Na sua bicicleta: como os músculos reagem ao exercício físico Understand article
Traduzido por Maria João Fonseca. Todos sabemos que o execício nos faz ficar em forma e mais saudáveis – mas que modificações ocorrem nas nossas células para que isto aconteça?
Da próxima vez que estiver a fazer exercício no ginásio, ou a percorrer as ruas a correr ou a fazer jogging, pense nisto: a ideia de ‘memória muscular’ – que o exercício físico que fazemos hoje tem efeitos nos nossos músculos daqui a alguns anos – nunca foi demonstrada cientificamente. Será que existe e, se existir, como funciona?
Estas são algumas das questões a que esperamos dar resposta com a investigação que estamos actualmente a desenvolver, a qual tem como objectivo identificar as alterações que ocorrem nos músculos quando fazemos exercício físico, e perceber como é que os nossos músculos reagem de forma específica a, por exemplo, treino de resistência e treino de força.
A ajudar-nos a investigar estas questões, está uma grande equipa de voluntários. Para além de terem que pedalar até à exaustão no nosso ginásio, antes e depois de um regime de exercício físico extenuante que dura algumas semanas, nós recolhemos uma pequenina amostra do músculo das suas pernas, sob o efeito de anestesia local (figura 1). O objectivo da nossa investigação é auxiliar as pessoas a optimizarem os seus programas de treino para obterem os melhores resultados possíveis, e potencialmente ajudar a desenvolver novos tratamentos para pessoas que não podem praticar exercício físico por estarem paralisadas ou terem problemas nas articulações.
Nós avaliamos a condição física dos nossos voluntários antes e depois da sua participação nos estudos, através da medição do seu consumo máximo de oxigénio. Eles pedalam numa bicicleta estática com resistência crescente até à exaustão, enquanto usam uma máscara que permite analisar o seu consumo de oxigénio (figura 2). Isto dá-nos informação acerca da capacidade cardíaca e do metabolism dos músculos activos – ambos factores associados com a condição física.
De seguida estudamos o tecido muscular das biópsias, quer através do corte e coloração do tecido, seguida da sua observação microscópica (figura 3), ou desfazendo o tecido e medindo os níveis de moléculas específicas.
Claro que já sabemos que o exercício físico regular tem benefícios para a saúde. Os indivíduos fisicamente activos têm um menor risco de desenvolver doenças cardiovasculares, diabetes de tipo II e determinados tipos de cancro. Até uma quantidade moderada de actividade física diária, por exemplo 30 minutos de caminhada, é suficiente para se conseguirem muitos dos benefícios. E quanto mais exercício, maiores os benefícios.
Contudo, não é apenas uma questão de quanto exercício físico realizamos, mas também de que tipo de exercício se trata e de quão intenso é: diferentes tipos de exercício produzem diferentes efeitos no corpo. O treino de alta resistência, tal como o levantamento de pesos, leva ao crescimento dos músculos esqueléticos, aumentando a força, enquanto o exercício de resistência regular, por exemplo corrida de longa distância, ciclismo ou aeróbica, melhora a condição física e reduz a fatiga.
De que modo o exercício de resistência regular produz estes efeitos? Ao longo do tempo, o coração desenvolve a capacidade de bombear maiores volumes e após alguns meses de treino, formam-se pequenos vasos sanguíneos (capilares) em torno das células musculares de forma a asseguar um bom fornecimento de oxigénio. Para além disso, o número de mitocôndrias – as ‘centrais energéticas’ da célula – aumenta. No interior da mitocôndria, há enzimas que usam o oxigénio para converter açúcares e lípidos digeridos em energia utilizável. Quantas mais mitocôndrias tiverem os músculos, maiores quantidades de gordura e açúcar conseguem metabolizar e mais energia conseguem libertar.
Mas aquilo que ainda não compreendemos é exactamente como o exercício físico provoca essas modificações. Estamos a abordar esta questão segundo duas linhas: primeiro, como é que o exercício leva ao aparecimento de mais mitocôndrias nas células musculares? E segundo, como é que o exercício muda a forma como o DNA da célula é utilizado?
A construir mitocôndrias
As mitocôndrias são produzidas a partir de moléculas proteicas, pelo que os factores que promovem a produção de proteínas mitocondriais, podem levar ao aumento do número de mitocôndrias numa célula. Um factor que actua como um regulador chave da produção de proteínas mitocondriais é uma molécula designada por PGC-1 α (figura 4).
Para que um gene seja expresso – isto é, utilizado na produção de uma proteína – a informação do DNA contido no núcleo deve primeiro ser copiada, or transcrita, numa molécula de mRNA. As moléculas de mRNA deslocam-se então para fora do núcleo até locais da célula em que as moléculas proteicas são produzidas.
O processo de transcrição é controlado por moléculas que se ligam ao DNA, designadas por factores de transcrição. Estes ligam-se à cadeia de DNA em locais muito específicos, bloqueando ou promovendo o processo de transcrição. A PGC-1α actua conjuntamente com factores de transcrição para promover a expressão de muitos genes que codificam para proteínas mitocondriais.
