Entrevista com Lewis Wolpert Understand article
Traduzido por Alexandra Manaia. O Professor Lewis Wolpert fala das suas controversas ideias acerca da fé, do ensino das ciências e de muito mais com Vienna Leigh do Laboratório Europeu de Biologia Molecular.
Seja qual for o modo que escolher para apresentar Lewis Wolpert assegure-se de nunca o tratar de filósofo. O conceituado apresentador de documentários científicos e professor de biologia do desenvolvimento do University College London não o suportaria. “A filosofia da ciência é inútil e não ajuda a compreender melhor a essência do processo científico. Nenhum cientista a leva a sério”.
De facto, o Professor Wolpert não receia dizer exactamente o que pensa sobre quase tudo.” A psicanálise? Uma quantidade de asneiras! ”Um pós-moderno? Isso ainda é pior do que ser agnóstico! Oh, pobre de mim, não! A telepatia?…Oh meu Deus, não! A memética? Impenetrável!” E tudo isto em apenas uma hora de conversa, ao longo da qual o Professor Wolpert refez o mundo, de uma forma franca e muito revigorante.
Autor do recente bestseller Six Impossible Things Before Breakfast: the Evolutionary Origins of Belief, o Professor Wolpert é um cientista que desde sempre se tem interessado por comunicar ciência de forma directa e eficaz. Também se dedicou ao estudo da psicologia humana para tentar perceber a causa das crenças. Apesar da forma obstinada como se exprime acerca de um vasto número de temas que vão da religião e da eutanásia, ao ensino das ciências e à existência de fantasmas, uma coisa é certa: não é intolerante. “A religião, a memética e a existência de OVNIS são tudo conjuntos de crenças, e se se conseguir perceber a necessidade que as pessoas têm em acreditar nelas, tudo bem. É isso que nos interessa: por que é que as pessoas acreditam, não se o que acreditam é verdade.
Embora o livro tenha sido descrito no jornal britânico The Observer como “extremamente bem-vindo, especialmente para aqueles dentre nós que viveram largos anos com a mensagem de Deus a ser-nos impingida por entidades religiosas com ares de superioridade”, o Prof. Wolpert não adopta uma postura sistematicamente contra a igreja, como faz por exemplo Richard Dawkins.Em Six Impossible Things Before Breakfast,Wolpertconclui que só os humanos têm a capacidade de compreender o conceito de causa e efeito. É isso que nos permite pensar o universo em termos abstractos, conceber e usar utensílios, ter crenças, fazer ciência, e procurar obter explicações para tudo o que nos rodeia. Cada cultura possui o seu próprio conjunto de crenças acerca da causa das coisas, geralmente invocando Deuses capazes de despoletar os acontecimentos.
“Eu não sou contra a religião” explica Wolpert. “ Invocar Deus para explicar a evolução e a origem da vida, embora não nos leve a compreender melhor estes fenómenos, ajuda as pessoas a sentirem-se melhor. É isso que importa, percebe? Só sou contra a religião quando começa a interferir com outros assuntos, por exemplo, dizendo às pessoas para não usarem contraceptivos, proibindo o aborto ou impedindo a eutanásia. Estes loucos religiosos do Parlamento! À excepção da Igreja Católica nunca ninguém disse que o ovo fertilizado era um ser humano, mas agora as pessoas estão a começar a acreditar nisso. A autoridade desempenha um importante papel nas nossas crenças.”
Wolpert está actualmente a preparar um novo livro sobre a célula, destinado ao grande público, e é também o autor de The Triumph of the Embryo, um livro de referência em biologia do desenvolvimento.
Defensor de uma comunicação de ciência clara e transparente, o Professor Wolpert tem muito a dizer sobre a forma como se ensina ciência nas escolas. “Pelo menos na Grã-bretanha, existe esta ideia lunática de que as crianças devem discutir ética das ciências. Como é que se pode discutir sobre células estaminais e clonagem sem saber nada sobre biologia do desenvolvimento? Não faz sentido nenhum. É uma masturbação moral, para usar uma frase emprestada do Mark Twain!
“O que se devia era transmitir às crianças algo acerca do processo científico….como é que as descobertas foram realmente feitas, a história das coisas, em vez de lhes apresentar só os factos consumados nos manuais escolares. Devia-se-lhes falar dos ensaios clínicos, do processo de peer review e sobre o que significa ser-se um cientista, e sobretudo explicar-lhes que a ciência é um trabalho de equipa onde cada cientista tenta convencer aos outros das suas teorias: se a história voltasse desenrolar-se, as descobertas permaneceriam as mesmas, mas os nomes dos seus autores não. Neste momento, o ensino das ciências tem muitas lacunas.
“Seria também útil dizer às crianças que frequentemente a ciência avança contra o senso-comum. Não é senso-comum pensar que a Terra gira em torno do Sol e não o contrário. A ciência é contra-intuitiva, e é necessário que os alunos o aprendam, e que percebam que a ciência é difícil. Vai fazê-los sentir-se melhor.”
Sobre alguns assuntos Wolpert admite-se derrotado. “Este tipo de coisas que vocês estão a fazer aqui no Laboratório Europeu de Biologia Molecular (EMBL) é areia a mais para a minha camioneta. É mesmo biologia molecular de ponta, caçar enhancers e híbridos, e procurar ADN…não consigo fazer isso…não o compreendo, sabe” confidencia. “Hoje em dia, quando se lêem as revistas científicas, dá para adormecer, é tudo tão detalhado. A não ser que o artigo seja sobre o sistema em que se está directamente a trabalhar não interessa nada, , não acha? As revistas científicas estão tão aborrecidas! Eu já disse a um dos Editores – não digo qual – Jim, disse-lhe eu, eu deito quase tudo fora! Detalhes! Infinitos detalhes!”. Não completamente desnecessários…mas quem quer saber? Nos velhos tempos procurávamos princípios gerais. Era muito divertido. Agora é totalmente diferente.”
