A vida sem a Lua: uma especulação científica Understand article
Traduzido por Bruno Fontinha. Temperaturas elevadíssimas, uma paisagem alagada, ventos violentos... O que seria do nosso planeta sem a Lua?
A Lua, der Mond, la lune. O seu nome e mesmo o seu género diferem de língua para língua mas não existe qualquer dúvida que é uma peça chave da nossa imagem da Terra. Consegues imaginar a Terra sem a lua? Sem aquele objecto bem bonito e brilhante atravessando a noite, suspenso no horizonte, espreitando pelas árvores numa noite fria de inverno? Sem um luar romântico, sem Blue Moon, e sem aterragens lunares. Se é certo que sentiríamos a sua falta – sem a Lua, nós nem poderíamos existir.
Vamos imaginar dois cenários: (i) se a Terra não tivesse uma lua e (ii) se a nossa lua desaparecesse subitamente. Mas primeiro, recordemos os efeitos que a Lua exerce sobre a Terra.
Tempo e marés: a influência da Lua sobre a Terra
Nem sempre a Terra possuiu uma lua, então de onde é que ela veio? A teoria científica predominante é a de que um objecto com cerca do tamanho de Marte, demoninado Theia, colidiu com a Terra há cerca de 4.5 biliões de anos atrás. Colidindo através de um ângulo oblíquo, provocou uma nuvem de detritos que se fundiram para dar origem à Lua. Este evento teve consequências profundas sobre a Terra.
A Terra e a sua Lua acabada de ser formada, exerceram uma força gravitacional para ambos os lados, diminuindo a rotação da Terra e aumentando a duração dos dias terrestres de 5 horas para 24 (Touma & Wisdom, 1998). De facto, até aos dias de hoje, a Lua continua a diminuir lentamente a rotação da Terra, mas somente por 0.002 segundos por século (figura 1).
A força gravitacional atractiva entre a Terra e a Lua permite também estabilizar o ângulo do eixo da Terra, que é hoje um valor constante de 23.5°, o que confere à Terra o seu clima razoavelmente constante e de certo modo previsível, assim como as várias estações do ano (figura 2). Sem a Lua, no entanto, o eixo teria continuado a oscilar.
Uma outra característica do nosso planeta são os seus oceanos: mais de 70% da superfície da Terra está coberta de água salgada, subindo e descendo num ciclo de maré de 12.5 h. As forças que geram as marés são complexas, envolvendo não só as forças centrífugas provenientes da rotação da Terra mas também como a força gravitacional da Lua e do Sol (figura 3). O efeito da Lua, no entanto, é o dobro da do Sol; isto acontece porque a força gravitacional que um objecto exerce sobre outro depende da sua massa e da sua distância.
Não se sabe ao certo quão próxima a Lua estaria em relação à Terra quando foi formada, mas no entanto sabemos que se encontrava mais longe do que 12 000 km e mais próxima relativamente aos dias de hoje (cerca de 384 400 km). Isto significa que inicialmente provocava marés mais robustas quando comparadas com as que sentimos hoje em dia – marés que se suspeita terem sido importantes na mistura dos oceanos e na evolução inicial da vida, há cerca de 3.8 biliões de anos atrás (Comins, 1996).
Interessantemente, as marés e a rotação da Terra têm um efeito na própria Lua. Juntas, elas puxam a Lua, fazendo com que gire um pouco mais rápido, e à medida que gira cada vez mais rápido, esta move-se para longe da Terra – mas somente a uma taxa de 3.82 cm por ano (figura 1).
Cenário 1: e se nós nunca tivéssemos tido a lua?
O que é que teria acontecido na Terra se, há cerca de 4.5 biliões de anos atrás, Theia tivesse passado pacificamente no seu caminho sem ter atingido a Terra e formado a lua? Bem, a vida teria provavelmente existido na Terra, mas os humanos certamente que não. Pensa no longo caminho da evolução, as pequenas alterações, as adaptações ínfimas que os organismos fazem no seu meio ambiente. Teria somente sido necessário alterações pequenas no meio ambiente terrestre para que a evolução sofresse uma alteração dramática. Eu não estaria aqui a escrever este artigo – e tu não estarias aqui a lê-lo.
E se a Lua nunca se tivesse formado, a Terra seria um lugar bem mais diferente. Um dia na Terra seria somente de 8-10 horas, sem a lua para o tornar mais lento. A rotação mais rápida causaria ventos de 160-200 km que varreriam a superfície da Terra. O eixo de inclinação da terra oscilaria, resultando numa variação dramática da temperatura ao longo de milhares de milhões de anos. Mas apesar de os nossos oceanos possuírem marés, estas seriam muito menores – causadas somente pelo Sol.
Pode perguntar aos seus estudantes para eles especularem sobre que tipo de vida poderia ter evoluído numa Terra sem a lua, sendo capaz de suportar temperaturas extremas, ventos fortes, marés pequenas e dias curtos.
Cenário 2: e se a nossa Lua desaparecesse repentinamente?
