Um cérebro quase destemido Understand article

Traduzido por Bruno M. Fontinha. Não seria óptimo viver sem medo?Ou seria mesmo?A investigação científica está a mostrar quão importante o medo pode ser.

Brave New World
Brave New World é um dos
romances mais lidos do
século XX

Imagem cortesia de Chris
Goldberg; fonte da imagem:
Flickr

Possuir uma vida sem medo é um dos temas favouritos de romances de ficção e de vários filmes. No romance Brave New World, de 1932, a felicidade é bastante fácil: toma-se simplesmente um comprimido e todos os problemas irão desaparecer, juntamente com qualquer tipo de medo. Para mim, um neurocientista e amante de ficção-científica, é maravilhoso ver que a ficção de Aldous Huxley está a tornar-se realidade nos laboratórios que investigam as bases neuronais do medo.

Apesar das suas várias causas, o medo resulta em sintomas muito semelhantes: o teu coração dispara e tu começas a suar. No extremo – um ataque de pânico – tu estarás também a sufocar, com tonturas e náuseas, e estarás terrivelmente com medo de perder o controlo e de morrer.

A remoção selectiva de medos específicos é um objectivo central das neurociências, na medida em que procuramos tratamentos para fobias, transtorno de stress pós-traumático e outros transtornos de ansiedade. Na Europa, mais de 43 milhões de pessoas são afectadas por estas condições (ver tabela 1), e os tratamentos actuais incluem psicoterapia e antidepressivos. Estas são abordagens válidas, mas em certos casos elas simplesmente não funcionam e possuem efeitos secundários desagradáveis. Para que os tratamentos se tornem mais eficazes, nós precisamos de compreender o modo como o cérebro processa o medo.

Condição Número de afectados (milhões)
Tabela 1: Incidência europeia para os casos mais comuns de medo e transtornos de ansiedade. Fonte: Wittchen & Jacobi (2005)
Pânico 5.3
Agorafobia 4.0
Fobia social 6.7
Perturbação de Ansiedade generalizda 5.9
Fobias específicas 18.5
Transtorno obcessivo compulsivo 2.7
Neuronal networks
Os neurónios (em verde) no
cérebro estão ligados com
milhares de outros
neurónios, creando milhões
de circuitos neuronais

Imagem cortesia de Penn State;
fonte da imagem: Flickr

Com este objectivo em perspectiva, vários cientistas estão neste momento a explorar uma região específica do cérebro: o hipotálamo. Localizado bem no interior do cérebro, o hipotálamo é, de certo modo, uma espécie de cérebro antigo, funcionando como centro para as motivações e impulsos internos, como por exemplo, o sentimento de fome. Apesar dos impulsos humanos como o desejo de felicidade ou o amor não estarem limitados ao hipotálamo, eles, no entanto, estão relacionados com as motivações báscias enraizadas na necessidade de sobrevivência e de reprodução. Se, por exemplo, os níveis de energia no teu corpo estiverem baixos, diversos neurónios do hipotálamo ficarão activos, resultando no sentimento de fome. De um modo semelhante, uma cadeia de reacções neurológicas é responsável pela sensação de sede quando o teu corpo não possui água suficiente; raiva se alguém invadir o teu território; e medo se encontrares um cão perigoso.

Mas como é que tudo isto funciona? Nós sabemos que o hipotálamo possui mais de 15 grupos de células nervosas – os neurónios – que por sua vez possuem uma variedade de mensageiros químicos e de receptores para comunicarem entre si. No entanto, nós sabemos muitíssimo pouco sobre que tipos de neurónios estão envolvidos em cada processo motivacional de sobrevivência. Nem nós ainda compreendemos o modo como o hipotálamo coordena toda esta planóplia de funções. Estarão envolvidos os mesmos tipos de neurónios? Ou serão células distintas, mas vizinhas, que comunicam rapidamente entre si, as que determinam que tipos de respostas a gerar?

Para responder a estas questões, os cientistas precisam de sistematicamente desconstruir o hipotálamo nos seus componentes individuais, como se fossem milhares de peças de um gigantesco quebra-cabeças. Esta tarefa pode ser feita usando somente um raio de luz, o que permite ligar ou desligar neurónios específicos.

Será que isto soa a algo relacionado com a ficção-científica? De facto, está é uma das técnicas usada no grupo de investigação no qual eu trabalho no European Molecular Biology Laboratory (EMBL)w1. Uma proteina fotoactivável, como aquelas que se encontram presentes nos nossos olhos, é introduzida num tipo específico de neurónios no cérebro. Esta proteína pode depois activar ou silenciar a actividade do neurónio como resposta a um raio de luz laser. Quando os cientistas no nosso grupo usaram a luz para silenciar certos neurónios no hipotálamo em ratinhos, estes animais perderam todo o seu senso de medo. Em vez de evitarem e fugirem de um rato – um predador natural de ratinhos – aproximaram-se deste, forçando-nos a parar esta experiência em particular para proteger o ratinho.

