Evolução em ação: de alterações genéticas a novas espécies Understand article

Como é que espécies novas - ou formas completamente novas de seres - surgem? O tempo e o afastamento são os fatores-chave.

Quando a maioria das pessoas pensa em evolução, pensa no conceito de seleção natural de Charles Darwin, segundo o qual determinado tipo de organismo evolui para uma forma diferente – tal como os peixes evoluíram para animais terrestres ou os primatas primitivos para humanos – ao longo de enormes períodos de tempo. Para os cientistas, no entanto, evolução significa algo mais subtil: a alteração na frequência de variantes genéticas (sequências de ADN que variam entre indivíduos) dentro de uma população. E, além disso, – em contraste com a ideia popular de evolução – tais alterações são impulsionadas por muitos fatores, não apenas pela seleção natural: as mutações, as migrações e o acaso são todos mecanismos de mudança evolutiva.

Há uma questão que se tornou muito controversa fora da comunidade científica: que processos evolutivos levam ao aparecimento de novas espécies e são eles diferentes daqueles que ocorrem no interior de uma espécie ou de uma população? Neste artigo examinamos estas questões através dos contributos da genética e do registo fóssil. A genética por si só não consegue explicar a evolução das espécies já extintas, de modo que os cientistas se apoiam nos fósseis para fornecer evidências da evolução passada. Além disso, permitem comparar o ADN dos ‘primos’ sobreviventes das espécies já extintas.

Esqueleto fóssil completo de uma espécie extinta, o dinossáurio Triceratops. Os cientistas usam as evidências fósseis e o ADN para rastrear a evolução de espécies extintas.
Barks/Shutterstock.com

Por que surgem espécies novas?

Desenhos originais de quatro espécies de tentilhões encontradas nas Ilhas Galápagos, descobertas por Charles Darwin. As formas do bico evoluíram para se adequarem às diferentes fontes de alimento nas várias ilhas.
John Gould/Wikimedia
Commons

Parece haver pelo menos uma condição obrigatória para que novas espécies possam surgir: a separação de uma espécie existente em várias populações (grupos de indivíduos). Pode ser um afastamento físico – uma barreira geográfica, tal como uma cadeia de montanhas ou o isolamento numa ilha – ou ecológico, como ter diferentes dietas ou preferências de acasalamento. Ao longo do tempo, as alterações no ADN das diferentes populações acabarão por dificultar ou impossibilitar o acasalamento entre as populações separadas: elas irão transformar-se em espécies diferentes.

Exemplos deste fenómeno são abundantes. Quando grupos de moscas da fruta em laboratório são colocados em compartimentos diferentes, por exemplo, as moscas dos diferentes grupos acabam por deixar de ser capazes de se cruzar entre si ou de produzir descendentes. O exemplo clássico de especiação darwiniana (uma espécie que dá origem a várias) é o dos tentilhões das Ilhas Galápagos, descritos por Darwin em The Voyage of the Beagle. Neste exemplo, o afastamento relativamente à dieta e à ilha onde vivem levou ao aparecimento de diferentes espécies, com uma variedade de formas de bico refletindo adaptações às suas dietas individuais. Sabemos agora que esta diversidade anatómica está espelhada a nível genético em alterações nos genes responsáveis pela forma do bico. Mas que tipos de alterações genéticas acabam por levar a uma dispersão das espécies, como no caso dos tentilhões de Darwin? A investigação atual está a esclarecer esta questão, permitindo aos cientistas acompanhar as alterações genéticas ao longo do processo.

A zona híbrida

Durante a última era glaciar, muitas populações de animais da Europa ficaram geograficamente separadas quando procuraram refúgio em regiões mais quentes (como a atual Espanha e a península balcânica). Quando os glaciares da idade do gelo fundiram há cerca de 10 mil anos, as populações de espécies que se mantiveram separadas durante muito tempo voltaram a entrar em contacto, pois puderam sair dos seus refúgios e repovoar o continente. Mas permanecer vários milhares de anos separadas permitiu que as diferentes populações adquirissem algumas variantes genéticas específicas, que vieram a dificultar o acasalamento entre as populações que voltaram a coabitar.

