Vindos da escuridão: tweets do espaço Inspire article

Traduzido por Pedro Augusto. A aterragem no cometa como parte da missão da Rosetta conduz a espantosos e inesperados destinos na área das ciências da comunicação.

Foi um daqueles raros momentos que fez manchete em todo o mundo, resumido em 140 carateres:

Os dedos que tão depressa teclam e enviam um tweet em dez línguas são os de Karin Ranero. Anteriormente uma estagiária no Science in School, a Karin é agora editora do portal da Internet do German Aerospace Center (DLR) e da DLR Magazine. Ela também fez parte da equipa com a tarefa de manter a conta do Twitter para uma das estrelas globais de 2014 – não um jogador de futebol, nem um ator ou um cantor, mas antes uma pequeníssima sonda robótica chamada Philae que foi onde nada nem ninguém tinham antes ido: à superfície de um cometa.

Em novembro de 2014 pessoas por todo o mundo sustiveram a respiração enquanto uma câmara ao vivo mostrava o clímax da missão Rosettaw2 da European Space Agency (ESA)w1 enquanto esta transportava a sonda de aterragem Philae até ao seu destino final – o Cometa 67P – depois de uma viagem de 10 anos pelo Sistema Solar. A quinhentos milhões de quilómetros da Terra, a Rosetta e o Philae comunicaram um com o outro e com investigadores aqui na Terra. Mas ao contrário do que aconteceu com a primeira alunagem, muita gente seguiu a aventura da Philae através de um canal moderno: o Twitter.

A Karin é uma das pessoas da equipa que dá à Philae as suas voz e alma. “O meu trabalho combina um pouco de tudo o que aprendi”, explica a Karin, que foi estagiária no European Southern Observatory (ESO)w3 antes de se mudar para o Science in School, com sede no European Molecular Biology Laboratoryw4. “Eu estudei astrofísica mas percebi que a comunicação da ciência era o que eu gostava mais. Eu queria aprender como melhor comunicar com as pessoas e, assim, também aprofundei os meus estudos em psicologia. Depois que concluir as minhas licenciaturas, trabalhei no departamento de comunicação do Observatório de Teide (Instituto de Astrofísica de Canarias) onde, entre outras coisas, era responsável pela sua contribuição para o projeto nacional das escolas do Liverpool Telescope. Durante o meu tempo por lá também trabalhei de perto com museus; foi por isso que depois decidi fazer um mestrado em estudos museológicos.” A toda esta experiência está a ser dado bom uso no atual trabalho da Karin. “Se se explicar algo e as pessoas conseguirem relacionar-se com isso, capta-se a sua atenção e faz-se com que queiram saber mais – com a Philae ajudou conseguir contar a história de uma forma engraçada.”

E foi por isso mesmo que @Philae2014 explodiu no Twitter, atingindo 400 000 seguidores, recolhendo retweets da Casa Branca (EUA) e alimentando manchetes em todo o mundo.

A história foi enriquecida com interações com a conta de Twitter da própria Rosetta, mantida por uma equipa na ESA. A Karin explica que os tweets entre a Philae e a Rosetta parecem uma conversa entre amigos numa grande aventura – não pedaços de metal no frio espaço exterior mas sim seres cheios de emoção. “Tivemos grandes momentos ao trabalhar com a equipa da Rosetta e com os cientistas no DLR Lander Control Centre. Tentámos pensar em conversas antecipadamente, mas estas podiam ser alteradas num minuto.”

De facto, como Philae, a Karin tem uma linha direta de acesso ao Centro de Controle DLR dessa sonda. “Em tais momentos de tensão, é importante esperar pelo aconselhamento dos peritos que têm primeiro de descobrir o que se está a passar,” diz ela. Por exemplo, quando o arpão do Philae não conseguiu ancorá-la ao cometa esta pulou e aterrou numa região acidentada a uns quilómetros do alvo, algo que Karin realça ter sido boa sorte disfarçada de má sorte: a Philae captou imagens de estruturas e examinou uma área que, de outra forma, poderia nunca ter sido vista.

Antes de esgotar as suas baterias, a Philae enviou imensos dados, o suficiente para manter os investigadores aqui na Terra ocupados – e poderá ainda haver outra surpresa na história. “O local de aterragem da Philae vai protegê-la de radiação em excesso,” acrescenta a Karin. “Os cientistas estão com a esperança de que quando o Cometa 67P se aproximar do Sol a Philae terá energia suficiente para acordar – e estaremos à espera disso. Eu nunca esquecerei o ambiente no Centro de Controlo da Philae durante a aterragem. Foi um acontecimento espetacular, único na vida, que será narrado em livros de história e foi um privilégio fazer parte dele.” E, graças à Karin e à sua equipa, milhares de pessoas sentem o mesmo. Missão cumprida!

Breve entrevista com a Karin

Como começou o teu interesse pela Ciência? Houve algum momento ou pessoa particularmente importante, ou o teu interesse foi crescendo gradualmente?

Penso que o meu interesse pela Ciência vem do facto do meu pai ser engenheiro; ele sempre me encorajou a questionar tudo. No princípio, eu queria ser pediatra mas, com o tempo, percebi que isso não era para mim. O meu interesse pelo espaço surgiu no ensino secundário: o tamanho do Universo fascinava-me, as suas belas nebulosas e galáxias inspiravam-me e eu estava espantada pela sua violência. Foi então que percebi que queria aprender mais sobre o nosso papel nele. Tive o meu primeiro telescópio aos 17 anos e estou envolvida com a Ciência desde então. Nunca esquecerei a primeira vez que vi Saturno através do meu telescópio – foi de cortar a respiração!

