Fusão no Universo: a origem das jóias Understand article
Traduzido por Paulo Santos Ramos. Será a alquimia demasiado bom para ser verdade? Paola Rebusco, Henri Boffin e Douglas Pierce-Price, da ESO em Garching, Alemanha, descrevem como fazer ouro- e outros metais pesados- é possível, apesar de não ser, infelizmente, no laboratório.
Como são formados os elementos pesados? O último episódio da saga “Fusão no Universo” (Boffin & Pierce-Price, 2007), acaba com a produção do ferro, mas a aventura nucleosintética- na qual os núcleos atómicos – são criados – não a acaba aqui. Vamos refrescar a memória. Nos minutos iniciais, após o Big Bang, a temperatura do recém-nascido Universo, desceu (para uns poucos milhões de graus!) para formar hidrogénio e hélio. As estrelas dispenderam a maioria da sua vida a queimarem hidrogénio convertendo-o para hélio. Apenas quando a temperatura e a pressão se tornaram suficientemente elevadas, passaram a fundir átomos de hélio, formando novos elementos. Os elementos mais leves são os tijolos que fundem com sucesso para produzir elementos mais pesados, até ao ferro-56.
O ferro-56 tem o núcleo mais estável porque tem a máxima energia de blindagem (ver caixa e diagrama). A natureza aprecia configurações estáveis e portanto o processo de fusão descrito no nosso último artigo, o qual nos conduziu do hidrogénio aos núcleos mais pesados e mais estáveis, não prosseguirá para além do ferro-56. Portanto, de onde provém elementos mais pesados, como o chumbo, a prata, o ouro e o urânio? Não há aqui magia: o Universo fornece outras maneiras fascinantes para produzir todos os outros elementos pesados. Nas altas temperaturas e pressões de uma estrela, a fusão é tão espontânea como rolar por uma colina abaixo (um processo que liberta energia). Para além disso, os passos seguintes da nucleosíntese são bastante activos, uma vez que envolvem capturas e explosões. Três tipos de captura estão envolvidos, dois relacionados com a captura de neutrões (os processo -s e -r) e um com a captura de protões (o processo-p).
Captura de neutrões
Uma via para criar elementos mais pesados que o ferro-56 começa quando neutrões extra colidem e fundem com núcleos existentes. Desta maneira obtém-se núcleos ricos em neutrões e mais pesados, mas com o mesmo número de protões, ou o mesmo número atómico. Estes núcleos são apenas isótopos mais pesados do elemento original, não se tendo ainda atingido o propósito inicial de criar um novo elemento, mais pesado.
Contudo o processo ainda não terminou. Estes novos isótopos podem ser estáveis ou instáveis, dependendo do seu número de protões e neutrões. Se a captura de neutrões produzir um isótopo instável, pode induzir um decaimento radioactivo espontâneo. Este tipo de decaimento é um ‘decaimento-beta’, no qual um electrão e um anti-neutrino são emitidos, sendo um dos neutrões do núcleo convertido num protão. O resultado global é a conversão de um núcleo com mais um protão e mais alguns neutrões. Uma vez que o número de protões foi alterado, isto produziu de facto um novo, e diferente elemento.
Este processo de captura de neutrões seguido de um decaimento-beta, é importante tanto se a captura de neutrão é lenta ou rápida relativemente ao decaimento-beta. Os dois casos, referidos respectivamente como processo-s ou processo-r, produzem elementos diferentes e ocorrem em circunstâncias diferentes no Universo.
Captura lenta de neutrões: o processo-s
Cada captura de neutrões no processo-s converte um núcleo num isótopo do mesmo elemento com mais um neutrão. Eventualmente, este aumento de apenas um no número de neutrões levará a um isótopo instável. Porque a captura de neutrões é relativamente lenta no processo-s, o núcleo instável sofre um decaimento-beta antes de mais neutrões poderem ser capturados. Por outras palavras, á medida que a primeira configuração instável é atingida, o decaimento-beta transforma o núcleo noutro com mais um protão e alguns protões a menos. (ver diagrama).
Em que sítio do Universo se pode encontrar as condições ideais para o processo-s ocorrer? Isto pode ser possível nos últimos estágios da vida das estrelas semelhantes ao Sol. Sabemos já (ver, por exemplo, Boffin & Pierce-Price 2007) que se a massa inicial de uma estrela é comparável á do Sol, então no final da vida desta estrela, fica sem combustível e arrefece transformando-se numa anã branca. Antes de arrefecer, neutrões livres são produzidos (principalmente do decaimento do carbono e do néon): são suficientemente preenchidos para produzir elementos pesados por captura lenta de neutrões. Por esta via, elementos como o bário, cobre, ósmio, estrôncio e tecnécio são produzidos.
