Vacinas na ribalta Understand article

Quero a melhor vacina que tiver: as vacinas tornaram-se o centro das atenções na pandemia da COVID-19. Quais são os diferentes tipos e como funcionam?

Como é que o nosso corpo combate as infeções?

Os microrganismos, como vírus ou bactérias, que podem causar doenças quando entram no nosso corpo são chamados agentes patogénicos. O nosso sistema imunitário luta contra esses agentes desempenhando as células B do sistema imunitário adaptativo um papel fundamental. Elas produzem proteínas chamadas anticorpos, que se ligam a partes específicas do agente patogénico, chamadas antigénios, e marcam-nos para que outras células do sistema imunitário as eliminem. Após as células B e os anticorpos terem sido criados para um determinado agente, eles continuam a vigiar o nosso corpo para o detetar e atacar se ele invadir novamente.

Anticorpos a atacar um vírus
A partir do momento em que a proteção imunitária é estabelecida, os anticorpos específicos (azul) para o agente patogénico (vermelho) ligam-se à sua superfície, marcando-o assim para que as células imunológicas o destruam.
Christoph Burgstedt/Shutterstock.com

A imunidade adaptativa, ou adquirida, é o processo que nos permite recuperar de infeções impedindo que, geralmente, não fiquemos doentes com a mesma doença, como a varicela, duas vezes. No entanto, alguns agentes patogénicos conseguem enganar o nosso sistema imunitário e causar doenças mais de uma vez. Por exemplo, o vírus da gripe sofre mutações rapidamente e as novas estirpes têm antigénios diferentes que as células imunitárias e os anticorpos não reconhecem. Alguns outros agentes, como o Mycobacterium tuberculosis (que provoca a tuberculose) e o vírus da imunodeficiência humana (HIV), escondem-se dentro das células hospedeiras onde o sistema imunitário não os consegue encontrar.

Como funcionam as vacinas?

As vacinas ativam a resposta imunológica adaptativa da mesma forma que os agentes patogénicos, mas sem o risco de contrairmos uma infeção. Elas não nos deixam doentes porque contêm agentes modificados ou enfraquecidos ou apenas a região do antigénio. Apesar disso, o sistema imunitário consegue produzir células B e anticorpos específicos, que atacarão o agente patogénico real se ele entrar no corpo.

As vacinas contêm um agente patogénico inativado que não nos adoece, mas estimula o nosso sistema imunitário para a produção de anticorpos

Existem várias estratégias de desenvolvimento de vacinas, que resultam em diferentes tipos de vacina.[1]

Tipo de vacinaContémExemplos
Viva atenuadaAgente patogénico vivo enfraquecidoFebre tifoide, Sarampo, Parotidite
InativadaAgente patogénico morto ou inativadoGripe, Hepatite A
ToxoideToxina inativada do agente patogénicoDifteria, Coqueluche, Tétano
De subunidadeUma parte do agente patogénico (antigénio)Hepatite B, Febre tifoide
De ácido nucleicoUm antigénio geneticamente codificadoEbola, COVID-19

Ao escolher uma estratégia, vários aspetos precisam de ser considerados, tais como:

Pode ser administrada com segurança a pessoas com o sistema imunitário enfraquecido?

⦁ Uma dose (ou conjunto de doses) é suficiente ou são necessárias doses de reforço posteriores para manter a imunidade?

⦁ Quais são os efeitos secundários?

⦁ A vacina precisa de armazenamento especial, como por exemplo temperaturas muito baixas?

Cada vacina desenvolvida comporta-se de forma ligeiramente diferente e deve ser cuidadosamente testada, mas os diferentes tipos também possuem algumas propriedades gerais a serem consideradas.

Vacinas vivas atenuadas

These contain a weakened pathogen that doesn’t cause disease in healthy people.

  • Vantagens: contêm muitos antigénios e desencadeiam uma forte resposta imunitária; uma ou duas doses geralmente são suficientes para proteção ao longo da vida
  • Desvantagens: podem causar mais efeitos secundários; não são seguras para pessoas com sistema imunitário enfraquecido; o armazenamento pode ser um problema

Vacinas inativadas

Usam uma versão morta ou inativada do agente patogénico.

