Coloração de arrasar Understand article
Tradução de Isabel Queiroz Macedo. A química das tintas de cabelo mudou pouco nso últimoscem anos, mas o que sabemos nós sobre os riscos de pintar o cabelo, e porque o fazemos?
De dois em dois meses, Barclay Cunningham passa por um processo que começa com a toma de um anti-histamínico. Depois de algumas horas, espalha uma espessa camada de creme anti-histamínico na testa, em redor das orelhas e no pescoço. Finalmente, protege a área com tiras de sacos de plástico.
Tudo isto para poder pintar o cabelo.
Mas não foi sempre assim. Cunningham pintou o cabelo durante uma década sem problemas. E eis que um dia notou que a pele das orelhas ficou inflamada depois de pintar o cabelo. Arranjou uns protectores de plástico para as orelhas e continuou a coloração. Mas a reacção alérgica persistiu e as suas precauções tornaram-se mais elaboradas. E se pinta o cabelo sem essas precauções, fica com uma erupção cutânea com bolhas, comichão e pus, que dura semanas.
Sofrer à conta de cabelos pintados não é um fenómeno moderno. Os seres humanos pintam o cabelo há milhares de anos (ver caixa). Mas a história da química de tintas de cabelo revela que, apesar de ter feito parte de uma indústria inovadora, o progresso estagnou; as tintas de cabelo de hoje baseiam-se em processos químicos desenvolvidos há 125 anos.
Uma longa tradição
Evidências arqueológicas mostram que o uso de corantes por seres humanos remonta ao período Paleolítico. Os seres humanos primitivos usavam óxido de ferro do solo para decorar de vermelho as suas casas, têxteis e corpos. Não demoraram muito a começar a aplicar os corantes na cabeça.
Os antigos egípcios também tingiam o cabelo, mas raramente o faziam com o cabelo na cabeça. Cortavavam-no e depois enrolavam-no e entrançavam-no em perucas para proteger do sol as cabeças calvas. A análise de amostras de cabelo também revelou que os gregos e os romanos usavam tinta preta permanente. Misturavam substâncias que conhecemos hoje como óxido de chumbo e hidróxido de cálcio para criar uma nanopartícula de sulfureto de chumbo, que se forma quando aqueles produtos químicos interagem com ligações de enxofre da queratina, uma proteína do cabelo. Quando verificaram que a aplicação directa de chumbo era muito tóxica, os romanos alteraram a fórmula; passaram a preparar o corante por fermentação de sanguessugas em recipiente de chumbo durante dois meses. Bem menos agradável do que as tintas de hoje!
A magia da mistura
Compreender os corantes utilizados no cabelo não é tão simples como entender a roda das cores. Aprendemos nas aulas de arte que qualquer cor pode ser obtida por mistura das três cores primárias: encarnado, amarelo e azul. Se quisermos cor-de-laranja, misturamos amarelo e encarnado; se queremos roxo, combinamos encarnado e azul; e se quisermos castanho, misturamos as três.
Os cabeleireiros aprendem a mesma coisa – a tinta castanha é uma combinação de três corantes. “Isso é apenas informação ilusória”, diz Tom Despenza. Tom tem anos de experiência a trabalhar em investigação e desenvolvimento na Clairol. Actualmente está aposentado e é dono de uma empresa de tintas de cabelo.
A verdade, diz Tom, ” é que a tinta de cabelo castanha é obtida a partir de dois produtos químicos.” Ambos são incolores, mas produzem castanho através de uma reacção química que ocorre quando são combinados.
Os cabeleireiros não aplicam pigmentos, pelo menos no caso de tinta permanente; aplicam uma mistura de produtos químicos para iniciar a formação do corante. As moléculas individuais têm de se combinar para emitir cor, pelo que as tintas de cabelo têm de actuar na cabeça durante 30 minutos para permitir que esta reacção ocorra.
Uma descoberta colorida
Em meados do séc. XIX, o químico inglês William Henry Perkin sintetizou o primeiro corante não natural: a partir de sulfato de anilina obtido a partir de carvão, esperava obter quinino, um medicamento contra a malária, mas em vez disso criou a mauveína. A sua descoberta, um caso típico de serendipidade, revolucionou a indústria têxtil e lançou a indústria petroquímica. Os corantes naturais simplesmente não tinham a estabilidade e as cores vivas do corante que Perkin criou. Nunca antes se tinha obtido ou descoberto um corante de tal estabilidade e durabilidade.
Pouco depois, August Hofmann (professor de química de Perkin) notou que um corante derivado de carvão que tinha sintetizado adquiria cor quando exposto ao ar. A molécula responsável era a para-fenilenodiamina, ou PPD, ainda hoje a base da maioria dos produtos de coloração permanente do cabelo.
