Historias de uma praga Understand article
Traduzido por Bruno Fontinha. Arqueologia e genética combinam-se para revelar o que causou a Peste Negra.
A Peste Negra é sem sombra de dúvida uma das doenças infecciosas mais famosas da história. Espalhando-se através da Asia e da Europa durante metade do século XIV, provocou a redução das populações Europeias em cerca de 50% em alguns centros urbanos, durante somente cinco anos (1347 – 1351)w1. Este enorme número de mortos teve um efeito duradouro sobre a cultura Europeia: grandes declínios na classe camponesa desestabilizaram o sistema feudal, abrindo caminho para sistemas económicos mais favoráveis. Cidadãos em breve poderiam possuir a sua própria terra e possuir os seus próprios cultivos.
Diversos registos históricos documentam o caminho da Peste Negra através da Europa medieval, e em alguns desses registos estão incluídos descripções gráficas dos sintomas bastante cruéis desta doença. A marca caraterística desta “peste”, como era designada na altura, consistia na presença de um inchaço do tamanha de um ovo em alguma parte do corpo. Baseando-se nesta característica, os historiadores médicos de hoje assumem que a doença teria sido um surto invulgarmente agressivo da peste bubónica, causada pela bactéria Yersinia pestis. A peste é normalmente encontrada em roedores, causando a transmissão entre eles atráves das picadas das pulgas. Os humanos são uma das 200 espécies de mamíferos susceptíveis de serem infectados pela Y. pestis, e por razões ainda desconhecidas, a doença pode passar dos roedores para os humanos. Hoje em dia ainda se registam cerca de 2000 infecções por Y. pestis anualmente, mas nada comparado com a dimensão da Peste Negraw2.
A razão pela qual os humanos sucumbiram à Peste Negra ainda permanece por ser resolvida. Afinal de contas, um passeio rápido através de uma qualquer estação de metro de qualquer grande cidade irá dizer-lhe que nós estamos propriamente livre de ratos. Será então que os humanos, no passado, estariam a viver em condições mais propícias a infecções bacterianas? Ou estariam as populações medievais mais vulneráveis a esta doença, devido a algo nos seus genes? Ou seria a própria bactéria diferente em algum aspecto que a tornava mais virulenta? Uma resposta poderá ser encontrada em esqueletos de pessoas que foram enterradas em covas na cidade de Londres, Inglaterra, durante o auge da Peste Negra.
A Escavar fundo
Será que já esteve na estação de metro Tower Hill em Londres? Se sim, então, esteve mesmo em frente à rua que tem origem num antigo cemitério para as vítimas da peste. De 1986 a 1988, arqueólogos do Museum of London escavaram esta cova medieval para a peste, e recuperaram os esqueletos de 600 pessoas (e encontram-se ainda cerca de mais de 2000 no solo!)w3.
Eu faço parte de uma equipa de investigação que retirou os dentes destes esqueletos para tentar encontrar pequenos fragmentos de ADN de Y. pestis que poderão ter sobrevivido a mais de 700 anos de enterro no solo.
Os dentes são uma das melhores partes do esqueleto para se usar, pois o esmalte duro exterior funciona como um escudo, protegendo desta maneira o ADN no interior do dente durante séculos. Pode pensar sobre esta combinação entre arqueologia e biologia molecular como sendo as nossas lentes para olhar para o passado. Devido aos desenvolvimentos científicos ocorridos nos anos mais recentes, podemos hoje em dia apanhar estes pequenos fragmentos de ADN proveniente de doenças antigas e procurar pistas sobre o modo como estes genes mudaram ao longo do tempo. Podemos depois usar estas diferenças para melhor elucidar o modo como os patogénios evoluíram.
Extração dos dentes
Depois de se recolherem os dentes, estes passam por um precesso químico para se isolarem as moléculas de ADN das células que foram recolhidas anteriormente. Infelizmente, este processo leva à recolha indiscriminada de ADN de todas as amostras – plantas, humanos, solo, bactérias – e algures no meio deste palheiro molecular gigantesco, estarão as pequenas peças de ADN provenientes do patogénio antigo. O problema é encontrá-las.