O tempo da entrevista acabou, mas podíamos ter continuado. Já de partida Wolpert, faz-me um sorriso traquina e acrescenta: “Sabe, a vantagem de ser velho é que podemos dizer exactamente o que nos apetece, e portarmo-nos tão mal quanto quisermos”.
Lewis Wolpert
Lewis Wolpert é autor, apresentador de rádio e televisão, e professor de biologia aplicada à medicina no departamento de anatomia e biologia do desenvolvimento do University College London, no Reino Unido, onde a sua investigação se centra nos mecanismos envolvidos no desenvolvimento do embrião.
Nascido em Joanesburgo em 1929, começou por estudar engenharia civil mas mudou de área e dedicou-se à investigação em biologia celular e do desenvolvimento no Kings College London em 1955. Em 1966 foi nomeado professor de biologia no Middlesex Hospital Medical School. Tornou-se Membro da Royal Society em 1980 e foi galardoado Commander of the British Empire em 1990.
Presentemente, aborda várias questões juntamente com o grupo de investigação que lidera. Em colaboração com Michel Kerszberg do Institut Pasteur em Paris, França, investiga em que medida é que a difusão determina a organização espacial do embrião. Será que as células conseguem reconhecer gradientes de concentração química de forma fiável e os utilizam para estabelecer o padrão para a formação do organismo, como o membro de um vertebrado ou a asa de uma mosca?
A evolução do desenvolvimento é outra área pela qual Wolpert se interessa. Juntamente com os seus colaboradores, propôs um novo modelo para explicar a origem dos organismos multicelulares: em tempos difíceis as células poderiam ter-se devorado umas às outras, o que daria vantagem competitiva aos organismos multicelulares relativamente aos unicelulares. Também se interessa pelo estudo da evolução das formas larvares e pela origem da gastrulação (a etapa em que a superfície da esfera de células que é o embrião se dobra sobre si própria, dando origem a um organismo com várias camadas de células). “O momento mais importante da nossa vida não é o nascimento, nem o casamento, nem a morte, mas sim a gastrulação” – terá afirmado um dia Wolpert.
Também se interessa pela evolução da psicologia da depressão. Se a tristeza é uma emoção adaptativa (isto é, pode ser benéfica) e a depressão é uma forma patológica de tristeza, talvez o pessimismo dos doentes depressivos seja uma forma de racionalizarem essa tristeza patológica?
Fora do laboratório, Lewis apresentou emissões sobre ciência tanto na rádio como em televisão, e foi presidente do Committee for the Public Understanding of Science (Comité para a Compreensão da Ciência pelo Público) do Reino Unido durante cinco anos. Escreveu sobre a sua própria experiência de depressão clínica no seu livro Malignant Sadness: The Anatomy of Depression, publicado pela Faber em 1999. O livro serviu de base a uma série de programas de televisão emitida no Reino Unido, entitulada A Living Hell, que o próprio Lewis apresentou.
A lista dos seus livros inclui ainda A Passion for Science e Passionate Minds, ambos em co-autoria com Alison Richards, e ambos compilações de entrevistas a cientistas, publicadas pela Oxford University Press em 1988 e em 1997, respectivamente. The Triumph of the Embryo foi publicado em 1991 pela Oxford University Press e The Unnatural Nature of Science pela Faber em 1992. Lewis é o autor principal de Principles of Development, publicado pela Faber Current Biology em 1998. De 2001 a 2005, contribuiu regularmente para a rubrica de ciência e tecnologia do jornal britânico The Independent.
O seu mais recente livro é Six Impossible Things Before Breakfast: The Evolutionary Origins of Belief, publicado em 2006. Wolpert tornou-se membro da Royal Society of Literature em 1999.
Resources
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O ensaio que Lewis Wolpert escreveu em 2002 sobre a responsabilidade dos cientistas na sociedade está disponível no website da Fundação Nobel: http://nobelprize.org/nobel_prizes/medicine/articles/wolpert/
Review
Os leitores que não conhecerem bem o trabalho de Lewis Wolpert devem ler o sumário da sua biografia primeiro e só depois ler a entrevista para descobrir algumas das opiniões deste eminente cientista e comunicador de ciência. Os seus comentários provocadores sobre a necessidade de um ensino das ciências direccionado para o mundo real, a comunicação, as crenças religiosas e a ética deviam inspirar um debate sobre revisão curricular e também podem ser usados para debater estes temas com os alunos.
O artigo introduz a importância do factor humano na ciência, neste caso na embriologia. É aplicável a vários tópicos, como por exemplo a filosofia da ciência, ciência e ética, comunicação de ciência, religião e ciência ou ciência do futuro. Poderá ser usado num debate sobre as diferenças entre ciência e pseudo-ciência ou como ponto de partida para uma discussão sobre as opiniões de um cientista.
Exemplos de possíveis perguntas de interpretação:
- Quais as principais conclusões sobre os humanos a que chega Lewis Wolpert, no seu livro, Six Impossible Things Before Breakfast?
- Concorda com a afirmação da autora da entrevista sobre Lewis Wolpert? “Uma coisa é certa- não é intolerante”? Justifique a sua resposta.
- Segundo Lewis Wolpert, de que forma é que o ensino das ciências devia melhorar?
- “Sabe, a vantagem de ser velho é que podemos dizer exactamente o que nos apetece, e portarmo-nos tão mal quanto quisermos”.Concorda com esta afirmação? Se toda a gente partilhasse desta opinião, será que os cientistas que tentam ajudar a população envelhecida teriam uma tarefa mais difícil?
Marie Walsh, República da Irlanda