Um termómetro que vai até 200 milhões de graus Understand article

Traduzido por Jaime Alberto dos Santos Cardoso. Medir a temperatura dentro de um reactor de fusão não é tarefa fácil. Descubra como se faz – e simule-o até na sala de aula.

Imagem cortesia de:
AMIDAPHAT / Flickr

O Toro europeu conjunto JET é o maior experimento mundial em energia de fusão, desbravando métodos para gerar potência abundante e limpa com o mesmo método usado pelo Sol: fundir juntando átomos leves como o hidrogénio para formarem o átomo hélio mais pesado.

Produção de energia no Sol:
dois núcleos de hidrogénio
fundem-se para formarem
um núcleo de deutério, um
positrão e um neutrino. O
positrão depressa vai de
encontro a um electrão,
aniquilam-se mutuamente e
só resulta energia. O núcleo
do deutério continua
fundindo-se com outro
núcleo de hidrogénio para
formarem hélio-3. No passo
final, dois núcleos de hélio-3
fundem-se para formarem
hélio-4 e dois núcleos de
hidrogénio. Clicar na imagem
para ampliar
.
Imagem cortesia de: Mark Tiele
Westra

De facto, JET no Reino Unido – e o maior sucessor deste, ITER em construção no sul de França – visa operar milhares de vezes mais eficientemente do que o Sol, mesmo que requeira criar temperaturas no cerne do contentor da fusão que sejam dez vezes mais quentes que no núcleo do Sol.

Surpreendentemente q.b., cientistas e engenheiros projectaram meios de aquecer hidrogénios combustíveis a estas temperaturas e impedi-los de fundirem o contentor, controlando-os por campos magnéticos muito intensos (como descrito em Rüth, 2012). Essenciais a estes experimentos são métodos não só para monitorizar as reacções (ver Dooley, 2012) mas também para medir o perfil de temperaturas do combustível, desde o núcleo escaldante deste até aos extremos mais frios, a fim de que os investigadores possam criar o ambiente óptimo para ocorrer a fusão.

Como é que cientistas
medem a temperatura num
contentor de fusão? Um
termómetro convencional
fundiria em micro-segundos
.
Imagem cortesia de: alxpin /
iStockphoto

A estas temperaturas o combustível hidrogénio torna-se no quarto estado da matéria, plasma. Medir a temperatura de um plasma que é dez vezes mais quente que o Sol apresenta alguns desafios – não se pode meramente inserir um termómetro convencional: fundiria em micro-segundos. As coisas complicam-se mais porque o plasma é feito de duas partículas carregadas muito diferentes: electrões que foram retirados de átomos e os iões positivos mais pesados formados pela remoção dos electrões. A chave para a fusão é criar-se iões quentes que se fundirão, mas os electrões possam responder, diversamente dos iões, aos sistemas de aquecimento – e possam acabar a uma temperatura diferente! As complexas interacções entre electrões e iões podem afectar significativamente o sucesso de um experimento de fusão.

Apesar destes desafios, Físicos do plasma desenvolveram múltiplos métodos para deduzirem a temperatura (figura 1) – intercruzar os resultados de vários métodos aumenta a confiança nas medidas destes – de modo que possam ficar confiantes em que estão a controlar o que se passa dentro de um dos locais mais quentes no Sistema Solar.

Figura 1A: Um desenho do
experimento “JET” aberto detrás,
mostrando só os sistemas de
medição da temperatura. Emissão
electrónica de ciclotrão (roxo pálida),
difusão “LIDAR”/Thomson (vermelha),
permuta de carga (verde brilhante)
e espectroscopia de raios-X (verde
pálida). Clicar na imagem para ampliar.
Figura 1B (gravura): O
percurso do sinal “LIDAR”
através do plasma: o “laser”
entra horizontalmente do
lado esquerdo. Um detector
no topo do contentor capta
luz deste “laser”, a qual é
difundida por electrões.
Clicar na imagem para ampliar
.
Imagem cortesia de:
EFDA

Temperatura dos electrões

Andar às voltas: emissão electrónica de ciclotrão

O primeiro ‘termómetro’ baseia-se no efeito que campos magnéticos têm em partículas carregadas. Visto que possuem carga, os electrões são forçados a espiralar ao longo das linhas de campo magnético, o que cria micro-ondas chamadas emissão de ciclotrão (figura 2). Quanto mais quentes – melhor, a moverem-se mais rápido – estejam os electrões, mais intensas são as micro-ondas que emitem.

As micro-ondas também resultam num perfil da temperatura dos electrões, devido ao campo magnético variado no contentor: quanto mais intenso o campo, maior a frequência do espiralar. Um varrimento de intensidade função da frequência diz-nos a temperatura para cada intensidade do campo magnético. Combinando isto com um mapa espacial da intensidade do campo magnético, gerado por outros sistemas, dá-nos um perfil da temperatura dos electrões.