  • Vantagens: seguras para pessoas com sistema imunitário fraco
  • Desvantagens: podem fornecer proteção mais fraca do que as vacinas vivas atenuadas; podem ser necessárias doses de reforço

Vacinas toxoides

Baseiam-se em toxinas produzidas por bactérias, que podem ser peptídeos, proteínas ou outras moléculas. O toxoide é uma toxina modificada que não é tão perigosa, mas provoca a mesma resposta imunitária.

  • Vantagens: não tem nenhum agente patogénico, e por isso são seguras para pessoas com sistema imunitário fraco
  • Desvantagens: são necessárias doses de reforço; não é adequada para vírus (eles não produzem toxinas)

Vacinas de subunidade

Contêm apenas um antigénio em vez de todo o agente patogénico.

  • Vantagens: ativa fortemente a resposta imunitária; segura para pessoas com sistema imunitário fraco
  • Desvantagens: são necessárias doses de reforço; pode ser difícil isolar os antigénios específicos que induzam resposta imunitária suficiente

Vacinas de ácido nucleico

Esta tecnologia mais recente usa material genético – um pequeno pedaço de mRNA ou DNA – que contém instruções, para as células humanas, sobre como produzir uma proteína (antigénio) do agente patogénico. Estas vacinas não alteram o nosso DNA; depois do antigénio ser produzido pelas nossas células, o pequeno pedaço de DNA/RNA da vacina é decomposto.

  • Vantagens: podem ser rapidamente adaptadas a novos agentes patogénicos e produzidas em larga escala; ideal para agentes novos ou em mutação rápida
  • Desvantagens: Algumas vacinas de RNA precisam ser armazenadas a –20°C ou –70°C; doses de reforço podem ser necessárias

Um subtipo, a vacina de vetor viral, usa um vírus transportador modificado (vetor) para transportar as sequências de ácido nucleico do vírus alvo para as nossas células. Esses vetores virais são modificados para se poderem replicar no nosso corpo; eles apenas transportam o DNA/RNA da vacina e depois decompõem-se.

A maioria das vacinas de nova geração requer uma dose de reforço, no entanto, isso é principalmente uma questão logística e estas vacinas ainda fornecem forte proteção.

Tipo de vacinaVacina para a COVID-19
Vacina de vírus inativadoSinopharm, SinoVac
Vacina de vetor viralSputnick V, Johnson & Johnson, AstraZeneca
Vacina baseada em mRNABioNTech/Pfizer, Moderna

Desenvolvimento de vacinas

Nem todas as estratégias de vacinação são eficazes contra todas as doenças e ainda não existem vacinas aprovadas disponíveis contra alguns agentes patogénicos, tal como o HIV. Há sempre um elemento de sorte envolvido e o tempo necessário para desenvolver uma nova vacina pode variar muito.

Para a vacina contra o sarampo, a preparação do vírus enfraquecido – apenas o primeiro passo do desenvolvimento – levou 10 anos. Para a febre tifoide e a hepatite B, foram necessários cerca de 100 e 15 anos para desenvolver as primeiras vacinas.[2] A vacina mais rápida a ser desenvolvida foi a da parotidite que demorou quatro anos; este recorde foi quebrado com o desenvolvimento de vacinas COVID-19 em menos de um ano.

Esta rapidez de desenvolvimento e o facto de serem as primeiras vacinas de mRNA aprovadas, geraram dúvidas em algumas pessoas: como é que foi tão rápido e será esta nova tecnologia segura? No entanto, existem várias razões que justificam o desenvolvimento tão rápido das vacinas COVID-19 sem comprometer a segurança:

  1. Os cientistas têm vindo a trabalhar no desenvolvimento de vacinas de mRNA há décadas.[3] O melhoramento da estabilidade e a criação de um método para introduzir mRNA nas células foi um processo longo, mas como essa tecnologia já estava quase pronta, adaptá-la ao SARS-CoV-2 foi rápido.
  2. Na emergência global da pandemia da COVID-19, milhares de investigadores em todo o mundo cooperaram para encontrar uma solução. Além disso, houve um enorme financiamento governamental e, embora todos os testes regulamentares normais tenham sido feitos, alguns foram executados em paralelo, em vez de um após o outro, para economizar tempo.[2]
  3. Trabalhos anteriores com coronavírus semelhantes que causam a síndrome respiratória aguda grave (SARS) e a síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS) também ajudaram no desenvolvimento de vacinas contra a COVID-19.