Embora o cabelo seja uma fibra de proteína, como a lã, o processo de tingimento de têxteis não pode ser imitado na cabeça. Para tingir lã é necessário fervê-la numa solução ácida durante uma hora. O equivalente para o cabelo é lavá-lo com amónia. A amónia separa as camadas de proteína, protectoras, permitindo que os componentes do produto de coloração penetrem na haste do cabelo e tenham acesso ao pigmento subjacente, a melanina. A melanina é o pigmento que dá cor à pele, olhos e cabelo. É a razão entre as quantidades de dois tipos de melanina – eumelanina e feomelanina – que determina a cor natural do cabelo. E o tamanho e a forma que as moléculas de melanina adquirem quando se aglomeram determinam os vários tons de uma cor de cabelo. Por exemplo, loiros e morenos têm aproximadamente a mesma razão eumelanina/feomelanina, mas os loiros têm menos moléculas no total. Além disso, o cabelo loiro natural contém agregados de melanina menores, que reflectem mais a luz do que os agregados maiores, típicos de cabelos escuros. Além de amónia, as formulações de coloração capilar contêm peróxido de hidrogénio, um agente branqueador. O peróxido tem duas funções: reage com a melanina do cabelo, extinguindo a sua cor natural, e oxida moléculas de PPD para criar moléculas de corante, maiores. A molécula emissora de cor, sendo demasiado grande para escapar, permanecerá no cabelo.
Os especialistas em corantes cedo perceberam que, se adicionassem uma molécula secundária, um acoplador, poderiam manipular o pigmento resultante – um carbono aqui, um par de nitrogénios acolá – e multiplicar as opções de cores que estavam disponíveis apenas com PPD. Foram propostos diferentes métodos, mas os fabricantes de cosméticos ainda não dispõem de uma fórmula de corante permanente sem PPD ou um composto análogo, p- aminofenol.
Herança prejudicial?
Desde há 125 anos que a tecnologia de coloração de cabelo se baseia na reacção de oxidação de PPD. De acordo com David Lewis, professor jubilado da Universidade de Leeds, no Reino Unido, “isto é de loucos”. ” Agora eu sei muito sobre corantes e materiais de tingimento na indústria têxtil. Nunca nos passaria pela cabeça usar isto em tecidos”, diz ele. ” Primitivo, arcaico, tudo isso vem à mente. Porque insistem eles em colocá-los em cabeças humanas? “
Lewis retirou-se da academia há dez anos para lançar Green Chemicals, uma empresa cujo objectivo é desenvolver produtos de consumo mais seguros. A sua empresa introduziu um retardador de chama mais amigo do ambiente, e agora Lewis quer reformular as tintas de cabelo.
Um aspecto importante é o modo como os corantes funcionam: Lewis diz que as moléculas de corante se tornam electrófilos reactivos. Esta necessidade de electrões não é satisfeita exclusivamente por outras moléculas de corante dadoras de electrões, pelo que as moléculas electrófilas se tornam agressivas para a pele – causando reacções alérgicas e até danos no ADN. Os produtos capilares constituem o sector mais importante da indústria de cosméticos e representam, a nível mundial, quase um quarto da receita desta indústria. Nos EUA, por exemplo, estima-se que 70 por cento das mulheres usam produtos de coloração de cabelo. Ao reflectir sobre o que sabemos sobre tintas de cabelo, não podemos deixar de perguntar: por que razão tantas pessoas pintam o cabelo? O que leva as pessoas a passar por tudo isto vezes sem conta e a tolerar a despesa, a comichão e o cheiro? O que quer que nos impulsione a mudar a cor do cabelo, uma coisa é certa: temos laços emocionais profundos com o que cobre o nosso couro cabeludo. Isto é bem verdade para Barclay Cunningham. Começou a fazer experiências com o cabelo aos 12 anos e em adulta procurou durante anos a cor certa para o seu cabelo. ” Nunca me ocorreu simplesmente não pintar o cabelo”, diz Barclay . ” O ‘eu’ da cor do cabelo parecia-me estranho. O “eu” que cresceu na minha cabeça não estava certo.”
Agradecimentos
Este artigo é uma versão de um artigo publicado por Mosaicw1, o site de jornalismo de formato longo da Wellcome Trust.
Web References
- w1 – Pode ler o artigo completo no Mosaic website.
Resources
- Para um olhar mais pormenorizado sobre a química das tintas de cabelo de diferentes cores, Compound Chemistry criou um gráfico que pode descarregar aqui.
- O site Learn Chemistry da Royal Society of Chemistry tem um artigo sobre história e síntese de mauveína concebido para professores. Faça download do PDF.
- Antes da produção de corantes sintéticos, as pessoas tinham de contar com corantes naturais extraídos de plantas e animais. O anil foi um corante roxo usado antes da descoberta da mauveína, e pode aprender a extraí-lo:
- Farusi, G (2012), Anil: recriando o corante do Faraó. Science in School 24: 40–46.
Review
Muitos cientistas são seduzidos pela química das explosões ou das mudanças de cor. O artigo mostra como este interesse pode ser útil e porque deve ser encorajado.
O artigo conta a história do desenvolvimento de corantes, destacando a descoberta da mauveína, por Perkin, e mostrando como esta descoberta acidental permitiu o desenvolvimento de muitos produtos de consumo.
Esta interessante história da química de corantes e da cor pode levar a um estudo da síntese química de corantes orgânicos e da sua utilização. Um desafio seria sintetizar corantes nas aulas de química e usá-los nas aulas de arte. Os professores também podem usar o artigo para fazer a ligação com temas relevantes de história (história dos medicamentos/cosméticos) e de arte (métodos de tingimento de têxteis e fibras).
Graham Armstrong, Escola Secundária Kinross, Escócia