Muito ruído por nada: detete alegações científicas enganosas e explore testes rápidos de antigénios e tampões Teach article

Refutar factos falsos: Quando um teste Covid dá resultado positivo com cola-bebida, faz sentido? Para descobrir precisamos de perceber como funcionam os testes de antigénio e os tampões.

Um dos grandes desafios do ensino de ciência deve ser alertar para a importância do pensamento crítico. Por isso, a distinção entre factos cientificamente provados e opiniões subjetivas, as quais são enviesadas e se baseiam em crenças pessoais, deve ser explícita. Estas atividades permitem aos alunos desenvolver a sua capacidade de pensamento crítico. Podem continuar com uma discussão acerca da necessidade e das formas de verificar supostos factos gerais. Além disso, podem ser abordados conteúdos curriculares como a função dos tampões, níveis de pH, a estrutura das proteínas e a função dos anticorpos. Este trabalho foi testado com alunos de 16 anos num curso prático laboratorial, oferecido às escolas pela universidade. Pode ser usado com alunos de 14 a 19 anos, com pequenas adaptações. Para reduzir os custos com os kits COVID-19, recomenda-se o trabalho em grupos nas atividades que precisam de um teste de diagnóstico rápido baseado em antigénio (Ag-RDT).

Atividade 1: Factos falsos no parlamento austríaco?

Em dezembro de 2020, um membro do partido de direita austríaco Freiheitliche Partei Österreichs (FPÖ) utilizou o seu tempo disponível no parlamento para demonstrar que um Ag-RDT para a COVID-19 apresentava resultado alegadamente positivo com uma cola-bebida. Usou esse teste falso-positivo para negar a eficácia da testagem ao coronavírus em geral. Podemos usar o vídeo YouTube do discurso[1] como meio de apoio legítimo e relevante, para ensinar o princípio químico dos tampões.

Esta atividade pode ser executada em cerca de 15 minutos, apesar de poder ser necessário mais tempo para a apreciação.

Materiais

  • 1 copo pequeno com cola-bebida
  • 1 pipeta descartável
  • 1 Ag-RDT COVID-19 que dá resultado falso-positivo com cola-bebida – guarde a solução tampão para a atividade 3

Nota: Durante esta unidade, verificamos que nem todos os testes deram resultado falso-positivo, possivelmente porque alguns tinham o tampão já no bloco de amostra. Por isso, é importante realizar vários testes antes da aula e selecionar o que dá de facto resultado falso-positivo. Se não conseguir encontrar testes de antigénio COVID com este efeito, outros testes de antigénio, como testes de gravidez, também podem servir. Ter atenção para que esta substituição não sugira aos alunos que podem fazer “batota”. Se não encontrar testes adequados, as duas primeiras atividades podem ser realizadas com o vídeo e o modelo, mas é muito mais interessante se os alunos a realizarem pessoalmente.

Procedimento

  1. Mostre o vídeo YouTube (Alemão) e/ou leia a tradução para português do vídeo com o discurso do político. Poderá ser útil contextualizar a forma como o político apresenta o seu discurso, se não usar o vídeo. Pode, também, introduzir exemplos deste efeito com notícias locais. Por exemplo, de estudantes que usam refrigerantes para obter testes positivos e assim não irem à escola.
  2. Discuta este incidente com os alunos, recolhendo as suas reações e crenças. Questione se este resultado significa que os testes são inúteis. A necessidade da testar esta crença deverá surgir.
  3. Recomendado: Forneça aos alunos uma placa de teste (sem tampão), o refrigerante e uma pipeta e peça-lhes para reproduzir o teste do político tão exatamente quanto possível. No vídeo, pode ver que ele coloca a cola-bebida diretamente na ranhura da placa com uma pipeta. (Reduza o número de testes necessários trabalhando em grupos ou use uma câmara para mostrar o teste à turma.)
  4. Peça aos alunos uma explicação para este resultado. Reúna as suas ideias e discuta como poderiam ser testadas. As questões seguintes podem servir para orientar a discussão:
    • Qual a diferença entre o teste do político e as instruções que acompanham a placa?
    • O que falta? Resposta: o líquido fornecido para aplicação da amostra ao teste.
    • O que contém esse líquido?

