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Traduzido por António Daniel Barbosa. Mesmo os perfumes do dia-a-dia têm a capacidade de nos fazer recuar no tempo, acordando memórias semi-esquecidas. Com a ajuda de Gianluca Farusi, pode fazer recuar os seus alunos 2000 anos, recriando e testando o perfume de Júlio César.
Ditador da República Romana até 44 a.C., invadiu a Grá-Bretanha e foi o primeiro general Romano a cruzar o rio Reno. Foi amante da Rainha Cleópatra e o mês de Julho foi nomeado em sua honra. Júlio César é famoso por diversas coisas – mas provavelmente não pela sua escolha de perfume.
No entanto, os perfumes eram uma parte importante da vida da Roma antiga: na forma de incenso nas cerimónias religiosas; nas áreas públicas para disfarçar odores desagradáveis – Plínio o Velho (23-79 d.C.) recorda água perfumada de rosas a ser aspergida nos teatros; e para hidratação da pele.
Nos dias de hoje, muitos dos perfumes comerciais são à base de álcool, mas os perfumes Romanos para a pele assumiam a forma de unguentos, ou pomadas oleosas. Um unguento consistia numa base líquida e uma essência perfumada, podendo conter também conservantes como sal e fixadores como gomas ou resinas – para estabilizar os componentes voláteis do perfume.
Uma das bases líquidas mais frequentemente usadas era omphacium, um óleo extraído de azeitonas ou uvas verdes. Para obter essências perfumadas, os Romanos usavam muitos métodos para extrair fragrâncias de flores, sementes, folhas, cascas e outros materiais vegetais perfumados. Muitos destes métodos são ainda hoje usados.
Como sabemos tanto sobre a perfumeria Romana? Parcialmente através de registos escritos contemporâneos, é claro – mas a ciência também pode ajudar. Análises arqueológicas modernas de vestígios de perfume em vasos antigos podem ajudar a identificar o perfume, a forma como foi preparado e mesmo o seu fim. Através da junção de dados químicos com informações de autores contemporâneos, podemos reproduzir alguns dos perfumes do mundo antigo.
“…Ratio faciendi duplex, sucus et corpus: ille olei generibus fere constat, hoc odorum.… E vilissimis quidem hodieque est – ob id creditum et id e vetustissimis esse – quod constat oleo myrteo, calamo, cupresso, cypro, lentisco, mali granati cortice.… Telinum fit ex oleo recenti, cypiro, calamo, meliloto, faeno Graeco, melle, maro, amaraco. hoc multo erat celeberrimum Menandri poetae comici aetate.
Os unguentos são constituídos por dois elementos: os sucos e as partes sólidas. Os primeiros consistem geralmente de diversos tipos de óleos, os últimos de substâncias odoríferas… de entre os unguentos mais comuns atualmente, e por essa razão considerados os mais antigos, está o composto por óleo de mirto, cálamo, cipreste, chipre, mástique e da casca de romã…. Telinum é feito de azeite fresco, cyperus, cálamo, trevo-de-cheiro, feno-grego, mel, árum e manjerona doce. Foi o perfume da moda no tempo do poeta cómico Menander [cerca de 300 a.C.].
Plínio o Velho, Naturalis Historia (Historia Natural), livro XIII, capítulo 7, paragrafo 9
Como parte de um projeto interdisciplinar alargado de química (ver caixa), eu e os meus alunos (com idades entre 14-15) decidimos fazer exatamente isto: recriar o perfume preferido de Júlio César. Mas como sabemos nós como era? Graças a um fragmento de poesia atribuída a César (‘Corpusque suavi telino unguimus‘, ‘Nós ungimos o corpo com unguento perfumado telinine’), pensa-se ser o unguento telinum.