Supondo que a Lua simplesmente desaparecesse amanhã? Nós e todos os outros organismos na Terra estariam em sérios apuros: nós evoluímos para viver sob determinadas condições e de repente, seríamos confrontados com um ambiente totalmente diferente. Estas mudanças aconteceriam ao longo de milhares de milhões de anos, o que pode parecer como um longo período de tempo, mas as mudanças seriam dramáticas.
Sem a Lua, a estabilidade do eixo da Terra seria perdido novamente e, com ela, as nossas temperaturas previsíveis. Vamos considerar duas cidades: Roma, em Itália, e Estocolmo, na Suécia. No Verão, a média da temperatura mais alta em Roma é de 29 °C, e no Inverno a média é de 13 °C. Em Estocolmo, a temperatura mais elevada no Verão é de 20 °C e no Inverno é 0 °Cw1. Se o eixo da Terra for alterado, as temperaturas nestas duas cidades seriam alteradas drasticamente. Imagine se as temperaturas fossem trocadas: as infra-estruturas (por exemplo, o ar condicionado ou os arados para a neve) estariam deslocadas nessas cidades para que os humanos pudessem viver, trabalhar e comer confortavelmente. Os Italianos, os Suecos e de todas as outras formas de vida na Terra teriam de se adaptar ou seriam extintas.
Estar em movimento até pode ser uma opção, mas certamente não para todos os organismos. Or corais de recife, por exemplo, são ecosistemas bastante complexos e sensíveis que poderão não conseguir adaptar-se rapidamente a alterações na temperature da água, acabando por provavelmente morrer (Saxby et al., 2003).
Além disso, à medida que as temperaturas se alteram, a Terra poderia perder as duas regiões frias: os polos, que contêm quantidades enormes de gelo. Com o possível degelo, o nível dos oceanos aumentaria, mudando completamente as áreas costeiras por todo o mundo. Países como a Holanda seriam completamente cobertos de água.
Com a falta de estabilidade no eixo da Terra, a regularidade das estações do ano também se poderia perder, com consequências difíceis de imaginar. Pense em como crescem os diversos organismos, como acasalam, migram ou hibernam em determinadas alturas do ano. E as alterações bruscas nas temperaturas que afectariam a época de cultivo e o clima para as plantas, fariam com que a produção de alimentos para os milhares de milhões de pessoas na Terra fosse mais complexo.
Nada mais que lunático?
Até pode ser que não esteja à espera de encontrar tão ostensiva especulação num artigo científico. No entanto, ao encorajar os alunos a imaginar um mundo sem a lua pode ser um exercício engraçado para ilustrar todas as facetas interessantes com que a Lua faz a Terra ser o planeta maravilhoso que conhecemos. Tal exercício introduz não só alguma física complexa num contexto simples, como também dá aos alunos uma oportunidade de pensar sobre o caminho da evolução, e sobre o modo como cada aspecto das nossas vidas é afectado pelo nosso ambiente.
References
- Comins NF (1996) What if the Moon Didn’t Exist? San Francisco, CA, USA: Astronomical Society of the Pacific. www.astrosociety.org
- Saxby T, Dennison WC, Hoegh-Guldberg O (2003) Photosynthetic responses of the coral Montipora digitata to cold temperature stress. Marine Ecology Progress Series 248: 85-97.
- Touma J, Wisdom J (1998) Resonances in the early evolution of the Earth-Moon system. The Astronomical Journal 115(4): 1653-1663. doi: 10.1086/300312
Web References
- w1 – O site da Internet World Weather and Climate Information oferece informação sobre o tempo e o clima para quase todos os países do mundo.
- w2 – A International Space University oferece treino em nóveis de pos-graduação para os futures líderes da comunidade especial.
Resources
- Canup RM (2012) Forming a moon with an Earth-like composition via a giant impact. Science. doi: 10.1126/science.1226073
- Comins NF (1993) What if the Moon didn’t exist: voyages to Earths that might have been. Bloomington, IN, USA: iUniverse. ISBN: 9781475930948
- Foing B (2007) If we had no moon. Astrobiology Magazine. www.astrobio.net
- What if the Moon did not exist? podcast by Patrick McQuillan, on the 365 Days of Astronomy website.
Review
A Lua sempre esteve presente nas nossas vidas e a maioria de nós não está consciente da sua importância. Antes de ler este artigo, os alunos podem pensar e discutir sobre a influência da Lua na Terra. A discussão poderá ser organizada em pequenos grupos onde todos os membros possam ter a oportunidade de expressar as suas opiniões.
Na medida em que este artigo oferece informação sobre o papel da Lua na origem e evolução da vida, poderá também ser usado como uma introdução em como a evolução funciona. Os alunos poderão então falar sobre o efeito que os seres humanos exercem sobre o ambiente.
Finalmente, o artigo também poderá providenciar um contexto para ensinar conceitos de física, nomeadamente o estudo dos campos gravitacionais, ajudando a sensibizar os alunos para este tema.
O artigo deve ser usado como um exercício de compreensão, incluindo as seguintes questões:
- Qual é a origem da Lua?
- Qual é o efeito da Lua na Terra?
- Qual foi o papel da Lua na origem e evolução da vida na Terra?
- O que aconteceria se a Lua desaparecesse repentinamente?
Mireia Guell Serra, Espanha