Descobrimos recentemente que uma variante da PGC-1α não está de todo presente antes do exercício físico, mas podem encontrar-se níveis elevados desta molécula após apenas uma hora a andar de bicicleta.
Isto sugere que certos genes são activados exclusivamente pelo exercício físico, e isto pode ser uma pista para perceber os efeitos do exercício físico na saúde. Estamos agora a investigar possíveis moduladores moleculares da PGC-1α, que se podem ligar a esta proteína para aumentar ou diminuir a sua actividade ao nível da promoção de proteínas mitocondriais.
Factores epigenéticos
Também estamos a explorar o possível impacto do exercício físico na epigenética. As modificações epigenéticas afectam a forma como o DNA é utilizado, sem afectar a informação genética nele contida. Nas nossas células, o DNA está disposto em torno de proteínas com forma de moeda designadas por histonas. A ligação de pequenas moléculas químicas à cadeia de DNA ou às histonas, afecta a capacidade dos factores de transcrição alcançarem os seus genes alvo. Por exemplo, adicionar uma molécula de metilo (CH3) ao DNA geralmente torna os genes adjacentes menos acessíveis e, por isso, menos activos, enquanto que adicionar um grupo acetilo (COCH3) a histonas normalmente afrouxa essa parte da cadeia de DNA, tornando-a mais acessível para transcrição (figura 5).
Utilizando o material das biópsias dos nosso voluntários, tencionamos verificar se estes efeitos epigenéticos se mantêm após um período prolongado sem actividade física, e se influenciam o modo como um indivíduo responde a um período posterior de treino.Com base nos resultados destas experiências, seremos capazes de investigar se a ‘memória muscular’ realmente existe e, se existir, como é que isto se processa.
Agradecimentos
As autoras gostariam de agradecer ao Professor Associado Carl Johan Sundberg pela oportunidade de trabalhar no seu laboratório e pelos valiosos comentários sobre este artigo.
Resources
- Para saber mais acerca do papel do exercício físico na prevenção e tratamento de diferentes doenças, consultar:
- Henriksson J, Sundberg CJ (2008) General effects of physical activity. In Ståhle A (ed) Physical Activity in the Prevention and Treatment of Disease pp 11-37. Stockholm, Sweden: Professional Associations for Physical Activity. ISBN: 9789172577152.
- WHO (2010) Global recommendations on physical activity for health. ISBN: 9789241599979.
- Esta publicação está actualmente disponível em Inglês, Chinês, Francês, Russo e Espanhol.
- Para mais informações acerca dos efeitos fisiológicos do exercício físico, consultar:
- Wilmore JH, Costill DL, Kenney WL (2007) Physiology of Sport and Exercise 4th edition. Champaign, IL, USA: Human Kinetics. ISBN: 9780736055833
- O website GCSE Bitesize da BBC tem um recurso designado por ‘efeitos do treino e do exercício físico’. Destina-se a alunos de 14 a 16 anos de idade.
- Vídeo ‘Como o corpo reage ao exercício físico’ no website US Teachers’ Domain
- Os artigos de investigação seguintes disponibilizam mais informação acerca dos detalhes científicos:
- Booth FW, Gordon SE, Carlson CJ, Hamilton MT (2000) Waging war on modern chronic diseases: primary prevention through exercise biology. Journal of Applied Physiology 88(2): 774-787
- Gollnick PD et al. (1973) Effect of training on enzyme activity and fiber composition of human skeletal muscle. Journal of Applied Physiology 34(1): 107-111
- Norrbom J et al. (2011) Alternative splice variant PGC-1α-b is strongly induced by exercise in human skeletal muscle. American Journal of Physiology – Endocrinology and Metabolism 301(6): E1092-1098. doi: 10.1152/ajpendo.00119.2011
- Norrbom J et al. (2010) Training response of mitochondrial transcription factors in human skeletal muscle. Acta Physiologica 198(1): 71-79. doi: 10.1111/j.1748-1716.2009.02030.x
Review
O exercício físico é uma actividade que diz respeito (ou deveria dizer respeito) a todos os seres humanos no planeta; como tal, tem recebido muita atenção desde há décadas. Apesar de os potenciais benefícios do exercício físico serem bem conhecidos, a causa desses benefícios é desconhecida. Este artigo dá uma ideia geral de alguns dos factores genéticos que podem estar envolvidos nos resultados positivos observados ao nível da condição física de um indivíduo que pratica exercício.
Os biólogos e outras pessoas que tenham pelo menos um conhecimento básico de genética, incluindo estudantes de biologia do ensino secundário, irão provavelmente achar a informação contida neste artigo muito interessante. Podem mesmo ficar motivados para pensar em formas alternativas através das quais a prática de exercício físico pode gerar benefícios para a saúde.
Michalis Hadjimarcou, Chipre