Um interruptor neuronal para o medo Understand article

Traduzido por Maria João Fonseca. Quando algo nos assusta, devemos ficar paralisados, ou devemos investigar? Sarah Stanley descreve a forma como cientistas do European Molecular Biology Laboratory estão a investigar os mistérios do cérebro na tentativa de compreender como respondemos ao…

Imagem cortesia de EMBL
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Fugir, reagir ou bloquear? Para um animal dominado pelo medo, essa é a questão essencial. A resposta depende muitas vezes da amígdala – um importante centro de processamento de emoções alojado profundamente no cérebro. Em ratinhos e em humanos, ela afecta o modo como reagimos em resposta a certos tipos de medo, e ajuda a formar memórias de longa duração de experiências assustadoras. Contudo, pouco se sabe acerca do modo como as células na amígdala comunicam com outras células cerebrais no sentido de produzir comportamentos induzidos pelo medo.

Um estudo recente colmata esta lacuna de conhecimento, graças ao trabalho inovador de cientistas do European Molecular Biology Laboratoryw1 Um estudo recente colmata esta lacuna de conhecimento, graças ao trabalho inovador de cientistas do European Molecular Biology Laboratoryw2 em Verona, Itália. Os cientistas focaram-se num de entre os diferentes tipos de medo que são processados pela amígdala. Utilizaram novas técnicas para compreender as interacções entre as áreas do cérebro envolvidas em reacções a esse tipo específico de medo. No decurso do seu trabalho, identificaram um interruptor que alterna entre duas respostas ao medo distintas: paralisar e, surpreendemente, uma alternativa às opções fugir, reagir ou paralisar conhecida como avaliação activa de risco. Esta resposta activa envolve comportamentos como recuar, escavar e explorar.

Ratinhos condicionados a associar um determinado som com um choque desconfortável geralmente ficam paralisados com medo quando ouvem esse som, mesmo que este não seja acompanhado por desconforto. Neurónios designados por células de tipo 1, encontrados ao nível da amígdala, controlam a resposta de paralisação. Quando se impede as células de tipo 1 de enviar sinais a outras células, os ratinhos deixam de ficar paralisados com medo. Mas aparentemente os neurónios de tipo 1 são mais do que simples interruptores on / off.

Através de uma abordagem pioneira que recorre à farmacologia e à genética, cientistas do EMBL manipularam geneticamente ratinhos de modo a que as suas células de tipo 1 pudessem ser inibidas sem desactivar outras células. Os ratinhos foram preparados para produzir determinadas proteínas sensíveis a compostos químicos (receptores) exclusivamente nas suas células de tipo 1. Quando os ratinhos eram injectados com o composto químico, este ligava-se aos receptores, desencadeando reacções químicas que bloqueavam a carga eléctrica das células. Desta forma, estes neurónios deixavam de ser capazes de enviar sinais eléctricos para regiões vizinhas no cérebro.

Cornelius Gross
Imagem cortesia de EMBL
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Antes do tratamento com o composto químico, os ratinhos tinham sido condicionados a recear um determinado som. Após o bloqueio das suas células de tipo 1, eles eram expostos ao som, e os seus comportamentos eram observados e analisados.

“Quando inibimos estes neurónios, eu não fiquei surpreendido por verificar que os ratinhos deixaram de ficar paralisados, porque [a paralisação] é aquilo que se pensava que a amígdala [controlava]. Mas ficámos muito surpreendidos quando eles, em vez disso, fizeram muitas outras coisas, tais como recuar e desenvolver outros comportamentos de avaliação de risco,” diz Cornelius Gross, que dirigiu a investigação no EMBL. “Parecia que não estávamos a bloquear o medo, mas apenas a modificar as suas respostas, de uma estratégia de gestão passiva para uma activa. Isto não é de forma alguma aquilo que se pensava que esta parte da amígdala fazia.”

Para compreender melhor as ligações entre células cerebrais – o circuito neuronal – envolvidas na alternância entre comportamentos associados ao medo passivos e activos, os cientistas analisaram a actividade em diferentes regiões cerebrais utilizando um tipo de exame cerebral designado por ressonância magnética funcional (RMF). Em animais pequenos, como os ratinhos, a RMF mede o volume de sangue local como um indicador da actividade cerebral: quanto mais sangue existe numa determinada área do cérebro, mais activos se encontram esses neurónios. Este estudo assinala a primeira utilização da RMF no mapeamento de circuitos neuronais em ratinhos, usando uma nova técnica desenvolvida pelo cientista Angelo Bifone da GlaxoSmithKline e a sua equipa.

