantescos dedicados à deteção de ondas gravitacionais, incluindo o LIGOw1, o Virgow2 e o GEO600w3. Neste artigo focamo-nos no instrumento Virgo (localizado na Itália) mas os conceitos aplicam-se da mesma forma aos outros detetores – fazem todos parte de uma rede internacional que é muito mais poderosa do que cada detetor individualmente. De facto, a análise dos dados de 2015 que continham as primeiras deteções foi levada a cabo conjuntamente pelos cientistas do LIGO e do Virgo, em trabalho colaborativo.

Medindo com a luz

O desenho do Virgo é baseado num aparelho chamado de interferómetro de Michelson que tem, ele próprio, uma história respeitável: foi usado pela primeira vez em 1887 pelos físicos Albert Michelson e Edward Morley numa famosa experiência que procurava observar variações na velocidade da luz causadas pelo hipotético éter (figura 1).
 

Figura 1: O interferómetro de Michelson – o desenho básico do detetor Virgo. 1: fonte de luz; 2: divisor de feixe; 3: feixes em ângulos retos; 4: espelhos para reflexão dos feixes de volta pelo mesmo trajeto; 5: feixes em retorno misturam-se outra vez no divisor; 6: detetor
A imagem é cortesia do LIGO / T Pyle
 

Aqui, luz de uma única fonte é dividida em dois feixes que se afastam depois seguindo trajetórias perpendiculares (ou ‘braços’) e sendo depois refletidos de volta por espelhos; por fim, recombinam-se. Se houver uma alteração no comprimento do percurso de um dos feixes (como seria o caso na passagem de uma onda gravitacional), isto vai alterar muito ligeiramente o seu tempo de percurso e, por consequência, também causar um desvio de fase de um feixe em relação ao outro. Este desvio de fase afeta a forma como os dois feixes vão interagir quando se reencontram no regresso o que, por sua vez, afeta a potência medida na saída do detetor.

Mas mesmo com esta combinação de desenho clássico combinado com tecnologia moderna os desafios experimentais da deteção de ondas gravitacionais são consideráveis.

Virgo: ultrapassando os desafios

No Virgo, o desenho básico do interferómetro de Michelson foi tornado muito mais complexo – e maior – devido à extrema estabilidade e pressão necessárias.

Braços compridos

Cada braço do detetor Virgo tem 3km de comprimento. Este grande tamanho é necessário pois as extremamente pequenas alterações no tempo do percurso do feixe, causadas por uma onda gravitacional, aumentam com o comprimento do braço. Comprimentos para além dos 3km não são factíveis; uma das razões é a curvatura da Terra tornar-se depois um fator na construção de braços perfeitamente retos.

De forma a evitar interações entre os fotões dos feixes e moléculas gasosas, o interior dos braços é evacuado até cerca de um milésimo de bilionésimo (10-12) da pressão atmosférica, semelhante à pressão no espaço à altitude da International Space Station. Isto torna os tubos do Virgo o maior volume de vácuo ultra-elevado na Europa (ver figura 2). No final de cada braço, a parede do tubo é arrefecida a temperaturas criogénicas por azoto líquido de forma a capturar moléculas residuais (e.g. água).
 

Figura 2: Dentro do túnel de um dos braços do Virgo, vendo-se o tubo de vácuo
A imagem é courtesia de Cyril Fresillon / Virgo / CNRS Photothèque

Espelho meu, espelho meu

Os espelhos no Virgo são uma componente fundamental do detetor. São feitos com a máxima precisão: as suas superfícies são polidas de forma a ficarem perfeitamente planas (dentro de um nanómetro) e revestimentos especiais otimizam a forma como os espelhos refletem e transmitem luz, mantendo as perdas pelos feixes no mínimo (cerca de umas poucas partes por milhão). A configuração dos espelhos é muito mais complicada do que num simples interferómetro de Michelson, com espelhos utilizados para formarem ‘cavidades óticas’ adicionais, através das quais o feixe viaja, ou para ‘limparem’ o feixe laser (ver figura 3).

Os espelhos do Virgo também fazem um truque de forma aos percursos dos feixes parecem mais longos do que realmente são: um aparelho chamado de ‘cavidade ótica Fabry-Perot’, instalado em cada braço, aumenta o comprimento do percurso num fator de cerca de 300, aumentando o tempo de viagem dos feixes – e, assim, a sensibilidade de todo o detetor – por um fator semelhante.

Figura 3: O esquema ótico do detetor Virgo  (uma versão mais complexa de um interferómetro de Michelson), mostrando os componentes principais e os percursos feitos pelos feixes. 1: fonte de luz; 2: espelho reciclador de potência; 3: divisor de feixe; 4: cavidades Fabry-Perot dentro dos tubos de vácuo; 5: espelho de entrada norte; 6: espelho de saída norte; 7: espelho de entrada oeste; 8: espelho de saída oeste; 9: detetor
A imagem é cortesia da Colaboração Virgo

Isolamento de vibrações

O Virgo precisa de ser sensível às muito pequenas alterações nos comprimentos dos percursos dos feixes induzidas por ondas gravitacionais; assim, precisa de ser isolado tanto quanto possível de outras perturbações no ambiente envolvente – atividades humanas, ventos, tempestades, etc. Apesar do desenho do detetor ter por objetivo escudá-lo de tais perturbações, um dos maiores problemas é o dos espelhos (que refletem os feixes laser) estarem presos ao chão, que se move constantemente – demasiado devagar para o sentirmos, mas muito mais do que as alterações provocadas por ondas gravitacionais.