O que gostas mais ao trabalhar em Ciência? Quais são as desvantagens?

Eu gosto de tudo – da excitação de aprender sobre novas descobertas, de conhecer as pessoas por trás destas, de ver anos de trabalho árduo recompensado e tudo em nome da humanidade! Os avanços científicos são supostos melhorar a nossa qualidade de vida e melhorar a nossa compreensão sobre de onde vimos e para onde vamos.

A única desvantagem é que, por vezes, tenho de trabalhar a meio da noite, por exemplo, quando há um lançamento. Mas, vendo bem, mesmo isso não é uma desvantagem, pois devo dizer que gosto. Tenho imensa sorte de ter um emprego em que aprendo coisas novas todos os dias.

Conta-nos alguns momentos particularmente memoráveis da tua carreira.

Ah! Tive uns quantos momentos memoráveis na minha carreira – que foi muito variada. Em 2006, enquanto trabalhava como comunicadora de ciência no Observatório de Teide, tive o prazer de acompanhar o engenheiro espacial Lester Waugh e Chris Draper, gestor industrial da empresa aeroespacial EADS Astrium, quando eles vieram a Tenerife testar o sistema de motores das primeiras missões ExoMarsw5, a serem lançadas em 2016. Fizemos vários testes dentro e próximo do Observatório, uma vez que as condições do terreno são semelhantes às de Marte. Esse foi o meu primeiro contacto com profissionais de ciências espaciais. Até então, eu tinha principalmente tratado de telescópios e descobertas astronómicas.

Outro grande momento foi, sem dúvida, ter podido participar nas atividades do ESO relacionadas com o Ano Internacional da Astronomia 2009, em particular no projetow6 ‘À volta do mundo em 80 telescópios’, em que nos ligámos ao vivo a 80 observatórios de todo o mundo, sem parar, durante 24 horas inteirinhas!

O último grande momento da minha carreira foi fazer a cobertura da primeira aterragem de sempre num cometa feita pela sonda Philae no Cometa 67P ao vivo, no Twitter!

O que gostarias de fazer a seguir?

De momento, sou extremamente feliz onde estou. No futuro, gostaria de continuar a trabalhar para a Ciência e para a indústria espacial a fazer o que faço – continuando a comunicar as maravilhas da Terra e do Universo e das pessoas por trás das descobertas. Nada me inspira mais!


Web References

  • w1 – A Agência Espacial Europeia (ESA) é a porta da Europa para o espaço. A sua missão é moldar o desenvolvimento das capacidades espaciais da Europa e garantir que o investimento no espaço continua a trazer benefícios aos cidadãos da Europa e do mundo.
    • A ESA é membro do EIROforumw7, o editor do Science in School.
  • w2 – A missão Rosetta tem por objetivo descobrir a história de como o nosso Sistema Solar se formou ao investigar um dos mais antigos e mais primordiais tipos de objeto celeste: um cometa.
  • w3 – O ESO é, de longe, o mais produtivo observatório astronómico na superfície terrestre, tendo a sua sede em Garching, perto de Munique, Alemanha, e os seus telescópios no Chile.
    • O ESO é membro do EIROforumw7, o editor do Science in School.
  • w4 – O EMBL é o laboratório líder europeu na área da investigação básica em biologia molecular, com sede em Heidelberg, Alemanha.
    • O EMBL é membro do EIROforumw7, o editor do Science in School.
  • w5 – Há ou houve alguma vez vida em Marte? O programa ExoMars da ESA foi criado para responder a esta questão.
  • w6 – Os webcasts do projeto ‘À volta do mundo em 80 telescópios’, do ESO, foram transmitidos ao vivo em 3-4 abril 2009, e estão disponíves online
  • w7 – O EIROforum é uma colaboração entre oito das maiores organizações científicas inter-governamentais europeias, que combina os seus recursos, instalações e experiência de forma a ajudar a ciência europeia a atingir o seu potencial pleno. Como parte das suas atividades de educação e divulgação, o EIROforum publica o Science in School.

Institutions

Review

Este artigo descreve como uma jovem cientista fez a cobertura da aterragem da sonda Philae através da plataforma de media social Twitter. O artigos pode ser usado para encorajar os alunos a considerar carreiras na Ciência, demonstrando que estas não têm necessariamente de envolver trabalho num laboratório. Pode também ser usado como uma introdução ao espaço e à descoberta, despertando o interesse dos alunos em algo que viram nas notícias.

Este artigo poderia constituir-se na base para uma discussão sobre tecnologia e sobre as carreiras que estão envolvidas no projeto. Por exemplo, os alunos poderiam discutir fotografia, forças, como a sonda chegou ao cometa, a aterragem, energia solar, sistemas computacionais que colocam o projeto em marcha, a engenharia envolvida, ciência de foguetes, ciência de cometas e como funcionam sistemas de comunicação. Também poderia servir de estímulo para um projeto sobre espaço e astronomia.

Mike Sands, Longcroft School, Reino Unido

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