Imagem cortesia de EMBL
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A ressonância magnética teve outro resultado inesperado. Os cientistas pensavam que a amígdala controlava os comportamentos associados ao medo simplesmente retransmitindo informação ao tronco cerebral, que liga o cérebro à espinal medula. Mas Cornelius, Angelo e os seus colegas perceberam que em ratinhos com células de tipo 1 bloqueadas, a camada externa do cérebro – o córtex – estava muito activa, indicando que também desempenha um papel no mecanismo envolvido na reacção dos ratinhos ao medo. Também se observou actividade numa região do cérebro designada por cérebro anterior basal colinérgico, a qual influencia a actividade cortical.

Tal como todos os exames imagiológicos cerebrais, a RMF exige que o indivíduo que está a ser examinado permaneça imóvel, pelo que só pode ser realizada em ratinhos anestesiados. Mas os cientistas queriam confirmar a associação entre o córtex e os comportamentos associados ao medo em ratinhos conscientes. Como não conseguiam observar actividade cerebral quando os ratinhos estavam acordados e eram capazes de exibir comportamentos associados ao medo, os cientistas optaram por uma abordagem diferente. Utilizaram um composto químico, a atropina, para inibir a actividade cortical em ratinhos cujas células de tipo 1 estavam bloqueadas, e perceberam que os animais deixaram de exibir quaisquer comportamentos de avaliação de risco.

Por isso, os cientistas inferem que a amígdala normalmente inibe o cérebro anterior basal colinérgico, enquanto simultaneamente envia sinais para o tronco cerebral controlar a resposta passiva ao medo: paralisar (ver imagem abaixo, A). Contudo, quando os neurónios de tipo 1 são bloqueados, a amígdala liberta o seu conteúdo no cérebro anterior basal colinérgico, desencadeando a actividade cortical e uma reacção activa ao medo: avaliação de risco (ver imagem abaixo, B).

Quando os ratinhos ouvem um som que foram condicionados para associar com um choque desconfortável, a amígdala é activada e envia informação para o tronco cerebral, fazendo com que o animal fique paralisado (A).
Imagem cortesia de Nicola Graf, Cornelius Gross e Marlene Rau

Contudo, em ratinhos em que os neurónios de tipo 1 da amígdala foram inibidos, estes neurónios deixaram de suprimir as células de tipo 2 da amígdala localizadas na sua proximidade. Os neurónios de tipo 2 passam agora a activar o córtex através do cérebro anterior basal colinérgico, bloqueando a paralisação e promovendo a avaliação de risco (B)
Imagem cortesia de Nicola Graf, Cornelius Gross e Marlene Rau

“Esta é uma demonstração poderosa da capacidade da RMF de expor circuitos cerebrais envolvidos em tarefas complexas, tais como o processamento de emoções e o controlo de respostas comportamentais”, diz Angelo, agora no Italian Institute of Technologyw3 em Pisa.

No seu conjunto, os resultados obtidos com a vasta gama de técnicas utilizadas para explorar a resposta de paralisação por medo em ratinhos indicam que a amígdala desempenha um papel mais complexo do que se pensava anteriormente no processamento do medo. Em vez de transmitir apenas informação acerca de ameaças externas, a amígdala toma decisões acerca de como responder.

É importante salientar que o tipo de medo explorado neste estudo – medo condicionado de um choque doloroso – é muito específico. Os resultados podem não se aplicar necessariamente às respostas comportamentais a outros tipos de medo em ratinhos.

“Há múltiplos circuitos de medo paralelos que gerem diferentes tipos de informação relacionada com o medo. Por exemplo, uma parte do cérebro [do ratinho] é frequentemente utilizada para processar o medo de um predador, tal como um gato, enquanto outra parte normalmente responde ao comportamento agressivo manifestado por outro ratinho,” diz Cornelius. “Nós pensámos que havia um circuito associado ao medo simplista que estava ligado ou desligado, mas isso não parece ser verdade.”

Para além disso, os cientistas não têm a certeza se os ratinhos selvagens utilizam comportamentos de avaliação de risco em resposta a estímulos ameaçadores. Neste estudo, o bloqueio de células de tipo 1 foi realizado artificialmente, e pode ou não haver situações em que os neurónios seriam inibidos naturalmente, levando o ratinho a desenvolver comportamentos de investigação para aprender mais acerca de uma ameaça.

