Galáxias: origem e evolução Understand article

Traduzido por Pedro Augusto. Os astrónomos ainda estão a tentar descobrir exatamente porque se formaram galáxias em forma espiral e o que é mais provável que aconteça com a nossa Galáxia no futuro.

A pacatez do céu noturno é tão confortável como enganadora. Embora demorando biliões de anos, as estrelas e as galáxias que vemos estão em evolução permanente.

Graças a tecnologia de observação cada vez mais sofisticada, os astrónomos podem agora ver milhões de galáxias a diferentes distâncias da Terra: a luz do que se pensa ser a galáxia mais distante até agora observada levou mais de treze biliões (109) de anos para chegar até nós (Zitrin et al., 2015). Descobrir a história de como as galáxias se transformam e evoluem implica olhar para trás, para os primeiros tempos da existência do Universo.

Representação artística de filamentos de gás fino a renovar uma galáxia (que é o disco em espiral que está no centro da imagem) com gás.
Cortesia ESA/AOES Medialab

A génese das galáxias

Nos primórdios da história do Universo a matéria estava distribuída quase homogeneamente pelo espaço com pequeníssimas flutuações em densidade de apenas cerca de uma parte em 100 000 – como pedaços de farinha muito, muito pequenos num molho que, se não fosse isso, era perfeitamente uniforme. Mas o Universo agora está muito longe de ser homogéneo, tendo matéria densamente agrupada em galáxias – sendo assim, como surgiu esta alteração na distribuição de matéria?

De facto, esta questão está relacionada com outro mistério do Universo: a matéria escura – o que é e de que é feita? Os astrónomos pensam que a maior parte da matéria do Universo é essa tal “escura” em vez da “normal” que vemos à nossa volta. Embora toda a matéria se agregue pela força atrativa da gravidade, a matéria normal também é afetada por forças que conseguem separá-la, tais como as forças eletromagnéticas. Mas este não é o caso da matéria escura – segundo a teoria – que é apenas afetada pela gravidade. Isto significa que qualquer irregularidade na matéria escura vai sempre atrair mais matéria escura para si e crescer, formando, assim, estruturas maiores chamadas de “halos”. A atração gravitacional dos halos de matéria escura massivos torna-se, eventualmente, forte o suficiente para afetar também a matéria normal e, assim, a produção cósmica de galáxias pode começar.

Inicialmente a matéria normal puxada pela matéria escura consiste numa nuvem de hidrogénio. Enquanto o gás condensa para formar estrelas, uma protogaláxia começa a formar-se, eventualmente transformando-se num disco em rotação – a forma típica de uma galáxia como a nossa, a Via Láctea. À medida que a galáxia cresce, a fonte de gás tem de ser constantemente renovada para aguentar o ritmo de nascimento estelar. Os astrónomos pensam que este hidrogénio se obtém na forma de filamentos gasosos trazidos de fora da galáxia. Observações de uma galáxia distante ‘alimentando-se’ de uma nuvem de hidrogénio próxima confirmaram esta ideia (Bouché et al., 2013).

As galáxias Antenas, um exemplo de duas galáxias espirais que estão neste momento em agregação para formarem uma nova galáxia elíptica.
A imagem é cortesia da NASA, ESA e da  Hubble Heritage Team (STScI/AURA)-Colaboração ESA/Hubble

Transformações galáticas

As galáxias podem passar por alterações espetaculares durante e após a sua formação, devido à complexa dinâmica interna das estrelas, do gás e da matéria escura no seu seio. Por exemplo, o espantoso desenho espiral de muitas galáxias deve-se a processos gravitacionais internos: acredita-se que os braços em espiral surjam quando uma onda de densidade gravitacional aperta as estrelas em conjunto enquanto se propaga através do disco da galáxia.

A barra central, vista em muitas galáxias espirais incluindo na Via Láctea, também resulta de processos semelhantes. As estrelas que formam a barra central, vista aqui na imagem da galáxia espiral, são aquelas que se desviaram do seu movimento circular e começaram a mover-se em órbitas cada vez mais elongadas. Uma possível explicação para esta alteração é a de que num disco estelar em rotação as estrelas mais interiores completam um ciclo completo mais depressa do que as exteriores e, assim, passam umas perto das outras e ‘ultrapassam-se’. Isto causa uma perturbação nas suas órbitas circulares que é amplificada até que se cria uma forma parecida com uma barraw1.

Uma outra importante forma de transformação de uma galáxia é por agregação com outra galáxia. Por vezes uma galáxia grande atrai e engole uma mais pequena numa forma de canibalismo cósmico. Isto pode acontecer na nossa própria galáxia no futuro se (como muitos cientistas antecipam) esta eventualmente engolir as duas galáxias próximas conhecidas por Nuvens de Magalhães, que são visíveis do Hemisfério Sul.

As agregações também têm lugar entre galáxias de tamanho semelhante, produzindo eventos dramáticos que causam alterações catastróficas nas propriedades dessas galáxias. Tais eventos produzem uma galáxia muito pouco parecida com qualquer uma das duas originais. À medida que o Universo expande mais e mais depressa, contudo, as galáxias afastam-se para mais longe umas das outras, reduzindo as hipóteses de agregações entre elas.