Figura 2: O campo magnético no toro faz com que os electrões sigam percursos helicoidais, emitindo radiação à frequência da oscilação deles. Quanto mais intenso o campo magnético (i.é em direcção ao pólo do toro – o buraco no “doughnut”), mais apertada a hélice, o que resulta numa espiral mais apertada e portanto numa emissão de frequência mais alta. A intensidade da radiação é determinada pela celeridade a que os electrões viajem – i.é a temperatura destes. Quanto mais quente o plasma, mais forte o sinal. A intensidade do campo magnético já é conhecida de outras medições não discutidas aqui e, assim, pode-se calcular a distribuição da temperatura do plasma correlacionando frequência função da intensidade. Clicar na imagem para ampliar.
Imagem cortesia de: EFDA

Armadilha de celeridades! “LIDAR”

Um segundo ‘termómetro do JET usa um sistema para medir a celeridade das partículas parecido com uma câmara de celeridades da polícia, embora use luz laser (LIDAR) em vez de ondas da rádio. A luz do laser é difundida pelos electrões num processo conhecido por difusão de Thomson; se os electrões estiverem em movimento, então a luz difundida terá um desvio de Doppler (figura 3). Estamos mais familiarizados com efeitos Doppler no som: o som de veículos a passarem tem uma altura levemente maior ao moverem-se para nós do que ao afastarem-se. Similarmente, se a luz for difundida por electrões em movimento, a frequência dela (cor) desviará por efeito Doppler para mais altas frequências, para os electrões a moverem-se no sentido do detector, e para mais baixas frequências, para os que se afastarem. Quanto mais rápido se mover o electrão, maior o desvio da frequência.

O efeito cumulativo dos muitos electrões no plasma – alguns a moverem-se no sentido e outros para longe do detector – é que a banda estreita de frequências original da luz laser é alargada (figura 1B). A extensão do alargamento dá-nos a celeridade dos electrões e, logo, a temperatura destes.

Gera-se um perfil bidimensional da temperatura combinando dados de certo número de feixes disparados a vários ângulos através do plasma. Isto é semelhante à criação de imagens de tomografia computorizada a 2D a partir de múltiplos raios-X individuais.

Figura 3: O efeito Doppler na difusão de Thomson. A luz “laser”, a entrar da esquerda, é absorvida e depois reemitida por electrões e um detector acima do feixe capta a fracção da luz emitida para cima. O movimento dos electrões em relação tanto ao feixe “laser” como ao detector faz com que a luz difundida tenha efeito Doppler alterando a frequência original do “laser” quer para mais altas quer baixas frequências, conforme o sentido do movimento.

O electrão A move-se no sentido do “laser” e por isso absorve radiação desviada para o azul, enquanto o electrão D se move no sentido oposto e absorve luz desviada para o vermelho, que é depois difundida no comprimento de onda absorvido. Os electrões B e C não se movem em relação ao “laser”, logo a luz que absorvem é da frequência original. Todavia, pelo movimento deles no sentido e para longe do detector, respectivamente, a luz reemitida é desviada por efeito Doppler para o azul ou vermelho, como se mostra. Clicar na imagem para ampliar.
Imagem cortesia de: EFDA

Temperatura dos iões

Infelizmente LIDAR não é um meio efectivo de medir iões. Isto ocorre porque o processo de difusão Thomson se baseia nas oscilações induzidas de uma partícula carregada. Os iões mais pesados oscilam menos – não são balançados pelas ondas da luz laser tanto como os electrões mais leves.

A maior massa dos iões também significa que a frequência de ciclotrão destes é baixa demais para ser útil – as ondas são longas demais para darem uma medida com precisão e acontece coincidirem com a frequência natural de absorção do plasma de modo que não abandonam facilmente o plasma.

Ademais, os iões hidrogénio num plasma tornam-se efectivamente invisíveis, dado que os electrões deles são removidos, impossibilitando o mecanismo habitual de criação de radiação – electrões a saltarem entre orbitas.

Todavia, descobriu-se um caminho para determinar a temperatura via impurezas no plasma; conquanto indesejáveis em grandes quantidades, vestígios de impurezas podem ser úteis para este fim.

Permuta de parceiro: troca de carga

A pesquisa em energia de
fusão é inspirada pelo Sol,
que funde átomos leves
como hidrogénio em átomos
mais pesados, libertando
energia no processo
.
Imagem cortesia de: EFDA

Um dos contaminantes mais comuns no plasma é carbono, que foi o revestimento da parede do JET até 2010. Embora os ladrilhos em carbono tenham sido substituídos por berílio e tunsgténio, ainda há vestígios de carbono no plasma. Geralmente o carbono é invisível, como o hidrogénio, mas pode-se torná-lo visível num processo chamado troca de carga. Isto envolve disparar um feixe de átomos neutros de hidrogénio a alta celeridade contra o plasma. Quando estes átomos encontram um ião carbono, por vezes salta, de um átomo de hidrogénio, um electrão através do carbono, o qual emite então um belo espectro pontiagudo que é fácil de medir.