Terrifying
Aterrador, não é? È assim que
os perigos são evitados na
natureza

Imagem cortesia de nick ta;
fonte da imagem: Flickr

Curiosamente, um comportamento semelhante foi observado em humanos – sugerindo aos neurocientistas que o medo é controlado por diversas áreas do cérebro. Antes mesmo de sabermos que o hipotálamo estava envolvido na sensação de medo, nós pensávamos que o unica área do cérebro envolvida seria uma pequena região chamada de amigdala. Uma senhora denominada na literatura científica somente por “SM” possuía uma condição genética que destruía os neurónios da amigdala, um centro para as emoções e um componente essencial no processamento do medo. Ao longo dos anos, os cientistas expuseram SM a toda uma variedade de estímulos terríveis, incluíndo filmes de terror, cobras venenosas e aranhas, mas ela não demonstrava qualquer tipo de medo. Um dia, no entanto, eles pediram-na que respirasse ar com uma concentração elevada de dióxido de carbono. Isto aumenta os níveis de dióxido de carbono no sangue e seria normalmente associado com sufocação. Isto fez com que SM, finalmente, entrasse em pânico – ela gritou por ajuda ao mesmo tempo que retirava a máscara. Os cientistas que faziam as observções concluíram que outras regiões do cérebro, que não a amigdala, seriam capazes de gerar e processar medo.

Pela primeira vez, SM sentiu medo. Que ideia mais brilhante, pode-se pensar. Remover o medo é o que os cientistas estão à procura, para ajudar a tratar transtornos de ansiedade e outras maleitas. A vida de SM, no entanto, demonstrou a importância do medo. Ao longo dos anos, a ausência de medo levou-a a várias situações perigosas – incluindo diversos assaltos – simplesmente porque ela não reconhecia os primeiros sinais de perigo, na mesma medida em que o ratinho descuidadamente se aproximou do rato. O medo não é somente desconfortável e perturbador, mas também é algo que nos avisa dos perigos.

Esta investigação demonstra a importância de encontrar um equilíbrio, que os cientistas continuam a investigar. As emoções básicas podem ser vitais, mas tornam-se prejudiciais no extremo. Em Brave New World, por exemplo, as pessoas pagaram um preço bastante elevado pela felicidade absoluta e destemor: a perda de liberdade. Talvez o propósito do medo é também de salientar a necessidade de avaliar constantemente e reagir, de fazer escolhas adequadas e procurar respostas sobre as nossas emoções e comportamentos em casa, no trabalho ou na escola.


References

Web References

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Author(s)

Jose Viosca é um neurocientista que se tornou comunicador de ciência. Ele investigou os circuitos neuronais do medo como investigador pós-doutorado no European Molecular Biology Laboratory. Agora ele é um estagiário editorial na Science in School. Podes encontrá-lo no Twitter: @jviosca

Review

Este artigo interessante introduz os leitores ao método inovativo de optogenética, que permite explorar as funções cerebrais. Uma função é o processamento do medo, uma emoção produzida por diversas regiões do cérebro como o hipotálamo e a amigdala.

Medo da autoridade e de fracaço são sentimentos que a maioria das crianças sente na escola. Tal como o autor refere, estes tipos de stresses deverão ser cuidadosamente geridos pelos professores e estudantes, para que se encontre um ponto de equilíbrio onde objectivos válidos não sejam vistos como “refutáveis” ou como uma “ameaça”. Mas será que o medo tem potencial para melhorar a aprendizagem? Os cientistas cognitivos acreditam que sim.

Várias investigações mostraram que, durante o processamento de informações emocionalmente carregadas, o hipotálamo e a amígdala desencadeam uma secreção profusa da hormona adrenalina. Entre os efeitos do chamado mecnismo de “luta ou fuga” está a melhoria da memória cortical; um evento emocional é sempre gravado com vivacidade extra, para um melhor processamento e conhecimento.

Recentemente, observei uma “experiência” pedagógica curiosa feita por um professor de ciências no liceu. Numa das aulas, os alunos aprenderam sobre características anatómicas de dinossauros predatórios (Tyrannosaurus rex e outros) através de uma aula expositiva apoiada por instrução directa, a ler e a assistir a um segmento de um documentário da BBC. Numa aula diferente, o professor fez uma pequena introdução e em seguida, mostrou o filme Jurassic Park! Será que o leitor consegue adivinhar qual foi a turma que conseguiu ter melhores resultados na recuperação de informação?

Luis M Aires, Escola Secundária António Gedeão, Portugal

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