O futuro da nossa galáxia

Hoje estamos numa fase calma da história da Via Láctea, depois das fases violentas em que agregações de halos de matéria escura e protogaláxias fizeram com que a massa da galáxia aumentasse substancialmente. Durante bem mais de metade da história do Universo os principais impulsionadores da evolução da Nossa Galáxia foram processos dinâmicos internos. Será também este o caso por mais um par de biliões de anos. Contudo, Andrómeda, a mais próxima galáxia semelhante à nossa (que parece, a olho nu, uma massa insignificante com aspeto estelar), desloca-se em direção à Via Láctea 110 km em cada segundo – e está marcada um colisão frontal com a nossa galáxia dentro de quatro biliões de anos (Van der Marel et al., 2012). Esta significativa agregação ocorrerá durante dois biliões de anos e a identidade das duas espirais barradas perder-se-á com a formação de uma majestosa galáxia elíptica.

O famoso diagrama em ‘diapasão’ desenvolvido por Edwin Hubble em 1936 que descreve a classificação de galáxias. As galáxias eram classificadas em elípticas (E0 a E7), lenticulares (S0) e espirais (S ou SB, se estiver presente uma barra central).
A imagem é cortesia do Space Telescope Science Institute

Questões em aberto

Como resultado do enorme progresso técnico e científico feito na área da Astronomia Galática desde os anos 70, agora compreendemos bem a forma como as galáxias interagem e se transformam. Apesar disso, ainda existem muitas questões em aberto. Por exemplo, quando olhamos para galáxias cada vez mais longínquas vemos que muitas delas têm formas diferentes das que nos estão próximas. Estamos a observar essas galáxias numa fase inicial da sua existência, devido aos biliões de anos que a luz leva a percorrer vastas distâncias. Sabemos que essas galáxias iniciais com formas estranhas evoluem ao longo do tempo para as mais familiares formas elípticas ou em disco, mas ainda não temos a certeza como isso acontece.

Um problema central da Astronomia Galática é o facto de não conseguirmos observar processos astronómicos em ação, devido às suas extraordinariamente longas escalas de tempo. Em vez disso, o nosso conhecimento vem de construir modelos computacionais e simulações baseadas nos modelos teóricos, combinados com dados observacionais. Até hoje as nossas melhores simulações não se ajustam completamente aos factos. Por exemplo, as simulações atuais prevêem mais galáxias anãs vermelhas do que as que vemos. Esta discrepância é um problema, pois sugere que há algum pormenor que não está bem nas teorias astronómicas usadas para desenvolver a simulação – mas ainda não identificámos os defeitos. Mesmo as propriedades da nossa vizinhança galática são incompatíveis com alguns resultados numéricos fundamentais: as nossas galáxias-satélite são muito ‘fofas’ ou difusas – e possivelmente poucas demais – comparadas com as previsões do mais aceite cenário cosmológicow2.

Nas últimas décadas, contudo, as simulações astronómicas tornaram-se muito mais precisas e agora conseguimos modelar o movimento de até um trilião (1012) de partículas, contrastando com as poucas centenas de partículas das primeiras simulações. Isto diminui a necessidade de aproximações, abrindo caminho para uma muito melhor modelagem dos processos astronómicos o que, por sua vez, permite uma melhor compreensão teórica desses processos. Novas observações e descobertas utilizando as mais avançadas ferramentas de observação também acrescentarão maior precisão, para além de novas restrições, ajudando a revelar as falhas nos modelos.

De facto, as ferramentas de observação que estão agora a aparecer podem revolucionar a nossa visão do cosmos. O Atacama Large Millimeter/Submillimeter Array, o maior projeto astronómico até hoje concretizado, e o James Webb Space Telescope, a ser lançado em 2018, penetrarão nas densas nuvens de gás e poeiras para nos elucidar do mistério da formação estelar. Eles também conseguirão ver protogaláxias em formação quando o Universo tinha menos de 5% da sua idade atual, assim contribuindo significativamente para o nosso conhecimento da formação galática.

Representação artística do Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA)
A imagem é cortesia do ALMA (ESO/NAOJ/NRAO)/L. Calçada (ESO)

References

Web References

  • w1 – A NASA tem mais informação sobre galáxias espirais barradas e evolução galática no seu Hubble website
  • w2 – O Preposterous Universe blog emprega uma visão mais profunda das galáxias difusas

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Author(s)

Francesca Iannuzzi trabalhou seis anos em astrofísica computacional. Durante o seu doutoramento no Max Planck Institute for Astrophysics em Munique, Alemanha, concentrou-se no estudo de simulações cosmológicas de formação de estruturas. Mais tarde, trabalhou em simulações dinâmicas de galáxias de disco isoladas como investigadora pós-doutoral no Centre National de la Recherche Scientifique em Marselha, França. Atualmente faz investigação e desenvolvimento na área do processamento de linguagem natural.

Susan Watt é uma escritora e editora científica freelance. Estudou Ciências Naturais na Universidade de Cambridge, no Reino Unido, e tem trabalhado para diferentes editoras e organizações científicas desse país. Os seus interesses principais são a Filosofia da Ciência e a Educação Científica.

Review

Este artigo, que explica a génese e evolução de galáxias, pode ser usado para aprofundar o conhecimento dos alunos acerca do Universo.

Antes de lerem o texto, os alunos poderiam ser questionados da forma seguinte, para que pensassem de antemão os conceitos explicados no artigo:

  • Qual é o nome da nossa galáxia?
  • Têm todas as galáxias a mesma forma e tamanho?
  • Como pensas que as galáxias se formam?
  • O que pode fazer uma galáxia evoluir?

Finalmente, o artigo pode ser usado como um ponto de partida para discutir a importância do desenvolvimento de ferramentas observacionais para melhorar a nossa visão do cosmos. Os alunos devem aperceber-se de que, em Ciência, as teorias aceites são as melhores explicações disponíveis em determinada altura. Contudo, se novas observações são feitas que não se ajustam às teorias existentes, pode ser necessário reformulá-las.

Mireia Güell Serra, Espanha

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