Debate

Se os alunos já tiverem conhecimento sobre a função dos Ag-RDTs, podem especular que as bebidas-cola podem alterar os antigénios ou os anticorpos, ou que algum componente do refrigerante pode reagir com os complexos dourados. Para poder refletir criticamente, deve ser compreendido, em primeiro lugar, o funcionamento de um teste de antigénio e, em segundo, dos tampões.

Atividade 2: Como funcionam os testes rápidos de antigénio e como se explicam os falsos-positivos?

Enquanto o teste da atividade 1 decorre, a função dos Ag-RDTs é explicada. A atividade demora cerca de 10 minutos.

Um poliestireno em 3D e um modelo de um Ag-RDT.
Modelo de um Ag-RDT
Imagem cortesia dos autores

Materiais

Procedimento

  1. Os alunos recebem uma breve explicação sobre a ligação anticorpo-antigénio (princípio da chave-fechadura) em reações imunológicas.
  2. A tira de teste aberta é mostrada e são recolhidas ideias sobre como tal teste poderá funcionar.
  3. Com a ajuda de um modelo prático e cartões de identificação, os alunos exploram a função de um Ag-RDT (como se vê na ficha de demonstração). Reproduzem os diferentes passos: articulam a ideia de uma reação antigénio-anticorpo; e compreendem que a linha de teste apenas fica visível na presença de antigénios virais, para mediar o contacto entre o complexo dourado coloidal e os anticorpos da linha de teste.[3]

Explicação: Função dos testes rápidos de antigénio (método de fluxo lateral)

Os Ag-RDTs seguem o método de fluxo lateral e baseiam-se no princípio dos complexos imunitários, em que um antigénio e o seu anticorpo específico produzem um complexo antigénio-anticorpo.[4] O método pode ser usado para detetar a COVID-19, para diagnosticar uma gravidez ou para prever o momento da ovulação. Além disso, estes testes podem também ser usados noutras áreas, por exemplo, na produção de alimentos e bebidas ou recuperação ambiental.[5] Segue-se a descrição do princípio de um Ag-RDT, usando como exemplo um Ag-RDT COVID-19.

Esquema de processos moleculares num teste COVID-19[3] positivo
©Lateral Flows, usado com a permissão de

Informação: Como funciona o teste?

  • Quando um teste é realizado, a amostra é adicionada à almofada de amostra. Serve como filtro preliminar que elimina poluentes da amostra aplicada. Em alguns testes, a almofada de amostra já contém uma solução tampão que pode ser libertada para estabelecer o nível de pH ideal da reação imunológica. Noutros, a amostra é suspensa numa solução tampão e depois adicionada ao teste. Esta pode ser a razão pela qual nem todos os tipos de testes apresentam resultados positivos quando testados com bebidas-cola.
  • A amostra começa a migrar ao longo do teste, chegando à almofada conjugada. Contém anticorpos ligados a um marcador, por exemplo ouro coloidal (vermelho), o chamado complexo anticorpo-ouro. Se a amostra contém o vírus, estes anticorpos ligam-se aos antigénios (proteínas na superfície do vírus COVID-19) segundo o princípio chave-fechadura. Os complexos anticorpo-ouro (com ou sem vírus ligados) deslocam-se para a secção seguinte do teste.
  • A secção seguinte é chamada a matriz de reação, que contém uma linha de teste e uma linha de controle. A linha de teste de um Ag-RDT COVID-19 contém anticorpos imobilizados que também se ligam aos antigénios do coronavírus. No caso de infeção, estes anticorpos captam as partículas virais, que estão ligadas ao complexo anticorpo-ouro colorido, fazendo aparecer uma linha vermelho no teste.
  • A linha de controle de um Ag-RDT COVID-19 contém outros anticorpos imobilizados que se ligam ao próprio complexo antigénio-ouro (ligado ou não ao vírus). Como os complexos antigénio-ouro estão em excesso, atingem sempre a linha de controle, que então fica vermelha. Se não ficar, o teste é inválido.
  • Os reagentes em excesso ultrapassam ambas as linhas e entram na almofada absorvente, que é a última zona do teste.

