Como as plantas superam o jet lag Understand article
Investigação recente está a esclarecer o funcionamento do relógio interno que ajuda as plantas a responder a mudanças dos ciclos dia-noite.
Alguma vez sentiu jet lag após um voo de longo curso? Esta sensação desagradável é causada por dessincronização entre o meio ambiente e o nosso relógio biológico interno: a luz do sol diz-nos que estamos a meio da tarde, mas o relógio interno diz-nos que é hora de dormir. Esse relógio – também conhecido por ciclo circadiano, ou ritmo circadiano – controla o ritmo biológico do nosso organismo. É uma adaptação evolutiva à vida num planeta em rotação, onde os níveis de luz e temperatura oscilam ao longo de 24 horas e afectam o ciclo de sono/vigília, o metabolismo e outros aspectos da nossa fisiologia. O termo circadiano vem do latim “circa diem“, que significa “cerca de um dia”.
Os ritmos circadianos foram observados pela primeira vez em plantas; a primeira referência conhecida data do século IV a.C., quando um almirante de Alexandre Magno descreveu os ritmos diários das folhas de tamarindo. Charles Darwin descreveu os “movimentos do sono” das folhas no seu livro de 1880, O Poder do Movimento nas Plantas, depois de observar que as folhas de Medicago se fecham à noite. Então, se as plantas têm relógios biológicos, isso significa que podem sofrer de jet lag?
Análise dos ritmos circadianos
Sendo os nossos ritmos circadianos controlados por um relógio interno, eles persistem mesmo quando as condições externas, como a luz, se mantêm constantes. Isso torna-os mais complexos do que os ritmos diurnos, que são respostas simples a alterações das condições externas. A maioria dos ritmos biológicos são de facto ritmos circadianos e há um teste simples para verificar se um processo biológico é ou não um ritmo circadiano. Começa-se por expor o organismo (vegetal ou animal) a ciclos de estímulos de 24 horas (por ex. 12 horas de luz seguidas de 12 horas de escuridão). Em seguida o organismo é colocado em condições constantes (por ex., luminosidade constante) e o processo é medido durante vários dias. Se o ritmo (como o ciclo de sono/vigília ou o ciclo de temperatura corporal) persistir em condições constantes, deduzimos que ele é controlado por um relógio biológico interno e não é simplesmente uma resposta a flutuações das condições ambientais (figura 1). Este teste foi realizado em muitos organismos diferentes, e sabemos hoje que mamíferos, insectos, plantas e até algumas bactérias têm ritmos circadianos.
As plantas não perdem a noção do tempo
Sabemos hoje que o ritmo circadiano controla quase todos os aspectos da biologia das plantas, incluindo crescimento, floração, fotossíntese e abertura e fecho dos estomas foliares. Na maioria das plantas, os estomas abrem-se pouco antes do nascer do sol, para que a fotossíntese possa começar assim que a luz estiver disponível. As plantas também usam o seu relógio interno para ‘medir’ a duração do dia, o que determina a sua época de floração. As plantas de dia-curto (por ex. arroz e crisântemo) só florescem quando o período de luz é inferior a um valor crítico, denominado fotoperíodo crítico. Os crisântemos começam a florescer quando o dia é mais curto do que o seu fotoperíodo crítico, 15 horas, e portanto tendem a florescer na primavera e no outono. As plantas de dia-longo têm tendência oposta: só florescem quando o dia excede o seu fotoperíodo crítico. Alface e espinafre, por exemplo, só florescem no verão. As plantas de dia-neutro não são sensíveis à duração do dia. Plantas de dia-curto ou de dia-longo com um relógio circadiano disfuncional florescem mais cedo ou mais tarde do que o normal, pois não conseguem determinar a duração do dia e da noite. Relógios circadianos disfuncionais podem até afectar os mecanismos de defesa das plantas, impedindo-as de sintetizar compostos de defesa na hora certa do dia, tornando-as mais vulneráveis a ataques de insectos.
Os ciclos circadianos têm, portanto, implicações importantes na produtividade agrícola. Experiências com a planta modelo Arabidopsis demonstram que, em condições controladas de laboratório, plantas com um ciclo circadiano defeituoso crescem menos bem do que plantas com ritmo circadiano normal. Isso ocorre porque quando o ciclo circadiano é disfuncional as plantas produzem menos clorofila e apresentam taxas de fotossíntese inferiores (Dodd et al., 2005).
Visto que o ritmo circadiano controla o tempo de floração, ele também determina o período de colheita das espécies cultivadas. Por exemplo, a cevada cultivada no sul da Europa é sensível à duração do dia e por isso floresce no início da primavera e é colhida no início do verão, antes de o tempo ficar muito quente. No norte da Europa, no entanto, o clima é muito mais frio; a cevada aí cultivada tem uma mutação natural que afecta a regulação dos genes que controlam o período de floração, tornando a planta menos sensível à duração do dia. Essa mutação permite que a planta tire partido dos dias mais longos de verão, sendo colhida no outono. As empresas de biotecnologia interessam-se cada vez mais pela manipulação do ritmo circadiano de plantas, com o objectivo de aumentar o rendimento das culturas.