Se a resposta activa ocorrer naturalmente em ratinhos, que tipos de pistas sensoriais externas são necessárias para a activar? Estudos prévios demonstraram que animais mais afastados de uma ameaça têm uma maior probabilidade de paralisar com medo do que de correr ou lutar. Mas os cientistas ainda não são capazes de confirmar se a utilização de uma resposta activa de avaliação de risco é uma função da distância. Cornelius sublinha que é importante que não se assuma que a avaliação de risco seria utilizada alternativamente à paralisação numa situação percepcionada como menos ameaçadora.

Contudo, o estudo tem implicações significativas. A farmacogenética e as técnicas de RMF utilizadas pelos cientistas provavelmente mostrar-se-ão extremamente úteis em muitos outros estudos de circuitos neuronais em ratinhos. Com efeito, Cornelius e a sua equipa já utilizaram uma abordagem farmacogenética que permitiu revelar células que funcionam com um sinal para uma outra região cerebral, o hipocampo, transmitindo informação que permite a um ratinho estimar o nível adequado de ansiedade perante uma circunstância desconfortável.

Para além disso, nós, os humanos, também exibimos respostas de paralisação e avaliação de risco perante o medo. Temos uma região da amígdala que é análoga à que alberga o interruptor activo/passivo nos ratinhos. Pacientes com lesões ao nível desta região são incapazes de desenvolver respostas condicionadas pelo medo, apesar de exibirem reacções normais ao medo noutras situações. Por isso, segundo Cornelius, é provável que os resultados obtidos neste estudo possam ser aplicados directamente para o caso dos humanos.

Apesar de ainda haver muito por desvendar acerca do modo como os humanos processam o medo em diferentes situações, o estudo do medo leva os cientistas a aproximarem-se cada vez mais do desenvolvimento de tratamentos mais eficazes para doenças associadas ao medo – tais como desordens de ansiedade e stress pós-traumático. Nas palavras da química duplamente laureada como Nobel Marie Curie: “Agora é o momento de compreender mais, para que possamos temer menos”.


References

Web References

  • w1 – Para aprender mais acerca do European Molecular Biology Laboratory (EMBL), consultar: www.embl.org
  • w2 – Para informações acerca da GlaxoSmithKline in Verona, Itália, consultar: www.gsk.it
  • w3 – Para ficar a saber mais acera do Italian Institute of Technology, consultar: www.iit.it

Resources

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Author(s)

Sarah Stanley é formada em biologia pela University of California, Santa Barbara, EUA. Durante o período de escrita deste artigo, ela era estagiária de escrita científica no European Molecular Biology Laboratory. Actualmente, é estagiária na Discover Magazine.

Review

Neste artigo são desenvolvidas diversas experiências com ratinhos (em que foram analisados os comportamentos e a actividade cerebral), com o objectivo de compreender os pormenores da sua resposta ao medo. Este tipo de investigação é muito importante para que seja possível aprofundar o nosso conhecimento acerca do funcionamento do cérebro humano.

Este artigo pode ser extremamente útil para familiarizar os alunos com o modo se faz investigação nos laboratórios. Os professores podem pedir aos alunos que leiam o artigo e reflictam acerca da forma como eles próprios respondem ao medo e talvez até em como planificar e desenvolver uma experiência. Adicionalmente, os alunos podem reflectir acerca dos benefícios que, do ponto de vista evolutivo, estas reacções teriam para os nossos ancestrais, e quão úteis são actualmente. Para além disso, os alunos podem pesquisar acerca de animais com diferentes respostas ao medo e tentar relacionar o seu comportamento com o ambiente em que habitam.

A utilização de novas técnicas de investigação, tais como a farmacogenética e a ressonância magnética funcional (RMF) também é referida neste artigo. Alunos com 16 anos e mais velhos podem tentar encontrar mais informação acerca do funcionamento destas técnicas e da sua importância para a investigação.

Finalmente, este artigo também poderia ser utilizado para estimular a discussão acerca da utilização de animais em investigação. Os alunos podem reflectir sobre como é possível transferir resultados obtidos com animais para humanos, e também discutir alternativas à experimentação animal.

Mireia Guell Serra, Espanha

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