Atividade 3: O que faz um tampão?

Para testar a hipótese da falta de tampão, os alunos repetem o Ag-RDT COVID-19 com um novo kit, testando novamente com cola-bebida, mas desta vez adicionando o tampão, de acordo com as indicações do fabricante. Durante o decurso do teste, os alunos exploram a questão da função do tampão através de uma experiência. Usam papel de pH para comparar o pH da cola-bebida com o da solução tampão.

Esta atividade demora cerca de 15 minutos.

Materiais (por grupo)

  • 1 copo pequeno de cola-bebida
  • 2 pipetas descartáveis
  • 1 Ag-RDT COVID 19 (que dá resultado falso-positivo com cola-bebida)
  • Tampão fosfato (p.ex. do teste usado na atividade 2)
  • 1 medidor de pH
  • 4 copos
  • Papel indicador de pH
  • Folheto com instruções para o aluno
  • Folheto resumo

Procedimento

Parte 1

  1. Corra o Ag-RDT COVID 19 seguindo as instruções, usando todos os componentes fornecidos no kit. Em vez de uma amostra recolhida no nariz, use cola-bebida como amostra.

Parte 2

  1. Enquanto o teste decorre, destaque uma tira de papel indicador e use a pipeta para colocar uma gota de cola-bebida numa extremidade do papel indicador.
  2. Retire a solução tampão do kit e aplique uma gota na outra extremidade do papel indicador.

Parte 3

  1. Coloque 20mL de tampão fosfato num copo.
  2. Meça o valor de pH colocando o elétrodo na solução.
  3. Use o copo e a pipeta com cola-bebida do passo 1 e adicione-a lentamente ao tampão fosfato, agitando sempre e medindo o pH da solução com o elétrodo.

Opcional atividade de ampliação – modelo tampão

A função dos tampões pode ser bem explicada utilizando peças de construção; veja a atividade de ampliação – modelo tampão no material de apoio.

Um modelo Lego do funcionamento de um tampão. A reação química (HA +H2O em equilíbrio com A- e H3O+) é escrita num papel. Peças Lego representando os átomos são ligadas para criar os iãos
Modelo da função de um tampão
Imagem cortesia do autor

Debate

Os alunos devem perceber que a cola-bebida é ácida e que a solução tampão consegue estabilizar o pH num determinado valor.[6]

Após compararem os resultados do Ag-RDT COVID19 sem (atividade 2) e com a solução tampão (atividade 3), devem compreender a importância de realizar um teste rápido de diagnóstico de acordo com as indicações do fabricante. Podem ser feitas analogias usando uma mistura para bolo e a adição de cola-bebida em vez de ovos: não expectável que resulte se não seguirmos a instruções!

Dependendo dos conhecimentos prévios dos alunos sobre proteínas, o efeito do pH ácido da cola-bebida na estrutura das proteínas pode ser debatido, ou mesmo demonstrado misturando cola-bebida com leite morno.

Os alunos podem testar outras hipóteses, por exemplo, que a acidez é influencia o resultado. Como o mecanismo específico de cada Ag-RDT é variável, e as proteínas podem ser influenciadas por muitos fatores, devido às ligações fracas que determinam a estrutura da proteína, é importante tirar conclusões cuidadosas e ter em consideração todas as possibilidades.

Conclusão

Para apresentar uma conclusão final, os alunos devem rever todas as atividades. Reunir todo o conhecimento adquirido para avaliar e julgar a afirmação do político austríaco, que é obviamente errada. Devido à ausência da solução tampão durante a sua execução, as condições ideais (pH) da reação imunológica não podem ser alcançadas. É possível que o caráter ácido da cola-bebida e de outras bebidas desnature as proteínas nos testes, levando a um resultado falso-positivo;[7] no entanto, o mecanismo exato não foi esclarecido. O trabalho deve ser concluído fornecendo aos alunos a ficha resumo com os pontos importantes. A diferença entre crenças ou suposições e resultados cientificamente testados e repetíveis deve ser discutida. Os professores podem estabelecer uma relação com o que os alunos sabem sobre método científico (p. ex. variável dependente, independente e de controle) e discutir a importância de considerar todos os fatores que influenciam o sistema experimental para avaliar se os resultados apoiam realmente as conclusões.


