Paralaxe: chegando às estrelas com geometria Teach article
Traduzido por Pedro Augusto. Quão longe estão as estrelas? Explore na sua sala de aula como medem os astrónomos as distâncias no espaço.
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Gaia, com a Via Láctea de
fundo
A imagem é cortesia da ESA /
ATG medialab; imagem de
fundo: ESO / S Brunier
Olhe para fora da janela de um carro ou de um comboio em movimento e notará que a sua visão dos objetos se altera com a respetiva distância: os arbustos ou árvores próximos parecem passar a voar, enquanto uma árvore ou um edifício mais distante parecem deslocar-se muito mais devagar.
Esta aparente alteração da posição que depende da distância é chamada de paralaxe. Pode reproduzir o efeito fazendo um sinal com o polegar para cima em frente à sua cara e observando o polegar em primeiro lugar com o olho esquerdo (apenas) e depois apenas com o olho direito. Conforme altera os olhos, o seu polegar parece saltar de lado em relação às imagens de fundo – porque os seus dois olhos estão em posições ligeiramente diferentes. Agora estique o seu braço tão longe quanto este pode ir e, deslocando o polegar para mais próximo da sua cara, repita a experiência anterior: notará que a deslocação em posição aparente aumenta quando a distância entre o seu polegar e os seus olhos diminui.
Este efeito é já usado há séculos para a determinação de distâncias no espaçow1. Em meados do século XIX, os astrónomos usaram a paralaxe para determinar as primeiras distâncias estelares. Os topógrafos também usam esta forma de medição para desenharem mapas detalhados da superfície da Terra. Presentemente, o satélite Gaia da ESA, lançado em dezembro de 2013, está a medir paralaxes precisas para mais de um bilião de estrelas na nossa galáxia, a Via Láctea, aumentando a precisão de um fator de cerca de 200.
Neste artigo, descrevemos uma atividade que explora a forma como os astrónomos usam a paralaxe para medir distâncias interestelares, determinando a distância a uma ‘estrela’ colocada na sala de aula. Existe, ainda, um curto artigo na web sobre a história de medições de paralaxe, que pode descarregar da secção de material adicionalw1.
A atividade aqui descrita reproduz a geometria básica das medições de paralaxe, usando aparelhos simples para a medição de ângulos. Utilizámos esta atividade com sucesso, que leva de 30 a 45 minutos incluindo montagem, com estudantes de idades entre 13 e 17 anos. No próximo número do Science in School, vamos descrever um método fotográfico para efetivar medições de paralaxe que é ainda mais preciso e astronomicamente realista.
Atividade: a geometria da paralaxe
Para esta atividade, vai precisar de um instrumento para medir ângulos entre linhas-de-visão – um teodolito (ver figura 1), se existir um entre o equipamento de Matemática, Física ou Geografia da escola. Caso contrário, damos aqui instruções em como construir um aparelho de medições de ângulos semelhante, a partir de materiais facilmente disponíveis.
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A imagem é cortesia de HdA / M Pössel
Material
- Dois teodolitos
- Pequena esfera ou LED como ‘estrela’
- Fita métrica
Se não tiver acesso a teodolitos pode improvisar construindo os aparelhos simples apresentados na figura 2. Para cada um (serão precisos dois) vai precisar de:
- Folha de papel
- Cartolina com cerca de 4 cm x 8 cm
- Pequeno bloco de madeira, com cerca de 1 cm x 3 cm x 8 cm
- Mesa ou outra superfície horizontal
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A imagem é cortesia de HdA / M Pössel
Procedimento
A montagem básica pode ser vista na figura 3. Para simplificar, fazemos todas as medições angulares no plano definido pelos pontos A, B e C, que deve ser paralelo ao chão.
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A imagem é cortesia de HdA / M Pössel
Montagem
- Dividir a sala em duas partes marcando uma linha no chão, como indicado pela linha a tracejado. A parte do lado direito da sala com os dois teodolitos (ou, em alternativa, com os dois aparelhos improvisados) representa a Terra, enquanto a parte do lado esquerdo da sala representa o espaço.