No entanto, encontrar a receita não é tarefa fácil. Por um lado, antes da introdução da taxonomia de Lineu, não existia uma convenção de nomenclatura consistente. Desta forma, por exemplo, o nome ‘cyperus’ pode referir-se a muitas espécies de felosa-dos-juncos (Cyperus spp), a gladíolos (Gladiolus spp), a citronela (Cymbopogon schoenanthus) ou ainda ao alfeneiro (Ligustrum spp). Além disso, as receitas de perfumes – tal como atualmente – eram ferozmente guardadas pelos seus fabricantes, pelo que mesmo que escritores contemporâneos registassem por vezes os ingredientes de um perfume, raramente mencionavam as proporções.
No caso do telinum, tivemos sorte: na sua Naturalis Historia (História Natural), Plínio o Velho regista os ingredientes (acima) e Pedáneo Dioscórides (c. 40-90 dC) regista ingredientes de alguma forma diferentes mas menciona as proporções na sua De Materia Medica (Sobre Materiais Médicos).
Para a nossa recriação do telinum, realizamos uma série de testes baseados nestas duas receitas antigas para determinar a combinação que preferíamos. No entanto, como deveríamos interpretar ‘cyperus’? Foram preparadas duas versões: uma com óleo de citronela e outra com óleo de violeta (Viola odorata) – porque as raízes dos gladíolos e das espécies de Cyperus cheiram a violetas.
Finalmente, uma vez que se acredita que o árum (Teucrium Marum) é cancerígeno, decidiu-se substituí-lo por nêveda (Nepeta cataria), que tem um cheiro semelhante. Se não historicamente exato por completo, o nosso perfume deve pelo menos cheirar como o de César.
Não é claro a partir das fontes históricas se foram utilizados materiais frescos ou secos. Nós usamos materiais secos, uma vez que contêm mais fragrância por grama e são facilmente obtidos: tentar em farmácias ou herbanárias.
To prepare omphacium for our project, I picked the green olives, ground them in the kitchen mixer, collected the mixture in a tea towel and squeezed the oil into a bowl. I then filtered the oil three times using filter paper, and centrifuged it twice for 5 min each time.
Alternatively, use shop-bought olive oil.
Eu dividi a turma em três grupos; cada grupo preparou um perfume histórico diferente (as instruções para preparar cyprinum e rhodinon podem ser descarregados do websitew2 da Science in School). No final da atividade, cada aluno teve uma pequena amostra do perfume para levar para casa.
Uma vez avaliado o perfume da Roma antiga, regressamos ao século XXI para investigar as moléculas que produziram a fragrância. A Tabela 1, que mostra os principais compostos químicos perfumados no nosso telinum (as estruturas de alguns deles ilustram este artigo), encontra-se disponível para download no websitew2 da Science in School.
Com alunos mais velhos, esta atividade pode ser usada para investigar química orgânica em detalhe. Com os meus alunos de 14 e 15 anos, concentrei-me nos princípios básicos da química do cheiro. Por exemplo, perguntei-lhes:
Consulte as normas de segurança locais ou nacionais para saber se é permitido usar materiais preparados no laboratório na pele.
No final da atividade, juntamente com experiências associadas, os alunos estabeleceram que:
Esta atividade é parte de um projeto interdisciplinar mais alargado, desenvolvido com os meus alunos de 14 e 15 anos, para satisfazer os requerimentos curriculares desta idade. Começamos cada sessão (1 a 4 aulas de duas horas) discutindo uma passagem da Naturalis Historia de Plínio, o Velho, e de seguida planeamos como recriar no laboratório o evento descrito no texto ou algo semelhante. Desta forma, os alunos começaram pelo mesmo estado pré-científico de Plínio e, através de trabalho de laboratório e discussão, obtiveram conhecimento científico moderno sobre cada um dos tópicos. O processo motivou mesmo os alunos menos entusiastas.
Outras atividades no projeto incluíram extrair índigo a partir de pastel, preparar téssera de vidro com ácido bórico, simular a luminescência do molusco Pholas dactylus e preparar tinta ferrogálica (Farusi, 2007).