References

[1] Windschitl M, Thompson J, Braaten M (2018) Ambitious Science Teaching. Harvard Education Press. ISBN: 978-1-68253-163-1

[2] Vídeo YouTube da intervenção do político (a parte relevante está nos primeiros 1 min 40 s): https://www.youtube.com/watch?v=0-aGdBh_sXI

[3] Informação sobre ensaios de fluxo lateral da Lateral Flows, que faz parte da Radetec Diagnostics: https://www.lateralflows.com/lateral-flow-assays/

[4] Luppa PB, Schlebusch H (2012) POCT – Patientennahe Labordiagnostik. Springer, Berlin, Heidelberg. ISBN: 978-3-642-20172-1

[5] Modrow S et al. (2010) Molekulare Virologie. Spektrum Akademischer Verlag, Heidelberg. ISBN: 978-3-8274-2241-5

[6] Velavan TP, Pallerla SR, Kremsner PG (2021) How to (ab)use COVID-19 antigen rapid test with soft drinks? International Journal of Infectious Diseases 111: 28–30. doi: 10.1016/j.ijid.2021.08.023

[7] Patriquin G et al. (2022) Generation of false-positive SARS-CoV-2 antigen results with testing conditions outside manufacturer recommendations: a scientific approach to pandemic misinformation Microbiology Spectrum 9: e0068321. doi: 10.1128/Spectrum.00683-21

Resources

Author(s)

Alexandra Fuchs estuda química, geografia e biologia na Julius-Maximilians-University Würzburg, para poder lecionar em escolas secundárias do 5º ao 13º ano. Ela está especialmente interessada em tópicos que relacionam diferentes assuntos e a sua relevância na vida cotidiana.

Lukas Köhler estuda química e geografia para lecionar em escolas secundárias (do 5º ao 13º ano) na Julius-Maximilians-University Würzburg. Organiza voluntariamente férias para crianças jovens e possui um cartão Juleica (líder juvenil). Além de estudar, tem trabalhado numa estação de testagem à COVID há mais de um ano.

Rebecca Schobert estuda atualmente química e inglês na Julius-Maximilians-University Würzburg para ser professora em escolas secundárias. Apoia crianças do 5º ao 13º ano em química e inglês. Tem também interesse no campo da bioquímica e nas suas aplicações na vida cotidiana.

Katja Weirauch lecionou biologia e química em escolas secundárias durante oito anos, produziu aplicações de comunicação escolar durante quatro e, na última década, tem sido professora e investigadora no ensino de química na Universidade de Würzburg. Tem interesse na prática e investigação do ensino de química, especialmente para ambientes inclusivos.

Review

O tema abordado neste artigo é muito interessante e atual para a criação de atividades que promovam o pensamento crítico em alunos do ensino secundário. A discussão é desenvolvida de forma teórica e experimental inovadora, com uma abordagem interdisciplinar, interligando a biologia do sistema imunológico e a química de ácidos e bases, propondo também uma aprendizagem prática motivadora através da realização de atividades. Particularmente útil no trabalho com estudantes é a explicação do teste rápido de antigénio, o princípio das reações imunológicas e o modelo Lego para explicar os tampões. A proposta didática pode ser desenvolvida em dois níveis: num nível básico para alunos de 14 a 16 anos, e num nível superior para alunos de 17 a 18 anos, com conhecimentos específicos sobre o sistema imunológico e teoria da química dos tampões e reações ácido-base, orientando as aulas através da interpretação fundamentada dos resultados de um teste diagnóstico. O artigo também é útil, numa perspetiva alargada, para educar os alunos na interpretação sem preconceitos de informação científica.

Marina Minoli, investigadora e professora de didática de Biociências

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