Uma introdução artística às tintas à base de antocianinas Teach article
Tradução de Isabel Queiroz Macedo. Preparar tintas sensíveis a pH a partir de frutos e vegetais é uma experiência criativa alternativa à célebre experiência com a couve roxa.
Muito antes do aparecimento de corantes sintéticos usaram-se produtos naturais para criar tintas simples mas eficazes (como a descrita por Farusi, 2012) – – que ainda podemos ver nas pinturas pré-históricas. Estas cores naturais eram de origem mineral ou vegetal; nesta actividade concentramo-nos num grupo particular de plantas ricas em antocianinas (ACY, figure 1).
As cores naturais são muitas vezes menos estáveis do que muitos pigmentos/corantes sintéticos; mudam de cor ou degradam-se por alteração de pH ou por acção de luz, calor ou agentes oxidantes. Podemos tirar partido disso e organizar actividades interessantes. No nosso trabalho com alunos da escola primária usamos antocianinas como pigmentos para produzir tintas sensíveis ao pH.
A origem da cor
As antocianinas são compostos orgânicos que conferem cores como cor-de-laranja, encarnado, roxo, azul e quase preto a certas flores, frutos, folhas e raízes. As moléculas de antocianinas contêm estruturas em anel que absorvem luz, e assim actuam como filtros solares, protegendo as células da planta. A luz que não é absorvida pelas antocianinas é reflectida, e assim a flor ou fruto têm cor. Estas cores também atraem polinizadores e dispersores de sementes e têm por isso um papel importante no ciclo reprodutivo da planta.
As soluções de antocianina mudam de cor com o pH do meio, actuando como indicadores de pH naturais (figura 2). Geralmente as antocianinas são encarnadas em meio ácido e azuis em meio alcalino; mas a cor depende da natureza e da origem da antocianina, e podem observar-se outras cores. Há mudança de cor porque a adição ou remoção de iões H+ da estrutura molecular do pigmento altera as suas propriedades electrónicas e consequentemente altera os comprimentos de onda de luz que ele absorve. A variedade cromática das antocianinas pode também ser explorada na produção de tintas para pincel, carimbo ou serigrafia.
O que é uma tinta?
Uma tinta é uma mistura de corantes ou pigmentos e um agente aglomerante que ajuda a tinta a aderir à superfície a ser pintada. Esta formulação foi usada durante milhares de anos, mas os avanços da ciência e as novas alternativas tecnológicas permitem produzir hoje tintas muito mais sofisticadas, com infinitas opções de cores e diversas propriedades, como a capacidade de aderir a papel brilhante ou a casca de ovo.
O principal componente de uma tinta é a substância que lhe dá a cor: o pigmento ou o corante. Um pigmento é um sólido finamente dividido que é insolúvel em água ou no líquido de dispersão da tinta, enquanto os corantes são solúveis no solvente da tinta. Os pigmentos proporcionam opacidade e resistência à tinta. As antocianinas são pigmentos.
Tinta de antocianina para pintura, carimbos ou serigrafia
Materiais
- Frutos ou vegetais ricos em antocianinas, como amoras, uvas, morangos, mirtilos, framboesas ou couve roxa.
- Etanol 94 % em volume
- Papel de filtro (pode usar- se filtro de café)
- Placas de Petri
- Água
- Papel de boa qualidade para escrita, com densidade superior a 50 g m-2
- Carimbos, rolo de pintura ou pincéis
- Vinagre
- Produtos de limpeza multiusos com propriedades alcalinas
Procedimento
- Esmague o fruto ou vegetal e misture com etanol numa razão de cerca de 1:3 (massa/volume). Deixe 30 min.
- Filtre com papel de filtro e transfira o filtrado para caixas de Petri.
- Deixe as caixas de Petri abertas, no escuro ou à sombra, até evaporação completa do solvente (2 dias). Para uma evaporação mais rápida, coloque as caixas de Petri numa Hotte com exaustão ligada.
- Quando o extracto estiver seco (com um aspecto pastoso), adicione água numa proporção de cerca de 1:10 e homogeneíze.