- Coloque a ‘estrela’ na região do espaço (posição A na figura 3). Para a estrela pode usar um LED, um ornamento de Natal, uma bola de ping-pong ou outra pequena esfera. Coloque a estrela como conseguir – recorrendo a um tripé, num cabo de vassoura, num porta-guarda-chuva ou pendurada do teto.
Siga os passos para a montagem que se seguem, se estiver a utilizar teodolitos:
- Monte os dois teodolitos, cada um no seu tripé, na região da Terra. Vai ser necessário ajustar a mesa de suporte de cada um, de forma a esta ficar completamente horizontal (use um nível de bolha, se existir).
- Ajuste o ângulo de declinação (lido na escala semicircular branca da figura 1) para zero. Isto mantém as linhas-de-visão (através das miras da figura 1) no plano horizontal, onde vamos fazer todas as medições de ângulos e comprimentos.
- Ajuste a altura do teodolito à da estrela. Pode fazer isto elevando as pernas telescópicas em tripé do teodolito. Com a estrela a alguma distância do teodolito, observe através das miras e ajuste o tripé até que a estrela fique diretamente numa linha-de-visão. Provavelmente terá de voltar a ajustar a mesa rotativa de forma a garantir que ainda se mantém horizontal.
Alternativamente, se não estiver a usar teodolitos, siga os seguintes passos para contruir os aparelhos improvisados:
- Cole uma folha de papel em cada uma das mesas ou superfícies planas de observação de forma a criar duas plataformas de observação correspondentes às posições do teodolito B e C da figura 3.
- Faça a mira (a reta por onde se olha) colando rigidamente o pedaço de cartão ao bordo do bloco de madeira, como mostrado na figura 2.
- Ajuste a altura da sua estrela (posição A na figura 3) de forma a estar, exatamente, à mesma altura acima do solo das duas miras. Depois, de cada uma das suas duas posições, deve ser capaz de ajustar a posição das miras de tal forma a poder olhar ao longo do cartão, exatamente de lado, em linha reta até à estrela.
Fazendo as medições
A sua tarefa agora é determinar a distância entre o seu ponto de observação e a estrela, fazendo todas as suas medições apenas na Terra. É claro que não pode simplesmente usar a fita métrica e esticá-la de B a A, uma vez que isso significaria deixar a Terra. Nós não conseguimos medir as distâncias a objetos astronómicos fora do nosso Sistema Solar voando até lá.
Em vez disso, vamos medir dois ângulos e o comprimento de um lado do triângulo ABC e a geometria vai-nos ajudar a descobrir o comprimento dos outros dois lados, AB e AC. Com o teodolito na posição B, podemos medir o ângulo ABC como segue:
- Aponte a mira do teodolito B na direção do teodolito C. Leia o ângulo de azimute do respetivo disco (a escala preta na mesa rotativa da figura 1). Isto funciona melhor se ambos os teodolitos estiverem apontados um para o outro ao mesmo tempo.
- Depois, aponte a mira do teodolito B na direção da estrela em A. Mais uma vez, leia o valor do ângulo de azimute.
- Subtraia um dos valores de azimute pelo outro. Isto dá o valor do ângulo ABC.
- Repita o procedimento com o teodolito na posição C, de modo a obter o ângulo ACB.
- Finalmente, meça a distância entre os pontos B e C ao longo da linha-de-base, usando fita métrica.
Com os aparelhos improvisados, as mesmas medições angulares podem ser feitas como segue, em primeiro para o aparelho em B:
- Desenhe um ponto na folha de papel. Este será a referência.
- Coloque a mira de forma à parte baixa do cartão tocar no ponto de referência e a parte superior (ao longo da qual está a olhar) apontar diretamente ao outro aparelho, colocado em C. (Isto funciona melhor se os dois aparelhos estiverem apontados um para o outro ao mesmo tempo, com as partes superiores dos cartões de mira alinhados um com o outro.)
- Marque a posição da mira traçando uma reta no papel (como se mostra na figura 2).
- Repita o procedimento, olhando agora com o aparelho B a estrela em A, mais uma vez visualizando através da parte superior do cartão enquanto a inferior toca no ponto de referência e traçando um reta ao longo da aresta inferior.
- Use um transferidor para medir o ângulo entre as duas retas que desenhou. Este é o ângulo ABC.