Por exemplo, quando as populações de gralhas europeias (Corvus corone) se separaram durante a era glacial, evoluíram para dois grupos visivelmente diferentes: a gralha-preta (Corvus corone corone) a oeste, e a gralha-cinzenta (Corvus corone cornix) a leste. Atualmente, na “zona híbrida” – uma estreita faixa de terreno que se estende da Escandinávia até a Itália, onde coexistem corvos de ambos os tipos – as duas espécies podem cruzar-se e produzir descendentes, embora com menos sucesso do que dentro das respetivas populações. Ao analisar os genomas de gralhas da zona híbrida e ao compará-los com os genomas das gralhas que vivem nas suas próprias regiões, os cientistas conseguiram identificar as sequências de ADN que não se transmitem facilmente na zona híbrida. Estes fragmentos de genoma que são específicos numa população (tanto da gralha-preta como da gralha-cinzenta) e que são muito raramente encontrados na outra população, são a chave para o surgimento de novas espécies. Neste exemplo, os genes responsáveis pelas diferenças na plumagem são menos propensos a ser transmitidos na zona híbrida. Isto sugere, de forma sólida, que as gralhas-pretas preferem acasalar apenas com outras gralhas que se pareçam com gralhas-pretas e não com gralhas-cinzentas, e vice-versa. Se esta situação se mantiver, é bastante provável que os dois grupos se tornem espécies completamente distintas.

A gralha-preta, Corvus corone corone
Erni/Shutterstock.com
A gralha-cinzenta, Corvus corone cornix
Stefan Berndtsson/Flickr

Os processos moleculares e demográficos que ocorrem nas gralhas (ou nos tentilhões de Darwin) e que os cientistas têm vindo a observar e a estudar há décadas, destacam a natureza universal dos processos evolutivos. No essencial, estes processos não são diferentes daqueles que ocorrem em microrganismos – como é o caso da evolução do vírus Ébola para estirpes mais infeciosas (ver Bryk, 2017). O principal fator que distingue estes exemplos é o tempo: a taxa de alterações genéticas que ocorrem no Ébola num par de anos precisam de milhares de anos nas aves, refletindo o seu tempo de geração muito maior. Em cada caso, no entanto, quando o organismo se adapta a novos ambientes ou ocorrem alterações genéticas ao acaso, o resultado é que as diferentes populações se tornam cada vez mais distintas. No caso das gralhas ou dos tentilhões, isto acaba por levar a um isolamento reprodutivo total – e, portanto, a novas espécies.

De dinossáurios a aves – e de volta a dinossáurios

O principal desafio ao rastrear este modelo de evolução é que ela ocorre num período de tempo extremamente longo, pelo que a maioria dos organismos ancestrais está extinta. No entanto, os fósseis duram centenas de milhões de anos e fornecem informações detalhadas sobre as alterações anatómicas ocorridas ao longo desse tempo. Nas últimas décadas, milhares de espécimes fósseis bem preservados foram descobertos no nordeste da China e esclareceram com grande detalhe a evolução das aves a partir dos dinossáurios. Por exemplo, sabemos agora que os dinossáurios tiveram penas muito antes de haver aves capazes de voar, sugerindo que a utilidade inicial das penas não era para o voo. Isolamento, camuflagem e exibição são as vantagens alternativas possíveis que as penas conferiram a esses primeiros répteis com penas (Foth et al., 2014; Zhou, 2014).

Ilustração do Aurornis, um dinossáurio com penas que não voava e que viveu há cerca de 160 milhões de anos. Descoberto em 2013 na China, o Aurornis é considerado o mais antigo exemplar conhecido de um dinossáurio parecido com uma ave.
Jaime Chirinos/Science Photo Library

Da mesma forma, as aves voadoras não emergiram repentinamente e completamente formadas. Seguir o curso do aparecimento dos diferentes aspetos da anatomia necessários para o voo com asas – porte pequeno, asas, penas, cauda fundida, fúrcula e muitos outros – mostrou que o plano completo do corpo das aves surgiu gradualmente ao longo de 100 milhões de anos. Após este plano corporal estar completo, as aves passaram por uma diversificação massiva e rápida, tendo como resultado as quase 10 mil espécies que conhecemos hoje (Brusatte, 2015).