O autor gostaria de agradecer a Graziella Zacchini da Officina Profumo Farmaceutica Santa Maria Novella, que forneceu os materiais vegetais usados neste projeto.
Belgiorno MR (ed.) (2007) I profumi di Afrodite e i segreti dell’olio. Scoperte archeologiche a Cipro. Catalogo della mostra (catalogue of the exhibition ‘The perfumes of Aphrodite and the secret of the oil: archaeological discoveries in Cyprus’). Rome, Italy: Gangemi. ISBN: 978-8849212235
Donato G, Seefried M (1995) The Fragrant Past: Perfumes of Cleopatra and Julius Caesar (catalogue of the corresponding exhibition in the Emory Museum of Art and Archaeology, Atlanta, GA, USA). Oxford, UK: Premier Book Marketing Ltd. ISBN: 978-0963816931
Pennestrì S (1995) Aromatica. Profumi tra sacro, profano e magico. Selcom. ISBN: 9788886553001
Colombini MP et al. (2009) An Etruscan ointment from Chiusi (Tuscany, Italy): its chemical characterization. Journal of Archaeological Science 36: 1488-1495. doi: 10.1016/j.jas.2009.02.011
Modugno F et al. (2008) Gas chromatographic and mass spectrometric investigations of organic residues from Roman glass unguentaria. Journal of Chromatography 1183: 158-169. doi: 10.1016/j.chroma.2007.12.090
Pérez-Arantegui J (2009) Colorants and oils in Roman make-ups – an eye witness account. Trends in Analytical Chemistry 28: 1019-1028. doi: 10.1016/j.trac.2009.05.006
Ribechini E et al. (2008) An integrated analytical approach for characterizing an organic residue from an archaeological glass bottle recovered in Pompeii (Naples, Italy). Talanta 74: 555–561. doi: 10.1016/j.talanta.2007.06.026
Börsch-Haubold A (20×07) Pequenas moléculas fazem os sentidos. Science in School 6. www.scienceinschool.org/2007/issue6/scents/portuguese
Capellas M (2007) Recovering Pompeii. Science in School 6: 14-19. www.scienceinschool.org/2007/issue6/pompeii
Farusi G (2006) Teaching science and humanities: an interdisciplinary approach. Science in School 1: 30-33. www.scienceinschool.org/2006/issue1/francesca
Este artigo dá a oportunidade de ligar a História à química prática. Os alunos serão levados até ao tempo dos Romanos para aprender a razão pela qual os nossos ancestrais extraiam odores de matérias vegetais e transformavam-nos numa fórmula que podia ser aplicada na pele. É altamente benéfico para os alunos ligar o atual conhecimento científico às suas raízes. Seguir o caminho dos nossos antepassados científicos ajuda-nos a perceber o desenvolvimento dos processos científicos e como as substâncias orgânicas têm sido desenvolvidas em materiais úteis.
A actividade pode ser usada em aulas de biologia (histologia das plantas; fisiologia do olfato), de química (química orgânica; química molecular) e de história (os Romanos; a história da química). Também poderá ser usada como base de uma discussão sobre produtos de beleza naturais em oposição a substâncias artificiais. Quão sustentável é o uso de produtos naturais na produção em grande-escala?
É fornecida informação no artigo sobre diferentes métodos de extrair perfumes. Como um prolongamento do projeto, os alunos poderão investigar estes métodos mais aprofundadamente – na internet e no laboratório. Os professores podem também estender a atividade e trazer as fragrâncias mais próximas de casa usando materiais vegetais locais para criar perfumes: revivendo o passado através da vida das plantas. As universidades locais são frequentemente uma excelente fonte de informação sobre espécies nativas. Ao recolher material vegetal deve tomar atenção às medidas de segurança locais, e espécies ameaçadas devem ser evitadas.
Angela Charles, Malta
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