Batalha dos pássaros: entrevista com Tim Birkhead Understand article
Traduzido por Maria João Fonseca. Tim Birkhead fala com Karin Ranero Celius sobre pássaros promíscuos e sobre ensinar alunos de ciências.
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ferreirinha-comum
Imagem cortesia de
Wenkbrauwalbatros; fonte da
imagem: Wikimedia Commons
“Que sejas como a ferreirinha-comum – macho e fêmea perfeitamente fiéis um ao outro,” disse o Reverendo Frederick Morris em 1853. Na tentativa de pregar acerca da fidelidade, ele encorajava os seus paroquianos a comportarem-se como a ferreirinha-comum (Prunella modularis) – um pássaro pequeno, castanho, de aspecto vulgar. Contudo, longe de ser monogâmica, a ferreirinha-comum – de um ponto de vista Victoriano – sofre de uma espantosa falta de moral, que muitas vezes leva as fêmeas a acasalarem com vários machos. O que pensaria o Reverendo Morris desta verdade escandalosa?
Tim Birkhead, professor de ecologia comportamental e de história da ciência na Sheffield University, Reino Unido, dedicou quase 40 anos ao estudo da promiscuidade em pássaros. Desde a época de Darwin até aos finais da década de 1960 pensava-se que os machos competiam por parceiras, que os mais fortes e atraentes fecundavam mais fêmeas, e que as fêmeas procuravam apenas a segurança da monogamia, acasalando com múltiplos parceiros apenas quando eram forçadas. Contudo, a verdade, característica de uma conduta nada própria de uma senhora, que gradualmente veio ao de cima, é que as fêmeas da maioria das espécies procuram activamente múltiplos parceiros para acasalar, uma estratégia evolutiva para conseguir que os seus óvulos sejam fertilizados por sémen da melhor qualidade.
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momento em que ocorre a
fertilização: um
espermatozóide entra num
óvulo
Imagem cortesia de Raycat /
iStockphoto
Com efeito, a rivalidade entre machos e a discriminação exercida pelas fêmeas vai para além do acasalamento em si. No interior do corpo da fêmea, o sémen de diferentes machos luta pela supremacia – isto é competição de sémen. Paralelamente, a fêmea pode ser capaz de seleccionar o sémen melhor para si – isto é selecção de sémen. Esta é a verdadeira batalha dos sexos. Machos e fêmeas de cada espécie estão permanentemente presos numa luta para se ultrapassarem evolutivamente, à medida que a sua anatomia e comportamento reprodutivos se modificam de forma a alcançar os seus objectivos contraditórios: máxima fertilização versus melhor fertilização.
Estas noções radicais estavam a começar a surgir quando Tim Birkhead concluiu os estudos universitários em 1972. “Eu sinto-me incrivelmente afortunado por ter tido a idade certa no local certo na altura certa,” diz ele.
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Imagem cortesia de davthy /
iStockphoto
O interesse inicial de Tim eram os pássaros marinhos. Em 1972, ele iniciou um projecto para monitorizar araus em Skomer Island, uma reserva natural no País de Gales: analisou as taxas de sobrevivência de adultos e juvenis e as idades associadas à primeira criação e ao sucesso reprodutivo, e avaliou os efeitos da poluição petrolífera e das alterações climáticas na população. Apesar de o projecto continuar e ele regressar a Skomer Island com regularidade, o âmbito da sua investigação deslocou-se gradualmente em direcção à reprodução. Em particular, à selecção sexual pós-copulatória.
A investigação de Tim Birkhead contribuiu para redefinir o nosso conhecimento acerca dos sistemas de acasalamento dos pássaros. Porque haverá um pássaro ou um indivíduo de acasalar com mais do que um parceiro? O que determina qual o macho que fertiliza os óvulos da fêmea depois de ela ter acasalado com vários parceiros? E como são resolvidos os conflitos sexuais? A sua investigação envolve tentar perceber o que acontece ao sémen do macho no interior do aparelho reprodutivo da fêmea e investigar a importância da competição e selecção de sémen na determinação de qual o macho que fertiliza os óvulos.
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Skomer Island’s most famous
resident: o papagaio-do-mar
Imagem cortesia de Julie
Langford; fonte da imagem:
Wikimedia Commons
Na sua busca contínua de explorar a natureza da sexualidade, Tim Birkhead poderia ser considerado um paparazzo da natureza – a viajar para ilhas remotas e a suportar situações extremamente desconfortáveis na esperança de apanhar pássaros a acasalar, e quando isso acontece, a divulgar os seus pormenores mais íntimos nas páginas de revistas científicas.
A paixão de Tim por pássaros vem já de algum tempo atrás – desde que tinha 11 anos. “Numas férias inesquecíveis no País de Gales, o meu pai levou-me a uma pequena ilha chamada Bardsey Island – um dos locais mais bonitos do mundo, com muitos pássaros fantásticos. Quando regressámos no final do dia, um jovem estava com um caderno de apontamentos, a fazer observações com um telescópio e o meu pai olhou simplesmente para mim e disse: “Podes fazer algo daquele género quando fores mais velho.” E foi o que ele fez.
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diamante mandarim,
Taeniopygia guttata
Imagem cortesia de Francesca
Birkhead
Mas Tim nem sempre é o observador; muitas vezes é ele que está no centro das atenções. Um cientista competente deve ser capaz de comunicar a sua investigação e motivar o público ao torná-la relevante, e é isso que Tim faz: ele ilustra a ciência com muitas histórias, e é esperto, engraçado, persuasivo e muito claro. Com efeito, ele é daqueles professores cujas aulas deveriam ser marcadas para de manhã cedo para fazer com que os alunos se levantassem da cama. O que torna as suas aulas tão especiais? O seu entusiamo é com certeza parte da razão.