Pela alta temperatura, os átomos de carbono estão a mover-se muito depressa em todas as direcções, de modo que as frequências pontiagudas do espectro se espalham então da mesma maneira que o sinal da difusão LIDAR (figura 3).

Olhos de Raios-X: impurezas de tungstênio

Um segundo método para medir a temperatura dos iões – de novo baseada em impurezas – foi recentemente inaugurada no JET: um novo detector de raios-X. Inevitavelmente tungsténio é arrancado dos novos ladrilhos na parede e contamina o plasma em pequenas quantidades. Ao invés dos átomos leves, tungsténio quente retém tipicamente cerca de metade dos 74 electrões dele, mesmo ao calor extremo do cerne do plasma, e assim não se torna invisível – estes electrões saltam entre camadas electrónicas e emitem raios-X. O alargamento Doppler deste espectro de raios-X causado pelo movimento dos iões permite calcular a temperatura (como na figura 3).

Os perfis de temperatura destes quatro sistemas são essenciais para analisar a efectividade dos sistemas de aquecimento em uso no JET – alguns dos quais aquecem electrões, enquanto outros operam nos iões. As medições também dão informação vital sobre como se comporta em circunstâncias diferentes a energia no plasma, inclusive como os electrões e iões interagem uns com os outros. Fazendo uso deste conhecimento, os cientistas e engenheiros do JET conseguem manipular o plasma a fim de maximizarem o confinamento da energia, criando e mantendo dessa maneira condições óptimas para fusão.

 

Demonstrando o efeito Doppler

Para criar o seu próprio efeito Doppler, necessitará uma pequena fonte sonora a pilhas que consiga emitir um longo tom ou conjunto de tons a altura constante. Um pequeno relógio de alarme ou um telemóvel com um toque ou alarme de tom único servirá bem. Então precisará de uma peúga ou meia grande – quanto maior melhor – e, por fim, muito espaço!

De pé no meio do seu espaço, faça tocar o relógio de alarme, depois lance-o adentro da meia e rodopie-a à volta da cabeça tão rápido quanto possível. Outras pessoas ouvirão a altura a variar à medida que a fonte sonora se mover no sentido e depois para longe delas. Se estiver a fazer o rodopiar, não notará qualquer diferença, visto que a fonte sonora nem se move no sentido nem para longe de si, mas em ângulos rectos em relação a si.

 

Mais acerca do EFDA-JET

O Toro europeu conjunto (JET)w1 investiga o potencial da fusão como uma energia segura, limpa e virtualmente ilimitada para as gerações futuras. Consegue criar as condições suficientes (100a200 milhões de °C) no plasma para que ocorra fusão de núcleos de deutério e trítio e alcançou um débito máximo de 16 MW da potência de fusão. Como uma joint venture, JET é usado colectivamente por mais que 40 laboratórios de fusão europeus. O Convénio Europeu de Desenvolvimento da Fusão (EFDA) dá a plataforma para explorar JET, com mais de 350 cientistas e engenheiros de toda a Europa a contribuirem actualmente para o programa JET.

EFDA-JET é um membro do EIROforumw2, o editor de Science in School.


References

Web References

  • w1 – Saber mais acerca de EFDA-JET.
  • w2 – EIROforum é uma colaboração entre oito das maiores organizações intergovernamentais de investigação científica, que congregam os próprios recursos, instalações e perícia a fim de apoiarem a ciência europeia para alcançar todo o potencial desta. Como parte das actividades próprias de educação e divulgação, EIROforum publica Science in School.

Resources

Institutions

Author(s)

D.r Phil Dooley é o indigitado para comunicação social e educação no EFDA-JET. Nasceu em Canberra, Austrália, e completou um doutoramento em Física de laser na Universidade Nacional da Austrália. Abandonando a Academia conseguiu trabalho em TI em Rarotonga, ilhas Cook, por 18 meses, antes de regressar à Austrália e trabalhar na formação em “software”. O amor dele pela ciência impeliu-o de volta à Física, desta vez como comunicador, dirigindo o programa de divulgação da escola na Universidade de Sydney. Em Outubro de 2011 Phil ingressou na equipa EFDA-JET em Oxfordshire, RU.

Review

Este artigo descreve quatro métodos que são utilizados pelo maior experimento de energia de fusão do mundo para deduzir a temperatura dentro do contentor de fusão. Devido às altas temperaturas envolvidas, qualquer termômetro fundiria instantaneamente.

Os quatro métodos incluem conceitos de várias áreas da Física e Química, incluindo Óptica, Electromagnetismo, Mecânica, Energia e Estrutura atómica. Além disso, é apresentada uma actividade de sala de aula baseada na demonstração do efeito Doppler, o qual explica parcialmente alguns dos quatro métodos.

A série de artigos de fusão da Science in School, dos quais este é um (ver a lista de recursos), possui grande potencial de interdisciplinaridade para estudantes da escola secundária terminal, visto os artigos poderem ser usados para discutir a energia de fusão: como uma fonte de energia sustentável, como opera e as vantagens e desvantagens que apresenta.

Mariana Martinho, Portugal

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