A tinta assim obtida pode ser utilizada com um pincel, um carimbo ou um rolo. Como a antocianina é um indicador de pH, a cor da tinta muda por adição de soluções ácidas ou alcalinas. Aplica-se uma solução ácida (vinagre) ou uma solução alcalina (produto de limpeza multi-usos diluido) sobre o papel pintado com a tinta; isto pode ser feito com um pincel ou com borrifadores. Outra opção é escrever uma mensagem invisível, secreta, com a solução ácida e/ou a solução alcalina, ambas incolores. Deixa-se secar e pulveriza-se com a tinta de antocianina, contida num borrifador, para revelar a mensagem.
Nota de segurança:
Siga o regulamento da sua escola sobre uso de soluções ácidas ou alcalinas, pois pode ser necessário usar óculos de segurança.
O que acontece
Os extractos de antocianina são indicadores de pH, tanto em solução como em papel. A mudança de cor é devida à interacção entre as moléculas de antocianina depositadas no papel e o ácido acético, do vinagre, ou a base, do detergente.
A mudança de cor da tinta está relacionada com o equilíbrio químico ilustrado de forma simplificada na figura 2. As antocianinas são compostos orgânicos com grupos químicos que podem estar ou não ligados a iões H+, o que lhes confere cores diferentes. A figura 2 mostra as cores que a tinta à base de antocianina adquire em três meios diferentes: ácido, neutro e básico.
A tinta de antocianina pode ser usada por crianças com menos de 11 anos para as actividades de desenho e pintura. As crianças mais velhas podem usar vinagre (ácido) ou detergente (alcalino), formar equipas e comparar os resultados. Como os reagentes não são tóxicos, os alunos podem experimentar alterações ao modo de preparação da tinta e à técnica de aplicação.
O principal objectivo desta actividade recreativa é despertar a curiosidade dos alunos. Mas pode-se abordar o tema de um modo mais interdisciplinar, que englobe educação ambiental e valores locais. Enquanto prepara as tintas, o professor pode levar os alunos a reflectir sobre a natureza, a biodiversidade e a sua exploração com vista a obter produtos úteis.
Agradecimentos
Os autores agradecem o apoio financeiro da Fundação de de São Paulo para a Investigação
References
- Farusi G (2012) Anil: recriando o corante do Faraó. Science in School 24: 40–46.
- Rossi AV, Shimamoto GG (2010) Antocianinas e gelo seco para visualizar equilíbrios ácido/base numa abordagem contextualizada. Educació Química EduQ 7: 31–36 [in Portuguese].
- Terci DBL, Rossi AV (2002) Indicadores naturais de pH: usar papel ou solução? Química Nova 25: 684–688 [in Portuguese].
Web References
- w1 – Mais informação sobre o Grupo de Investigação em Química Analítica e Educação da Universidade de Campinas (UNICAMP), em São Paulo, Brasil
Resources
- Beautiful Chemistry, é um website com base na China, que apresenta vídeos e imagens de plantas que mudam de cor com o pH.
- As antocianinas também podem ser usadas para constuir células solares com corantes, como descrito nesta actividade escolar:
- Shallcross D, Harrison T, Henshaw S, Sellou L (2009) Looking to the heavens: climate change experiments. Science in School 12: 34–39.
- Se gostou deste artigo, talvez leia com interesse o capítulo de livro seguinte:
- Salamão AA, et al (2010) Jogo pedagógico que explora a propriedade indicadora de pH de extratos de antocianinas de espécies brasileiras. Em de Rezende CM, Braibante HTS (eds) A Química Perto de Você – Experimentos de baixo custo para a sala de aula do Ensino Fundamental e Médio pp 35 – 43. Cidade Universitária, São Paulo, Brasil: Sociedade Brasileira de Química. ISBN: 9788564099005 [em Português]. Esta referência pode ser download gratuitamente.
Review
Este é um novo modo de ensinar um assunto antigo, em sala de aula ou em clubes de ciências.
O artigo é um bom ponto de partida para discussões sobre ácidos, bases e indicadores ácido-base, extracção química ou a ciência e a arte.
Tim Harrison, Bristol ChemLabS, University of Bristol, UK