Desvendando o mistério da formação do nosso planeta Understand article
Traduzido por Artur Melo. O estudo da composição química de algumas das rochas mais antigas do planeta revolucionou a nossa compreensão acerca do processo de formação dos continentes.
Por vezes mesmo os mais pequenos fragmentos de rocha podem esconder grandes segredos. A recente análise química de rochas africanas revelou que os continentes atuais podem ter iniciado a sua formação mais de mil milhões de anos antes do que se pensava até agora.
O nosso globo sofreu alterações ao longo do tempo
A Terra formou-se há cerca de 4.6 mil milhões de anos, a partir de materiais de uma nuvem molecular gigantesca chamada nebulosa solar. A gravidade levou estes materiais a condensar-se numa esfera – a Terra, com os mais densos a formarem o núcleo e os menos densos na constituição do manto. A crusta e a parte superior do manto – que em conjunto constituem a litosfera – formaram placas rigidas, que se deslocam horizontalmente sobre uma zona inferior do manto mais maleável – a astenosfera (figura 1).
A distribuição destas placas sofreu alterações drásticas ao longo do tempo (figura 2). Há cerca de 2.5 a 4 mil milhões de anos – durante o eon Arcaico – a litosfera foi fragmentada em placas bastante mais pequenas que os atuais continentes. Mais tarde, durante o eon Proterozóico, essas placas juntaram-se formando um único supercontinente chamado Rodinia. É normalmente aceite que era esta a situação há mil milhões de anos. Subsequentemente, os continentes começaram a separar-se desta massa continental, formando progressivamente o planeta que conhecemos hoje. A fragmentação do Rodinia é conhecida como moderna tectónica de placas, que se pensa ter começado há cerca de 900 milhões de anos.
À medida que este processo ocorre, as placas colidem. O movimento de uma placa por baixo de outra e o seu mergulho no manto, chama-se subducção (figura 1). A subducção é um processo lento que ocorre a pressões elevadas (cerca de 10 kbar) e a temperaturas inferiores a 500 ºC, e com um gradiente térmico inferior a 15 ºC por quilómetro.
Verificação da idade das rochas africanas
Na verdade, não nos preparámos para investigar a tectónica de placas. O objectivo do nosso estudo era utilizar uma nova técnica para conhecer melhor a formação das rochas metamórficas há cerca de 2 mil milhões de anos. Não esperávamos que o nosso trabalho tivesse implicações na tectónica de placas, que geralmente se pensa ter começado mil milhões de anos mais tarde.
Na primeira fase do nosso estudo visitámos várias centenas de sitios geológicos em África (figura 3) e coleccionámos amostras de ‘rochas verdes’. Sabe-se que estas rochas sofreram metamorfismo –transformação de um tipo de rocha noutro – há cerca de 2 mil milhões de anos. Com base em conhecimentos prévios sobre rochas metamórficas deste período, pensava-se que se teriam formado em condições de baixa pressão (até 5kbar) e a temperaturas entre 200 e 700 ºC.
Em seguida, investigámos a composição mineralógica de amostras destas rochas por análise de microssonda electrónica. É um conjunto de técnicas que incluem a microscopia e a produção de imagens por difração de electrões, que diferenciam os elementos pesados, os quais dispersam melhor os electrões, dos elementos leves que não o fazem. Também realizámos o mapeamento químico, que mostra a localização de determinados minerais nas amostras.
Além disso, realizámos experiências na European Synchrotron Radiation Facility (ESRF; Ver caixa) para decifrar a estrutura química pormenorizada de algumas das amostras. Os raios-X do sincrotron são biliões de vezes mais brilhantes que os raios produzidos por um aparelho hospitalar de raios-X, permitindo uma resolução da estrutura da matéria com detalhes impossíveis de obter com raios-X normais.
Utilizando laminas muito finas de rocha, pudemos determinar a sua composição química. Descobrimos que continham quartzo, granada, fengite, clorite e óxidos de ferro (figuras 4 e 5). Mas qual a relação destes dados com o processo de formação das rochas e em que condições?
Para interpretar os resultados, realizámos cálculos em computador com base em diferentes parâmetros químicos que medimos. Por exemplo, analisámos a relação H2O:CO2 nos fluidos aprisionados no quartzo, e medimos a relação Fe3+:Fe2+ presente nas rochas (figura 5). Existem diferentes clorites (p. ex. clorite de magnésio, clorite de ferro) e várias formas de fengite (que podem conter, por exemplo, magnésio ou ferro). As variedades de clorites e fengites observadas nas rochas metamórficas dependem das condições existentes no momento de formação da rocha. Estas condições são as relações H2O:CO2 e Fe3+:Fe2+ assim como a pressão e a temperatura. A determinação destas relações nas nossas amostras permitiu-nos viajar para trás no tempo e calcular com precisão as condições de temperatura e pressão em que as rochas se formaram.