Captura rápida de neutrões: o processo-r
Se, por outro lado, os neutrões são produzidos a um ritmo elevado, então o núcleo instável que é formado tem tempo suficiente para capturar vários neutrões e subsequentemente decair em cascada em protões (ver diagrama): é deste modo que os elementos com maior número atómico são sintetizados na natureza.
Vamos descobrir onde tem lugar o processo-r no Universo. Tal como discutido no artigo anterior, quando a massa de uma estrela é maior que oito massas solares, a temperatura e pressões no seu centro, tornam-se suficientemente altas para induzir a fusão do carbono com o oxigénio, em último caso, para formar um núcleo de ferro. Nesta fase final, o interior de uma estrela é muito semelhante a uma cebola (ver diagrama): as camadas mais externas são formadas de hidrogénio e hélio, enquanto as camadas mais internas consistem progressivamente de elementos mais pesados, devido á sucessivas reacções de fusão.
O ferro é demasiado estável para começar a arder, deste modo vai-se acumulando e o núcleo de ferro continua a aumentar. Existe, contudo, um limite na massa (chamado limite de Chandrasekhar) acima do qual o núcleo de ferro não pode crescer, e a sua gravidade torna-se demasiado elevada para que este se mantenha. Neste ponto um colapso catastrófico (com as camadas exteriores do núcleo a atingirem 250 milhões de km/h) comprimem para o centro, até a matéria recuar novamente e toda a energia ser transferida para as camadas exteriores, numa explosão titânica (ver imagem). Este fenómeno é chamado de explosão duma supernova, especificamente uma Supernova Tipo II (SN II).
É durante o colapso do núcleo de ferro de uma SN II que o processo-r ocorre. Durante o colapso, electrões e protões fundem-se para dar lugar a neutrões e neutrinos. O fluxo (o número por unidade de tempo e unidade de área) de neutrões é tão elevado (da ordem dos 1022 neutrões por cm2/s) que um núcleo tem tempo para capturar muitos neutrões antes do decaimento-beta. Ouro, európio, lantânio, polónio, tório e urânio são alguns dos elementos produzidos durante este processo-r.
Captura de protões
Outro processo pelo qual os núcleos mais pesados são produzidos é por captura de protões (processo-p). Contudo, um núcleo grande contendo muitos protões tem uma carga positiva, que repele a aproximação de protões adicionais. Esta repulsão (a barreira de Coulomb) é muito alta, e assegura que a captura de protões é muito mais rara que a captura de neutrões. Para ser absorvido pelo núcleo, um protão livre tem de ser muito energético, portanto este processo apenas ocorre a temperaturas extremamente elevadas.
Então onde podemos encontrar temperaturas suficientemente elevadas para a captura de protões? Mais uma vez temos de olhar para as estrelas. Apesar do nosso sistema solar ter apenas uma estrela – o Sol – um grande numero de estrelas encontram-se em sistemas com pelo menos duas estrelas. Quando duas estrelas orbitam uma em torno da outra, formam um ‘sistema binário’. Se as estrelas estiverem suficientemente perto, é possível que uma estrela com um campo gravítico grande possa ‘roubar’ gás da sua estrela companheira. Isto pode acontecer, por exemplo, quando uma anã branca compacta e massiva ou uma estrela de neutrões atrai gás rico em hidrogénio da companheira para a sua superfície. Este material fornece um fluxo de protões livres, quentes e suficientemente energéticos para passar a barreira de Coulomb e fundir com outros núcleos. Lantânio, ruténio e samário são elementos típicos produzidos pelo processo-p.
Conclusão
Vimos como, apesar da fusão nuclear em estrelas produzir apenas elementos até ao ferro-56, os elementos mais pesados são produzidos por uma variedade de processos. Este processo nucleosintético, envolvendo a captura de neutrões e protões, e decaimentos radioactivos, acontece em situações exóticas no Universo. A captura lenta de neutrões ocorre no fim da vida de estrelas semelhantes ao Sol, antes de terminarem os seus dias como anãs brancas. A captura de protões resulta de uma anã branca ou estrela de neutrões canibalizar gás de uma infeliz companheira. A captura rápida de neutrões ocorre durante o colapso catastrófico estelar o qual ocorre imediatamente antes da explosão dramática de uma supernova Tipo II. Transformando um elemento noutro, estes fascinantes processos conseguem aquilo que os alquimistas da Idade Média não conseguiram – a transformação de metais vulgares em (entre outros elementos) ouro.