Os métodos de ensino preferidos de Tim são cursos de campo e tutoriais. “Eu penso que o desenvolvimento intelectual depende muito do contacto interpessoal. Os tutoriais são importantes para que os alunos nos ouçam a falar para eles, e para que eles respondam de modo a podermos ajudá-los a estruturar os argumentos que utilizam. E o mesmo se passa com os cursos de campo. Adoro dar cursos de campo porque se consegue ver os miúdos a crescerem nessa semana. Eu dou um curso de campo que decorre em Junho. O primeiro dia é terrível, mas no fim da semana eles estão fantásticos. No entanto, é-lhes difícil manter esse conhecimento e entusiasmo, por isso quando voltam em Setembro é como se nada tivesse acontecido. Eu creio que deveríamos fazer quatro ou cinco cursos de campo, para que no final desse período muita da informação, entusiasmo, e o modo como se faz ciência tenham sido retidos.”
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Imagem cortesia de John Smith
Fazer ciência é importante, mas também é importante compreender o que é a ciência. “O curso de história da ciência que dou é sobre fazer ciência e sobre o que significa ser cientista. Eu tento ensinar de uma forma não convencional: não deixo os meus alunos tirarem apontamentos porque quero que eles ouçam, quero que eles fiquem inspirados com o que lhes digo e que depois vão ler o que for necessário. Como principal forma de avaliação, levo-os a um local onde eles têm que organizar uma conferência para esse dia, a partir das suas leituras e de uma citação que lhes dou. A interpretação da citação e a forma como fazem a apresentação é inteiramente da responsabilidade deles, e todos o fazem de maneiras muito diferentes. Eles aprendem sobre a história da ciência ouvindo os seus pares.”
O Tim também aprecia partilhar o seu entusiasmo pela ciência com alunos pré-universitários. “Há duas ou três semanas, dei uma palestra numa escola onde os alunos eram incrivelmente maduros. Tal como já disse, a maioria da minha investigação centra-se na selecção sexual e reprodução, e eu estava um pouco apreensivo por falar com jovens de 16 e 17 anos sobre reprodução, mas eles foram fantásticos. Fizeram perguntas mesmo sofisticadas, e não houve risos tontos. Penso que com um grupo daqueles, pode-se mesmo transmitir a noção do que é a ciência, apesar de isto poder ser um pouco difícil com outro tipo de miúdos.”
Imagino o que o Reverendo Morris pensaria dessa conversa. Talvez também ele chegasse à conclusão de que faria melhor em pregar à ferreirinha-comum acerca das virtudes do ser humano.
Este artigo é baseado numa entrevista com Tim Birkhead, assim como na sua palestra ‘Darwin and post-copulatory sexual selection’, dada na 11th EMBL / EMBO Science and Society Conference: The Difference between the Sexes – From Biology to Behaviour, de 5-6 Novembro de 2010.
Resources
- Para saber mais acerca de Tim Birkhead, consultar: https://www.shef.ac.uk/aps/staff-and-students/acadstaff/birkhead
- Para ver uma das palestras de Tim Birkhead, consultar: www.thedolectures.co.uk/speakers/speakers-2009/tim-birkhead
- Outra palestra de Tim Birkhead (‘The early birdwatchers’) pode ser vista em TED, um repositório online de palestras: www.ted.com/talks/tim_birkhead_the_wisdom_of_birds.html
- Para saber mais acerca de investigação sobre a promiscuidade da ferreirinha-comum, consultar:
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Davies, NB (1983) Polyandry, cloaca-pecking and sperm competition in dunnocks. Nature 302: 334-336. doi: 10.1038/302334a0
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É possível descarregar o artigo gratuitamente aqui, ou subscrevendo a Nature: www.nature.com/subscribe
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- Haubold B (2007) Review of The Selfish Gene and Richard Dawkins: How a Scientist Changed the Way We Think. Science in School 5: 84-85. www.scienceinschool.org/2007/issue5/selfish
- Dawkins R (2006) The Selfish Gene, 3rd edition. Oxford, UK: Oxford University Press. ISBN: 9780199291151
Review
Se “nada na biologia faz sentido, senão à luz da evolução” (Theodosius Dobzhanky, 1900-1975) então este artigo será apelativo e interessante para todos os professores de biologia. Está focado no Professor Tim Birkhead, na sua vida e investigação, mas também introduz um outro tópico de interesse – a promiscuidade animal e selecção sexual – que é provavelmente novo para muitos leitores e pouco comum no ensino da evolução nas escolas.
O artigo baseia-se numa entrevista, e por isso o seu estilo é agradável e espirituoso; para além disso, alguns aspectos difíceis (competição e selecção de sémen) são explicados de uma forma clara e expressiva (por exemplo, no resumo da batalha dos sexos, como “máxima fertilização versus melhor fertilização”).
A história da vida e carreira de Birkhead é interessante e inspiradora para jovens alunos que se sintam atraídos pelo estudo de comportamento animal e evolução; a sua metodologia pessoal de ensino da história da ciência também irá dar aos professores de ciências ideias novas e estimulantes.
Finalmente, este artigo mostra que o estudo da evolução é uma aventura sempre encantadora e surpreendente.
Giulia Realdon, Itália