Isto significa que os espelhos devem estar isolados do solo – uma conquista conseguida no Virgo pela suspensão de cada espelho no final de uma cadeia de pêndulos chamados de ‘super-atenuadores’ e que colocam esses espelhos suspensos entre os objetos mais imóveis do planeta (ver figura 4). Mas como é que a suspensão de um objeto o isola de vibrações?

Todo  o pêndulo simples tem a sua própria ‘ressonância’ ou frequência natural – a frequência à qual oscilará, apenas dado um empurrão. Se abanarmos o topo do pêndulo a uma frequência inferior à de ressonância, a extremidade do pêndulo move-se. Mas se a frequência inicial for mais alta do que a de ressonância, a extremidade do pêndulo praticamente não se move. No Virgo, os pêndulos de suporte dos espelhos têm frequências de ressonância que são tão baixas quanto possível (uns poucos hertz). Isto significa que são, essencialmente, imunes a movimentos a frequências mais altas, permitindo a deteção de ondas gravitacionais de frequências superiores a umas poucas dezenas de hertz.

Figura 4: Um ‘super-atenuador’ do Virgo: uma cascata de pêndulos para a estabilização de um espelho.
1: fio do pêndulo; 2: cadeia de pêndulos; 3: espelho
A imagem é cortesia da Colaboração Virgo

Mantendo a precisão

De forma a ser sensível a ondas gravitacionais quando quer que uma chegue, o Virgo tem de ser constantemente mantido num modo de trabalho muito precisamente controlado. Por exemplo, o feixe laser (um laser de infravermelho com um comprimento de onda de 1064 nm) tem de ser mantido ultra-estável para manter um nível de potência constante na saída do detetor. A frequência do laser também tem de ser estabilizada para variar menos do que uma parte em 1014.

Sondas localizadas ao longo do sistema Virgo monitorizam continuamente o seu estado e permitem o controlo dos comprimentos das cavidades óticas a nível femtométrico (10-15 m), enquanto desalinhamentos espelho-ângulo são mantidos dentro de uns poucos nanoradianos (menos de um milionésimo de um grau). Além disso, milhares de sondas monitorizam constantemente o ambiente em torno do Virgo e o seu estado, fornecendo dados para serem verificados logo que um potencial sinal de onda gravitacional seja observado.

Saber mais

Há muito mais para explicar sobre a experiência Virgo – por exemplo, como são analisados os dados para saber se foi mesmo detada uma onda gravitacional? Se quiser saber mais, por favor visite o websitew2 ou leia o recente artigo na Science in School que descreve como foram detetadas pela primeiras vez ondas gravitacionais (Kwon, 2017) – e as descobertas que esta nova capacidade pode trazer à Astrofísica.

Agradecimento

O autor agradece a Dan Hoak (European Gravitational Observatory) pela sua ajuda na preparação deste artigo.


References

  • Para um anterior artigo na Science in School sobre a deteção de ondas gravitacionais, ver:

Web References

Resources

Author(s)

Nicolas Arnaud á um físico do Centro Nacional Francês de Investigação Científica (Centre National de la Recherche Scientifique, CNRS) na França. Depois de concluir um doutoramento sobre a experiência Virgo na sua fase de construção, trabalhou em Física de Partículas durante uma década antes de voltar a ligar-se ao Virgo em 2014. Desde setembro de 2016 tem trabalhado no European Gravitational Observatory na Itália, onde está instalado o detetor Virgo. Ele tem estado envolvido em várias atividades de divulgação e educação desde 2003 e coordena algumas dessas atividades a nível nacional.

Review

Este artigo descreve a função dos detetores de ondas gravitacionais – máquinas enormes, mas muito sensíveis,; os estudantes podem achá-las muito interessantes. Os detalhes sobre como funcionam estas máquinas e os problemas que tiveram de ser resolvidos para se conseguirem as suas altas sensibilidades são descritos de uma forma muito compreensível pelo autor, que é um cientista de ondas gravitacionais.

Questões de compreensão poderão incluir:

  • O que são ondas gravitacionais?
  • Porque é tão difícil detetar ondas gravitacionais?
  • Como funcionam os detetores de ondas gravitacionais?
  • Os detetores de ondas gravitacionais são muito sensíveis. Porque são estas máquinas tão grandes?
  • A construção de detetores de ondas gravitacionais é um verdadeiro desafio. Descreve as maiores dificuldades e como podem ser resolvidas.

Gerd Vogt, Higher Secondary School for Environment and Economics, Austria

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