Nós usamos algo denominado captura de ADN para obter esta peças específicas de ADN. É tal como a pesca, mas em vez de se apanhar peixe, apanhamos moléculas. Nós desenhamos iscas que possuem partes complementares com outras partes alvo do material genético da Y. pests do nosso interesse e vamos pescar no nosso palheiro molecular gigante, retirando fragmentos que correspondam. Todo este processo dura cerca de uma semana, e no final o que temos é um líquido do tamanho de uma gota de chuva que, esperemos, contenha peças do material genético do patogénio antigo que sobreviveu durante centenas de anos no interior do dente.
Nós não acabamos com um fio longo de ADN que codifica para a Y. Pestis. Em vez disso, nós temos uma coleção enorme de pequenos fragmentos de ADN. Posteriormente, podemos utilizar um computador (e um especialista em computadores!) para colocar o puzzle de novo no seu lugar, dando-nos, no final, o genoma antigo reconstruído da doença.
Com o genoma reconstruído em ficheiro, podemos comparar a doença antiga com as versões de Y. pestis que circulam hoje em dia, para ver se ele tem mudado ao longo do tempo. É interessante notar que a praga de antigamente era quase idêntica às das bactérias Y. pestis de hoje, o que foi algo que não esperávamos.
Isto significa que a doença antiga foi muito provavelmente mais virulenta quando comparada com a de hoje em dia. Talvez por isso, em vez de a doença ter mudado, foram os humanos que se alteraram.
Poderíamos simplesmente viver sob condições que previnam que as infecções de grande escala, como a que assolaram a Europa medieval, no entanto, uma possibilidade mais intrigante é a de que os nossos genes podem ter mudado para tornarmo-nos mais capazes de lidar com esta doença infecciosa. A próxima etapa será olhar para o homem antigo para ver se os seus genes são diferentes dos nossos. É evidente que existem mais segredos nos ossos antigos, e agora temos o conhecimento e a experiência para fazer o nosso trabalho de detective!
Web References
- w1 – Um mapa interactico mostra como a Peste Negra se espalhou pela Europa em somente alguns anos.
- w2 – O Portal Educativo discute a microbiologia da Yersinia pestis, includindo videos e questionários.
- w3 – Você também pode obter mais informações do Museum of London sobre pragas na cidade.
Resources
- O jogo Plague Inc., desenvolvido em parceria com o Wellcome Trust é uma mistura de estratégia e de simulação realista disponível para telemóveis e computadores. Como um agente patogénico, você deve constantemente evoluir para se tornar uma praga global.
- A praga é uma infecção zoonótica, passou a partir de animais para seres humanos. Pode encontrar mais informações sobre como os agentes infecciosos podem fazer o salto lendo o numero 27 da Science in School.
- Heymann J (2012) Evolving threats: Investigating new zoonotic infections. Science in School 27: 12-16.
Review
Este artigo é adequado para a aprendizagem de uma forma interdisciplinar. Professores de ciências poderiam usar este artigo como base para projectos em matérias como a biologia molecular, bioquímica do ADN ou de microbiologia, e adicionando mesmo elementos de bioinformática.
O artigo pode ser usado com os alunos para uma discussão sobre a transmissão, difusão e a evolução de algumas doenças infecciosas como a Peste Negra. Os alunos irão compreender a actividade de investigação em curso sobre a biologia de Y. pestis e a extensão de infecções desta bactéria em cada ano na Europa e em todo o mundo, podendo no final comparar essa informação com a história da Peste Negra.
O artigo também poderia ser usado para iniciar um projeto de analise sobre estrutura do dente humano e o modo como ele é usado para a extração do ADN, bem como as técnicas utilizadas para comparar os fragmentos de ADN antigos e mais recentes da Y. pestis, assim como outras bactérias com o ADN humano. Uma atividade mais intrigante é pedir aos alunos considerações hipotéticas sobre o futuro desta investigação e, particularmente, sobre a sua utilidade para nos ajudar a entender as mudanças em alguns dos nossos genes.
Marina Minoli, especialista didática na Agora University Active Science, Italia