Em demasia faz mal – o problema da poluição luminosa Understand article

Cego pela luz: precisamos de luzes para ver no escuro mas sabia que a poluição luminosa tem sérias consequências ambientais?

O que é a poluição luminosa?

A Europa à noite, vista do espaço. Clique na imagem para expandir o mapa.
A Europa à noite, vista do espaço. Clique na imagem para expandir o mapa.
Imagens do NASA Earth Observatory por Joshua Stevens, usando dados  Suomi NPP VIIRS de Miguel Román, NASA’s Goddard Space Flight Center, Domínio público

A poluição luminosa tem origem, principalmente, na iluminação de vias públicas, em luzes de segurança, na iluminação de estádios e decorativa (iluminação de edifícios e monumentos, feixes luminosos e lasers a apontar para o céu). Por que se consideram poluentes? Afinal, precisamos de luz à noite para nos deslocarmos em segurança. Isso é verdade, mas estas luzes são, usualmente, excessivamente brilhantes, desnecessárias ou não adequadas ao propósito a que se destinam. Devemos atingir um equilíbrio onde possamos obter a luz noturna que precisamos com um impacto mínimo no ambiente.

Efeitos na Astronomia

Two images of a night sky featuring the constellation Orion. Dark-sky area in the left image features a large number of stars; sky with light pollution in the right image drastically reduces the number of stars visible.
O mesmo ângulo da constelação de Orion visto de uma zona com o céu escuro (esquerda) e de uma área com poluição luminosa (direita). A poluição luminosa reduz drasticamente o número de estrelas que podem ser vistas.
Jeremy Stanley/Wikimedia, CC BY 2.0

A iluminação perturba a visibilidade estelar através da reflexão em superfícies, dispersão por aerossóis e intrusão em propriedades, até ao ponto da maioria das pessoas nunca ter visto a Via Láctea.

Iluminação mal desenhada permite que o brilho se espalhe no ambiente e a poluição luminosa está a crescer a uma razão entre 2% a 6% ao ano, o que significa que céus verdadeiramente escuros já não existem em muitas áreas. Se todos os astrónomos amadores e profissionais do mundo falharem o próximo asteroide em rota de colisão com a Terra devido à poluição luminosa global, só teremos de nos culpar a nós próprios.

Panorama of a big city at night seen from a raised position in the distance. Illuminated buildings, streets, and a ‘light dome’ lightening up the sky above the city can be seen.
Poluição luminosa de Los Angeles. A dispersão luminosa implica que o brilho de uma grande cidade pode obscurecer a visão de estrelas a mais de 200 km.[15]
Mike Knell/Flickr, CC BY-SA 2.0

Efeitos na vida selvagem

Animais

É bem sabido que os insetos são atraídos por luzes e que andam em espirais em torno delas até caírem no chão, exaustos.[1,2] Uma luz não fará grande diferença, mas expandamos isso para todas as luzes em todas as cidades do mundo e a situação torna-se muito séria.

Floodlight against a dark sky. The light illuminates insects flying in front of it, leaving ‘light traces’.
Insetos fatalmente atraídos por um holofote
A imagem é cortesia do autor

Organizações ambientalistas britânicas, tais como a Buglife, e o German Centre of Integrative Biodiversity Research têm reportado um declínio substancial na população de insetos, tal como é medida por ‘esmagómetros’ colocados nas matrículas de carros. Este declínio é parcialmente devido a pesticidas e à destruição de habitat, mas a poluição luminosa é, também, um fator contribuidor principal.[3]

License plate attached to the front of a blue car. On top of the plate, a plastic grid with label ‘bugs matter’ has been added.
Um esmagómetro, usado para medir as colisões de insetos enquanto se conduz um veículo
©Buglife, usado com amável autorização

O declínio dos insetos é muito preocupante por duas razões. Em primeiro lugar, os insetos estão na base da cadeia alimentar. Se os insetos diminuem, o efeito vai-se alastrar aos animais que deles dependem para se alimentarem, tais como aranhas, anfíbios, répteis, aves e pequenos mamíferos. Em segundo lugar, os insetos são relevantes polinadores e, assim, se o seu número diminui, vai haver uma redução no número e diversidade de plantas. Isto, por sua vez, pode deixar os próprios insetos com menos que comer, iniciando uma espiral negativa. Esta questão é importante para os seres humanos, já que os insetos, normalmente, são os polinadores das colheitas de que dependemos para a produção de alimentos.

Sabe-se que os morcegos consomem cerca de 3000 insetos por noite e, assim, se as populações de insetos diminuírem, isto colocará as populações de morcegos debaixo de enorme pressão. Os morcegos precisam de acumular reservas de gordura para sobreviverem ao período de hibernação no inverno e uma insuficiente alimentação também diminui a sua resistência a doenças. Episódios do síndroma do nariz-branco,[4] causado pelo fungo Pseudogymnoascus destructans, têm acontecido nos EUA, onde morcegos esfomeados têm sido vistos a alimentar-se durante todo o inverno. Os morcegos consomem enormes quantidades de mosquitos e, se as populações de morcegos declinarem, as populações de mosquitos podem aumentar. Isto pode levar a que doenças trazidas pelos mosquitos se espalhem por novas áreas.[5]

As aves e os besouros-do-exterco usam as estrelas e a Via Láctea para a sua navegação.[6] Se estas fontes de luz forem inundadas pela abundante poluição luminosa, as aves e os besouros ficam confusos e perdem-se. Em países tropicais, as tartarugas recém-nascidas são atraídas pelo luar refletido pelo mar, mas podem ser confundidas pela iluminação da frente-mar e não conseguirem chegar à água.[7]

Plantas

Para além dos efeitos nos insetos polinadores, a poluição luminosa pode evitar que as plantas se ajustem às estações ao interferir com a função dos fitocromos. Estas hormonas vegetais controlam o fotoperiodismo[8] através do qual as plantas medem as horas de escuridão e as alturas para florescerem[9] produzirem sementes ou deixarem cair as folhas. A disrupção do fotoperiodismo pode ter consequências na produção agrícola e levar a uma diminuição da capacidade de sobrevivência e da diversidade de plantas selvagens. Por exemplo, árvores de folha caduca expostas a luz artificial tendem a manter as suas folhas durante o inverno.