A Genética dos ritmos circadianos
Então, como funciona a regulação do ritmo circadiano? A resposta está na genética da planta. O sistema consiste num conjunto de genes que se regulam uns aos outros através de um mecanismo de autorregulação conhecido por loop de feedback negativo. A Figura 2 explica como essa regulação genética funciona usando um ciclo circadiano com dois genes. O gene A é activado (por um processo dependente da luz) e produz a proteína A. A proteína A activa o gene B, que produz a proteína B. A proteína B reprime a expressão do gene A, o que, indirectamente, faz diminuir a sua própria concentração. Quando os níveis de proteína B diminuem o gene A pode ser expresso novamente. Trata-se de um ciclo em que as proteínas A e B são produzidas alternadamente. Se cada uma dessas etapas reguladoras demorar 12 horas, o resultado é um ritmo de 24 horas que pode sustentar-se em condições constantes (por ex., 24 horas de luz contínua).
Na realidade, o mecanismo de funcionamento dos ritmos circadianos é muito mais complexo do que isto: o relógio circadiano das plantas compreende uma rede de mais de 20 genes e respectivas proteínas (McClung, 2019). O sistema é tão complexo que os cientistas estão ainda a tentar entender o seu funcionamento. Para esclarecer o assunto, os biólogos uniram-se a matemáticos para criar modelos computacionais do ritmo circadiano que ajudam a planear as experiências. Por exemplo, foram criados modelos que integram informação sobre níveis de luz, disponibilidade de CO2, temperatura e expressão dos genes circadianos, que permitem prever a taxa de crescimento da planta em função da duração do dia.
Evitar o jet lag
Uma das principais diferenças entre ritmos circadianos de plantas e de humanos é o grau de controlo central. O nosso ritmo circadiano é coordenado por uma área do cérebro chamada núcleo supraquiasmático, localizada no hipotálamo. Ao anoitecer, o núcleo supraquiasmático “diz” à glândula pineal, no cérebro, para produzir melatonina, que viaja pelo organismo, preparando outros órgãos, como o estômago e o fígado, para dormir. Como o nosso ritmo circadiano depende muito de hormonas que circulam na corrente sanguínea, qualquer resposta circadiana é relativamente lenta. Quando alguém está com jet lag, diferentes partes do corpo “estão em diferentes fusos horários”. Podem ser necessários vários dias para que todo o organismo adopte o mesmo horário novamente.
Isto é bem diferente do ritmo circadiano de uma planta, que “é pensado” para funcionar em células individuais. Cada célula da planta possui os seus próprios receptores de luz e o seu ciclo circadiano; portanto, ao contrário do que acontece nos seres humanos, as células individuais podem responder à luz. Se cobrirmos partes de uma planta com folha de alumínio, podemos induzir uma parte da planta a “pensar” que é dia e outra a “pensar” que é noite. Essa diferença na arquitectura do relógio biológico significa que as plantas podem corrigir mais facilmente os seus ritmos circadianos; portanto, se uma planta viajasse de avião pelo mundo, lidava muito melhor com as diferenças de fuso horário do que nós e não teria problemas de jet lag. Ao contrário dos seres humanos, as plantas podem vencer o jet lag em horas, em vez de dias.
A adaptação das plantas a mudanças de fuso horário pode ser uma curiosidade biológica interessante, mas a bioquímica subjacente aos ritmos circadianos das plantas ensinou-nos muito sobre a regulação das redes genéticas, o que, em última análise, poderá ajudar a melhorar rendimentos agrícolas no futuro.
References
- Dodd AN et al. (2005) Plant circadian clocks increase photosynthesis, growth, survival, and competitive advantage. Science 309: 630–633. doi: 10.1126/science.1115581
- McClung CR (2019) The plant circadian oscillator. Biology 8: 14. doi: 10.3390/biology8010014
Resources
- Para vídeos em time-lapse que mostram ritmos circadianos de plantas de várias espécies, visite o site Plants in Motion.
- Este é um pequeno livro sobre o ritmo circadiano em humanos e o seu impacto no nosso bem-estar:
- Foster R, Kreitzman L (2017) Circadian Rhythms: A Very Short Introduction. Oxford, UK: Oxford University Press. ISBN: 9780198717683
- TA American Society for Plant Biology publicou artigos sobre ritmos circadianos. Apesar de serem destinados a estudantes universitários, estes artigos podem ser usados em aulas do ensino secundário ou em projectos escolares. Ver:
- Hubbard KE, Dodd AN (2016) Rhythms of life: the plant circadian clock. The Plant Cell 28. doi: 10.1105/tpc.116.tt0416
- Leia um número especial da revista Biology que celebra o Prémio Nobel de Fisiologia ou Medicina de 2017, atribuído a três biólogos pela sua descoberta dos mecanismos moleculares que controlam os ritmos circadianos.
Review
Já alguma vez se perguntou por que razão algumas espécies de plantas florescem no inverno e outras no verão? Ou porque dormimos à noite e ficamos acordados durante o dia? As respostas a estas perguntas estão no ritmo circadiano, um processo que ocorre em animais e plantas, e que é responsável pelo jet lag. Este artigo aborda de um modo claro a biologia do ritmo circadiano e o papel de genes e hormonas na regulação dos nossos ritmos diários. O artigo responde, por exemplo, às perguntas abaixo apresentadas e pode ser ponto de partida para discussões mais abrangentes sobre a influência das condições ambientais na produtividade de plantas ou sobre o impacto das mudanças climáticas nos ritmos circadianos.
Algumas perguntas para ajudar a compreender o tema:
- Qual é a diferença entre ritmo circadiano e ritmo diurno?
- Porque é que diferentes plantas florescem em diferentes estações do ano?
- Como podem certas mutações genéticas influenciar a produtividade agrícola?
- Porque podem as plantas corrigir os ritmos circadianos mais rapidamente do que os humanos?
Monica Menesini, professora de ciências, Itália