Uma professora em alto-mar Inspire article
Traduzido por Alexandra Manaia. Educadora, aluna e exploradora do Ártico- Giulia Realdon não consegue imaginar trabalho melhor do que ser professora de ciências.
No verão passado, Giulia Realdon apanhou um avião e viajou de sua casa no norte da Itália para Tromsø, na Noruega. Foi juntar-se a uma equipa de cientistas de todo o mundo que realizavam um cruzeiro oceanográfico no Ártico. Durante 11 dias, participou em experiências, entrevistou investigadores e partilhou os melhores e menos bons momentos da viagem com a tripulação- o navio dirigiu-se para norte até Svalbard, regressando depois a Tromsø já com os dados e amostras. “Foi uma experiência de vida única”, relata Giulia entusiasmada, que se refere aos cientistas a bordo como “pessoas incríveis”.
Esta oportunidade surgiu no contexto do programa “Teacher at sea”, organizado conjuntamente pela “European Geosciences Union” (EGU), pela “French Polar Institute” (IPEV) e pelo projeto “Eurofleets 2 EU”. Tratou-se de uma segunda chance para Giulia, que tinha sido inicialmente selecionada para participar num cruzeiro ao Mar do Sul da China em 2012.
Atrasos, causados em parte pela instabilidade geopolítica na região, forçaram ao adiamento da expedição de 2012. Como a reprogramação coincidiu com a época de exames, Giulia teve de cancelar a sua participação. “Quando me telefonaram a oferecer esta segunda oportunidade, eu nem queria acreditar”, explica entusiasmada: “Eu tinha mesmo que ir!” Esta nova expedição era o “PREPARED cruise” (cruzeiro PREPARADO)w1, uma viagem multidisciplinar coordenada pelo “Osservatorio Nazionale di Oceanografia e de Geofísica Sperimentale” (observatório Italiano de Oceanografia e Geofísica experimental, OGS) para investigar e definir as condições oceanográficas no passado e no presente, em torno das áreas a leste do Estreito de Fram, entre a Groenlândia e Svalbard, na Noruega.
A bordo, enquanto o navio percorria os mares do Ártico, a tripulação trabalhava 24 horas por dia para aproveitar a luz do sol contínua. Na prática, cada equipa de investigação trabalhou durante dois turnos de quatro horas por dia. Giulia fez o registo de dados para Eli Anne Esrdal, um oceanógrafo do “University Centre” de Svalbard que recolheu amostras de água para medir o teor de salinidade, temperatura, densidade e oxigénio. Além disto, interagiu com outros cientistas e ficou a par dos seus projetos de investigação. As entrevistas de Giulia aos investigadores estão disponíveis no seu blog, que foi atualizando ao longo da viagem (em Inglês e Italiano)w2.
Quando lhe pedimos para referir os locais mais memoráveis da viagem, Giulia descreve as incríveis paisagens avistadas, as baleias minke a nadar mesmo ao lado do navio. Demonstra especial entusiasmo em ter podido acompanhar as etapas da investigação propriamente dita, como a recolha de amostras de fundos marinhos e o seu transporte, em segurança, para bordo. “Um processo que, para além de tecnicamente impressionante, envolve também uma boa dose de suspense – será que isto vai correr bem? “Requer muito conhecimento, mas também muita sorte “, diz Giulia, lembrando os aplausos e danças espontâneos, com que a bordo se festejava a chegada das amostras. “As amostras de sedimentos recolhidas contêm a história de 20 000 anos- desde a última glaciação até o presente”, explica Giulia.
Durante o cruzeiro Giulia teve oportunidade de conhecer áreas de investigação muito recentes- por exemplo, o estudo do impacto (no ambiente e saúde) dos microplásticos, pequenos pedaços de plástico e fibras com menos de 5 mm de tamanho. É um tópico ainda pouco conhecido dos alunos mas o interesse por esta área tem aumentado- explica Giulia. “O problema”, acrescenta, “é que os microplásticos se acumulam no oceano a diferentes níveis de profundidade e acabam por se infiltrar na cadeia alimentar.” A verdadeira dimensão deste problema está a ser estudada, nomeadamente, através da identificação do destino final destes plásticos.
Possuindo uma licenciatura em biologia e um mestrado em comunicação de ciência, além da sua formação como professora, Giulia ensinou ciências naturais no secundário, durante toda sua carreira, até se reformar. Mas em vez de aproveitar para descansar, Giulia está a fazer o doutoramento na área da educação das ciências da terra, na Universidade de Camerino. É também a presidente da “Scienza Sub-18 Isontina”w3, a equipa local da “Scienza Sub-18”, uma associação Italiana que promove a comunicação de ciência aos jovens.
Segundo Giulia, muitas das oportunidades que surgiram na sua carreira decorreram da sua participação em eventos europeus, como as atividades organizadas por instituições pertencentes ao EIROforum. Acrescenta que ficou muito surpreendida com o impacto causado pelo primeiro evento organizado pelo EMBL (Laboratório Europeu de Biologia Molecular, em Heidelberg, na Alemanha) em que participou. “Eu não podia acreditar na quantidade de recursos disponíveis para os professores.” Estes eventos, diz, são úteis não só em termos de aprendizagem mas também para fazer novos contactos- conhecer outros professores e formar redes de colaboração. Giulia encoraja todos os seus colegas a tirar partido destas oportunidades.
De fato, foi através de um evento europeu, o workshop anual do “EGU Geosciences Information For Teachers (GIFT)” que teve lugar em Viena, na Austria, que Giulia ouviu falar pela primeira vez no “Teacher at sea”, um programa inicialmente desenvolvido pela “American National Oceanic and Atmospheric Administration”. A edição do “Teacher at sea”, coordenada pelo EGU, começou a ser implementada em 2007.
Um legado duradouro
Quando regressou a casa, Giulia trabalhou com os seus colegas no desenvolvimento de atividades e materiais educativos para transmitir aos alunos o que aprendera a bordo do cruzeiro acerca dos microplásticos; algumas dessas atividades são descritas em Realdon (2015). Giulia também conversou com os alunos sobre outros aspetos da expedição e da investigação no Ártico.
Neste momento, Giulia está concentrada em terminar o seu doutoramento- está a recolher os últimos dados para sua tese sobre ensino do tempo geológico. Quando lhe perguntámos como se consegue manter tão ocupada, Giulia respondeu imediatamente. “É o privilégio de ser professora de ciências. Somos privilegiados porque nós gostamos do que fazemos.”
Para conseguir manter o entusiasmo Giulia aconselha os seus colegas a que participem em eventos e workshops para professores europeus e a que se envolvam em projetos, como por exemplo as atividades organizadas pelos membros do EIROforumw4. “Podem aprender”, conclui Giulia, “e partilhar.”
References
- Realdon G (2015) Microplastics: small but deadly. Science in School 34: 32-35
Web References
- w1 – Saiba mais sobre a PREPARED expedition (expedição PREPARADA).
- w2 – Leia o blog da Giulia.
- w3 – Leia mais acerca da associação Scienza under 18 Isontina (em Italiano).
- w4 – O EIROforum é uma rede formada por oito das maiores instituições de investigação ciêntifica inter-governamentais da Europa- partilham recursos, infrastrutura e conhecimentos para apoiar a ciência europeia, levando-a a alcançar o seu pleno potencial. A publicação do jornal Science in School faz parte do conjunto de iniciativas educativas e de divulgação científica do EIROforum.