Efeitos no uso energético

Finalmente, a iluminação requer energia para sua manufatura e operação, o que traz consequências financeiras e ambientais. Um estudo recente demonstrou que um pequeno município italiano usa 60% do seu consumo energético em iluminação da via pública.[10] Reduzir a poluição luminosa levará, por isso, a uma redução, também, da nossa pegada de carbono e a uma contribuição positiva no combate às alterações climáticas.

O que pode ser feito?

Então, se a poluição luminosa é um problema ambiental tão sério, quais são as soluções? A iluminação das vias públicas e de outros tipos deve ser usada apenas onde e quando necessário, na quantidade correta e utilizando tecnologia de iluminação certificada-para-céu-escuro. Por exemplo, a iluminação LED das vias públicas em zonas residenciais e suburbanas sossegadas pode ser acionada pelo movimento e desligada entre as 11 da noite e o raiar do Sol matinal. Além disso, a iluminação da via pública não reduz, necessariamente, o crime.[11,12]

Em zonas rurais, a iluminação das vias públicas não deveria ser utilizada, uma vez que existem métodos alternativos para garantir segurança na estrada (tais como linhas de guia com relevo e refletores olhos-de-gato[13,14]). A iluminação decorativa que não serve nenhum motivo útil deve ser banida ou, pelo menos, desencorajada.

Concrete bridge spanning a road at night, with cat’s eyes on the road and reflectors on barriers along its sides.
A autoestrada M9, em Carlow, Irlanda, com olhos-de-gato na superfície da via e retrorefletores nas barreiras.
Zoney/Wikimedia, CC BY-SA 3.0
Illuminated facade of a representative building featuring columns. Lawn in front, high-rise functional buildings in the background.
A State Library Victoria em Melbourne: um exemplo de luz decorativa desnecessária
Decryption512/Wikimedia, CC BY-SA 2.5

O tipo de luz pode também ser adaptado para minimizar efeitos perniciosos. As lâmpadas devem ser totalmente colocadas dentro dos escudos, de forma a reduzir a intrusão em propriedade alheia. Não devem exceder 400 lumens e a sua temperatura de cor não deve ultrapassar os 1750 K, de forma a reduzir a prejudicial componente azul. Isto vai produzir um brilho suave alaranjado, como a antiga iluminação SOX de vapor de sódio.

Infographics explaining four principles of good outdoor lighting.
Os quatro princípios para uma boa iluminação exterior. Clique na imagem para ver uma versão ampliada.
©Rémi Boucher/Mont-Mégantic International Dark Sky Reserve

A adoção destas medidas contra a poluição luminosa não vai levar a uma perda de segurança mas vai, de forma substancial, aliviar os problemas sérios que são causados pela poluição luminosa.


References

Resources

Author(s)

Colin Henshaw, B.Sc., F.R.A.S., F.R.S.P.H. licenciou-se em Zoologia em 1972 com um curso externo da University of London. Fez a profissionalização para professor na Reading University e, subsequentemente, ensinou Ciências e Biologia em escolas no estrangeiro. Neste momento ensina Biologia nas escolas da Grande Manchester. É um entusiasmado astrónomo e é membro da Royal Astronomical Society desde 1973 e também membro da British Astronomical Association desde 1970.

Review

Está à procura de uma questão do dia-a-dia que possa ser usada para abordar muitos tópicos científicos dentro de várias áreas? Experimente este interessante artigo sobre poluição luminosa.

É uma visão concisa mas completa dos tipos de emissores de luz noturna, das consequências desse tipo de iluminação e avança com propostas para mitigar o seu impacto, tornando o artigo útil para estudar o tópico com alunos de diferentes idades.

Além disso, o artigo está bem redigido e é de fácil leitura, contendo recursos úteis para prolongar as discussões.

O artigo pode ser usado para exercícios de compreensão. Questões possíveis incluem as seguintes::

  1. De acordo com o autor do artigo, as categorias de fontes de poluição luminosa são:

a) Iluminação pública, de estádios, de segurança e lasers
b) Iluminação pública, de estádios, de cinemas ao ar livre e feixes para o céu
c) Iluminação pública, decorativa, de segurança e dos estádios
d) Iluminação pública, de segurança, de Natal e dos estádios

2) Quais dos seguintes organismos NÃO são afetados pela iluminação noturna?

a) Répteis marinhos
b) Insetos noturnos
c) Plantas fotoperiódicas
d) Insetos das cavernas

3) De acordo com o autor do artigo, as lâmpadas que devem ser usadas na iluminação noturna devem ter as seguintes características:

a) luminosidade ≥400 lumens e temperatura de cor ≥1750 K
b) luminosidade ≤400 lumens e temperatura de cor ≤1750 K
c) luminosidade ≥400 lumens e temperatura de cor ≤1750 K
d) luminosidade ≤400 lumens e temperatura de cor ≥1750 K

Giulia Realdon, antiga professora de ciências; neste momento é investigadora de educação e formadora de professores na Itália.

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