No entanto, não podemos acusar os alquimistas. Os seus laboratórios podiam estar bem equipados, mas faltava-lhes uma peça chave do equipamento: a explosão de uma supernova.
O mistério da massa desparacida
A energia de ligação nuclear é a quantidade de energia que duas partículas libertam são se fundem. Vamos imaginar que temos um protão e um neutrão e que tem a mesma massa (uma aproximação bastante razoável). Juntemo-los até se fundirem e formarão um núcleo de deutério. Qual é a sua massa? Se o protão tiver massa 1 e o protão também massa 1, seria de esperar uma massa de 2, não era? Não é bem assim: a massa do núcleo de deutério é menor que a soma das massas dos dois – alguma massa desapareceu! A solução está na famosa equação de Einstein, E = mc2. Quando duas partículas fundem, libertam a energia de ligação EB, mas uma vez que massa e energia são equivalentes, isto significa que a massa correspondente mB= EB/c2, se perdeu.
Vamos considerar primeiro hélio-4 e o ferro-56. Em massas atómicas (u = 1.66 x 10-27 kg = 931.5 MeV/c2) a massa de um protão e de um neutrão são mP = 1.00728 u e mn = 1.00866 u, respectivamente. A massa medida de um núcleo de hélio-4 é mHe = 4.00150 u, enquanto a soma das massas dos seus componentes é 2mP + 2mn = 4.03188. A diferença dá-nos a massa 4.03188 u – 4.00150 u = 0.03038 u, a qual corresponde a uma energia total de ligação de aproximadamente 28.3 MeV ( a energia de ligação por núcleo é de 28.3/(2 + 2) = 7.07 MeV).
Se repetirmos os mesmos passos para o ferro-56 (o qual consiste em 26 protões e 30 neutrões), a energia total de ligação é muito maior : cerca de 492.2 MeV, ou 8.79 MeV por núcleo. Esta estabilidade extrema coloca o ferro-56 no ponto mais baixo da curva do gráfico da energia de ligação, e a fusão para os elementos mais pesados será um processo ‘ascendente’ necessitando de um fornecimento de energia. Este é o motivo, embora o núcleo de hélio-4 possa fundir facilmente para outros elementos, pelo qual são necessários processos mais extremos (descritos neste articulo) são necessários para obter elementos mais pesados que ferro-56.
Margaret Burbidge e a equipa do B2HF
Os mecanismos por trás da produção de elementos mais pesados (os processos –s e –r) foram pela primeira vez propostos num longo artigo teórico publicado em 1957: ‘Synthesis of the elements in stars’ (Burbidge et al., 1957). Este artigo revolucionário e ainda actual foi assinado como B2HF – não um estranho composto químico mas as iniciais dos apelidos dos cientistas que o escreveram: Margaret Burbidge, Geoffrey Burbidge, William Fowler and Fred Hoyle.
A astrónoma Britânica Margaret Burbidge nasceu em 1919 e continua activa na investigação, como professora jubilada de física na Universidade da Califórnia, San Diego, EUA. Quando era uma adolescente, o seu avô deu-lhe alguns livros populares de astronomia: ‘Descobri o meu fascínio com as estrelas, aos 4 anos’, escreveu ela na sua autobiografia (Burbidge, 1994), ‘ligado a outro dos maus prazeres, números grandes’. A sua vida tem sido recheada de descobertas cientificas e lutas politicas; não tem sido sempre fácil ser mulher cientista, mas ela nunca desistiu. ‘Se encontrares um obstáculo, procura uma maneira de o contornar’, sugere. O resto do grupo não é menos notável: Fred Hoyle e o marido de Margaret, Geoffrey Burbidge, são mais famosos pelas teorias iconoclásticas opostas á teoria do Big Bang, enquanto William Fowler partilhou o Prémio Nobel da física em 1983 pelos seus estudos teóricos e experimentais em nucleosíntese.
References
- Boffin H, Pierce-Price D (2007) Fusion in the Universe: we are all stardust. Science in School 4: 61-63.
- Burbidge EM, Burbidge GR, Fowler WA, Hoyle F (1957) Synthesis of the elements in stars. Reviews of Modern Physics 29: 547-650
- Burbidge EM (1994) Watcher of the skies. Annual Review of Astronomy and Astrophysics 32: 1-36
Resources
- Para descobrir quando e onde a última supernova detonou, vejam a página da web Supernovae, onde cientistas e amadores procuram e registam explosões de supernovas: www.supernovae.net