A evolução das aves a partir dos dinossáurios foi, por isso, um processo contínuo, sem alterações bruscas. Já foi afirmado que, se um paleontólogo que viajasse no tempo se pudesse sentar e observar a evolução das aves ao longo de 100 milhões de anos, não notaria nenhum momento ou acontecimento especial em que pudesse dizer, sem qualquer dúvida, quando desapareceram os dinossáurios e surgiram as aves. Graças, em grande parte, às descobertas fósseis na China, as duas últimas décadas alteraram a compreensão da evolução das aves, de modo que as aves estão agora firmemente colocadas próximo dos dinossáurios, tornando a galinha um primo distante do Tyrannosaurus rex. Não apenas isso. O T. rex é agora visto como mais estreitamente relacionado com as galinhas do que com muitas espécies de dinossáurios – por exemplo, com o Triceratops.

Espécies atuais de aves, exemplificando a sua incrível diversidade. Canto superior esquerdo: papagaio-do-mar (Fratercula arctica); canto superior direito: guarda-rios-comum (Alcedo atthis); canto inferior esquerdo: cegonha branca (Ciconia ciconia); canto inferior direito: gralha-de-bico-amarelo (Pyrrhocorax graculus)
Ronnie Robertson/Flickr (CC BY-SA 2.0), Shahin Olakara/Flickr, Barry Badcock/Flickr, Ed Dunens/Flickr

Somente evolução

Tais alterações evolutivas, acima do nível da espécie, são por vezes chamadas de “macroevolução”, em contraste com as alterações genéticas que se podem verificar dentro da espécie (por vezes chamada “microevolução”). Infelizmente, esta dicotomia sugere que existem dois tipos diferentes de evolução, ou que a evolução é impulsionada por mecanismos diferentes nos níveis “micro” e “macro”. Esta diferenciação é frequentemente explorada por aqueles que não aceitam a evolução, ou que afirmam que apenas a “microevolução” ocorre. Mas a dicotomia é falsa, porque não existem outros mecanismos além daqueles que alteram a proporção de variantes genéticas numa população. Há apenas uma evolução, impulsionada pela mutação, migração, seleção e o acaso.

Dedicatória do autor

Este é o último de uma série de três artigos que gostaria de dedicar ao Dr. Dean Madden (1960–2017), que, no final de 2016, me incentivou a escrever sobre evolução para a Science in School. Dean foi um amigo, mentor, colega, professor, designer, tipógrafo, apicultor, fabricante de cidra, produtor de pimenta, amante de reggae, vigilante da gramática, utilizador da Apple, cientista louco brilhante e parceiro de travessuras. Adeus e obrigado.

Nota do editor: O Dr. Dean Madden foi um apoiante entusiasta da Science in School desde a sua conceção, e membro do conselho editorial desde 2005 até a sua morte em 2017.


References

Resources

Author(s)

O Dr. Jarek Bryk é professor de biologia molecular na Universidade de Huddersfield, no norte da Inglaterra, Reino Unido. Ele ensina genómica e evolução e estuda o modo como as frequências dos alelos mudam em populações de ratos e doninhas na floresta. Está online em http://bryklab.net ou no Twitter em @jarekbryk.

Review

O artigo é interessante e explica a evolução por palavras simples, sem detalhes difíceis ou confusos. Todos os fenómenos ou questões mencionadas incluem exemplos claros, deixando o leitor com vontade de ler muito mais sobre o processo dinâmico da evolução. Através deste artigo, os alunos podem ser encorajados a pensar acerca da evolução como um princípio importante no vasto domínio da biologia, e entender que a evolução é alcançada através de mecanismos específicos, atuando em períodos de tempo maiores ou menores, dependendo do ciclo de vida dos diferentes organismos.

Algumas questões de compreensão que podem ser dirigidas aos alunos incluem:

  • Como surgem as espécies novas?
  • Como está a evolução dos dinossáurios relacionada com a evolução das aves?
  • É a evolução ao longo do tempo um fenómeno lento?
  • O que é uma zona híbrida?
  • Está a evolução ligada à dieta?
  • Qual o significado de adaptação ambiental?

Alina Giantsiou-Kyriakou, professora de biologia, Escola Secundária Lyvadia, Chipre

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