O que é a imunidade de grupo?

Quando a maior parte de uma população se torna imune a um agente patogénico, aqueles que não são imunes também ficam protegidos porque as pessoas com imunidade geralmente não propagam a infeção. Este efeito é chamado de imunidade de grupo e depende da contagiosidade da doença: quanto mais facilmente a doença se propagar, maior a percentagem da população que precisa ser imune para a proteção de todos. Existem duas maneiras de alcançar a imunidade de grupo: por meio de infeção (imunidade natural) ou por vacinação. O problema com a imunidade natural é que as pessoas precisam de apanhar a doença, o que em alguns casos pode ser perigoso ou até levar à morte.

Imunidade de grupo: quando um número suficiente de pessoas fica imune, não há pessoas suscetíveis suficientes para a doença se propagar.
As vacinas não protegem apenas os indivíduos: elas também impedem a propagação de uma doença através de uma comunidade. Quanto mais pessoas forem vacinadas, melhor será a proteção indireta de pessoas não vacinadas, tal como crianças pequenas ou pacientes imunocomprometidos. 
Tkarcher/WikimediaCC BY-SA 4.0

A propagação de muitas doenças infeciosas, como sarampo, parotidite, poliomielite e varicela, foi efetivamente interrompida pela vacinação e pela imunidade de grupo. No entanto, isso não significa que a vacinação para essas doenças pode parar. Se a taxa de vacinação diminuir, a imunidade de grupo desaparecerá e novos surtos ocorrerão, como aconteceu com o sarampo nos EUA em 2019.[4]

É importante entender que apenas o desenvolvimento de anticorpos direcionados por meio de vacinação (ou infeção) nos pode proteger com segurança contra uma doença infeciosa. Apesar das alegações publicitárias feitas por algumas empresas sobre “remédios naturais de reforço imunológico”, eles não fornecem proteção real.[5,6]


References

[1] Informação sobre tipos de vacinas no website do Vaccine Knowledge Project da Universidade de Oxford: https://vk.ovg.ox.ac.uk/vk/types-of-vaccine.

[2] Um artigo da Nature sobre como o desenvolvimento da vacina COVID-19 pode mudar a investigação no futuro: https://www.nature.com/articles/d41586-020-03626-1.

[3] Um vídeo sobre a investigação que suporta o desenvolvimento da vacina COVID-19: https://youtu.be/XPeeCyJReZw.

[4] Um artigo sobre a imunidade de grupo da John Hopkins Bloomberg School of Public Health: https://www.jhsph.edu/covid-19/articles/achieving-herd-immunity-with-covid19.html.

[5] Um artigo da BBC sobre o motivo por que os remédios de reforço imunológico não funcionam: https://www.bbc.com/future/article/20200408-covid-19-can-boosting-your-immune-system-protect-you.

[6] Um artigo da Slate sobre a má ideia que seria estimular o sistema imunológico inato: https://slate.com/technology/2014/12/boost-your-immunity-cold-and-flu-treatments-suppress-innate-immune-system.html.

Resources

Author(s)

Katalin Paréj é PhD em imunologia pela Eötvös Loránd University, Budapeste, Hungria. Ela estudou os mecanismos moleculares e celulares do sistema imunológico inato e depois trabalhou numa empresa de biotecnologia, onde desenvolveu protocolos de purificação de anticorpos e métodos de monitorização da eficácia da vacinação. Atualmente, ela está a trabalhar como biocuradora, com foco nas interações moleculares de recetores humanos.

Review

Artur Melo

Alina Giantsiou – Kyriakou, Biology teacher, Kykkos B’ Lyceum Nicosia, Cyprus

License

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