- Repita o procedimento, utilizando o aparelho em C, olhando para B e para A à vez e desenhando as linhas-de-visão. Estas vão dar o ângulo ACB.
- Finalmente, meça a distância entre os pontos B e C ao longo da linha-de-base utilizando a fita métrica.
Descobrindo a distância da estrela
Agora sabe os ângulos de visão da estrela de duas posições diferentes da Terra e ainda a distância entre estas posições. Assim, como utilizamos estes resultados para determinar a distância à estrela? Primeiro, repare na geometria da situação, mostrada na figura 4.
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A imagem é cortesia de HdA / M Pössel
Nesta disposição a posição A da estrela e as posições B e C do teodolito estão todas no mesmo plano horizontal e formam o triângulo ABC (diretamente visto de cima). Os ângulos b e g são os valores medidos dos ângulos ABC e ACB, respetivamente, e o comprimento b é a distância medida ao longo da linha-de-base entre B e C.
Utilizando as suas próprias medições, desenhe um diagrama em escala de um triângulo como este tão preciso quanto possível: uma escala de 1:50 numa folha A3 dá bons resultados. Depois, pode simplesmente medir as distâncias AB e AC do diagrama e convertê-las em distâncias reais de forma a determinar as distâncias B e C para a estrela A.
De forma a verificar os seus resultados, infrinja as regras! Viaje pelo ‘espaço’ e use a fita métrica para medir AB e BC.
Finalmente, discuta a precisão dos resultados obtidos com a medição de ângulos. Se tivessemos usado distâncias maiores como se alteraria esta precisão? e porquê?
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A imagem é cortesia da ESA / Gaia
Medições no espaço
Esperamos que os alunos gozem da sensação de descoberta a partir desta atividade e que fiquem com alguma ideia da forma como as medições de distâncias são feitas em Astronomiaw1. É claro que os procedimentos astronómicos reais utilizam métodos elaborados de forma a garantir a máxima precisão possível, já que as estrelas estão muito longe e os seus desvios de paralaxe são tão minúsculos. Mesmo o nosso mais próximo vizinho estelar fora do Sistema Solar (Proxima Centauri) está cerca de 100 000 vezes mais longe do que a mais longa distância que pode ser medida com uma linha-de-base a partir da Terra, isto é, duas vezes a distância entre a Terra e o Sol, se recolhermos imagens separadas de meio ano. Isto é como tentar detetar o desvio em paralaxe de um objeto a 100 quilómetros quando nos deslocamos um metro para o lado.
Web References
- w1 – Material de base sobre a história das medições de paralaxe pode ser descarregado da secção de materiais adicionais.
Resources
- Para uma fonte útil sobre a história da medição de paralaxes, ver:
- Hirshfeld AW (2013) Parallax: The Race to Measure the Cosmos. Mineola, NY, USA: Dover Publications. ISBN: 9780486490939
- Uma experiência de paralaxe utilizando um aparelho de medição de ângulos improvisado, como no artigo, está descrita aqui:
- Ferguson JL (1977) More parallax without pain. American Journal of Physics 45(12): 1221-1222. doi: 10.1119/1.10697
- Para informação sobre como fazer medições de paralaxe astronómica a sério com telescópios astronómicos, grandes e pequenos, ver:
- Cenadelli D et al. (2009) An international parallax campaign to measure distance to the Moon and Mars. European Journal of Physics 30: 35-46. doi: 10.1088/0143-0807/30/1/004
- Cenadelli D et al. (2016) Geometry can take you to the Moon. Science in School 35: 41-46.
- Penselin M, Liefke C, Metzendorf M (2014) Zweifacher Blick auf erdnahen Asteroiden. Sterne und Weltraum 11/2014: 72-77
- Ratcliff SJ et al. (1993) The measurement of astronomical parallaxes with CCD imaging cameras on small telescopes. American Journal of Physics 61(3): 208. doi: 10.1119/1.17292
Review
A paralaxe estelar é o mais velho, mais simples e mais preciso método para a determinação de distâncias às estrelas. Este artigo explica como fazer medições terrestres utilizando este método. Se seguir as instruções, vai conseguir medir a distância dentro da sala de aula a um objeto, a ‘estrela’, e os seus alunos vão entender como podem os astrónomos calcular as imensas distâncias do espaço.