Revolucionar a tectónica de placas actual
Através destes cálculos, demonstrámos que a composição da clorite e da fengite nas rochas da África ocidental foi conseguida a pressão elevada (cerca de 10 kbar) e a temperatura reduzida, inferior a 500 ºC. Foi uma surpresa, porque estas condições de pressão e temperatura encontram-se em zonas de subducção. Como as rochas que estudámos têm mais de 2 mil milhões de anos, os resultados implicam que a tectónica de placas já existia há 2 mil milhões de anos, muito antes dos 900 milhões de anos que os cientistas consideravam ser correto.
A nossa investigação modificou o conhecimento científico sobre a geodinâmica da Terra. Quando começou, então, a tectónica de placas? Qual a extensão destes movimentos continentais gigantescos? Para resolver estas questões o nosso próximo passo será estudar rochas da mesma idade e outras mais antigas. Planeamos, em particular, visitar Yilgarn Craton na Austrália e a região de Barberton na África do Sul, para estudar as rochas metamórficas que contêm clorite e fengite.
Mais sobre a ESRF
O European Synchrotron Radiation Facility (ESRFw1) é um dos mais importantes produtores de raios-X do mundo. Milhares de cientistas chegam anualmente ao ESRF para realizar experiências ligadas à ciência de materiais, biologia, medicina, física, química e paleontologia. O ESRF é membro doEIROforumw2, o editor da Science in School.
Agradecimentos
Os autores querem agradecer o apoio de Dominique Cornuéjols, do departamento de comunicação do ESRF, na preparação e tradução de materiais para este artigo.
Web References
- w1 – Para saber mais sobre o ESRF.
- w2 – EIROforum resulta da colaboração de oito das maiores organizações internacionais de investigação científica governamentais da Europa, que conjugam os seus recursos, instalações e conhecimentos para ajudar a ciência europeia a alcançar o seu potencial pleno. Incluida nas suas actividades de educação e sensibilização, o EIROforum publica a Science in School.
Resources
- O website Exploring Earth oferece uma animação interactiva bastante útil do ciclo das rochas.
Institutions
Review
Este artigo sobre as descobertas de dois cientistas em tectónica de placas oferece um pouco de investigação de topo. Num estilo claro e conciso, os autores conduzem os leitores desde os conceitos básicos da teoria da tectónica de placas até ao objecto da sua investigação, focando-se nas implicações para a história da Terra e nas novas questões levantadas por este avanço.
Como professora de Ciências da Terra acho o artigo interessante por várias razões:
- Concentra-se num período da história da Terra que raramente é abordado nos manuais escolares.
- Oferece uma visão interessante sobre o início da tectónica de placas.
- Fornece detalhes da metodologia e equipamento usados na investigação.
- É um exemplo vívido do método científico.
Recomendo este artigo aos professores do ensino secundário interessados em entusiasmar os seus alunos para a geologia e investigação científica em geral. Ele pode constituir uma leitura de apoio valiosa para estimular o interesse dos alunos, antes de abordar alguns temas geralmente considerados enfadonhos, tais como minerais e tectónica de placas.
O texto oferece várias ligações não apenas para tópicos de geologia (história da Terra, tectónica de placas, mineralogia, ciclo das rochas, geoquímica, técnicas de pesquisa, África, cinturas de ‘rochas verdes’ e mineração de ouro), mas também de química (óxidos de ferro e reacções redox) e de física (raios-X e equipamentos de radiação sincrotron, microscópio electrónico de scanning, pressão, temperatura e transições de fase). Além disso, é um bom caso de estudo para discutir o método científico.
Dada a linguagem utilizada na redacção do texto, o artigo pode facilmente ser usado para questões de aplicação, tais como:
- Os minerais estudados formaram-se em condições de:
- Pressão elevada (10 kbar) e baixa temperatura (menos de 500 °C)
- Baixa pressão (5 kbar) e temperatura elevada (mais de 700 °C)
- Baixa pressão (5 kbar) e temperaturas entre 200 e 700 °C
- Pressão elevada (10 kbar) e temperaturas entre 200 e 700 °C.
- A composição dos diferentes tipos de clorite e de fengite depende de:
- Proporção relativa de H2O e CO2
- Proporção relativa de Fe2+ to Fe3+
- Temperatura e pressão de formação
- Todos os anteriores.
Giulia Realdon, Itália