Vida em Marte: terraformando o Planeta Vermelho Understand article
Traduzido por: Artur Melo. Facto científico ou ficção científica? Margarita Marinova da Caltech, EUA, investiga a possibilidade de estabelecimento de vida em Marte.
Os primeiros astrónomos contemplavam Marte e pensavam estar a ver um planeta atravessado por canais de irrigação e com vegetação. Cem anos mais tarde, em 1964, a nave espacial Mariner 4 chegou a Marte. O desapontamento dos cientistas deve ter sido amargo, quando viram um mundo estéril sem sinais de vegetação, água ou vida. Para esses cientistas, a ideia de um planeta Marte húmido, coberto de plantas, rapidamente passou a parecer ficção científica.
Nos 40 anos que se seguiram à Mariner 4, aprendemos bastante sobre Marte com as várias naves espaciais que foram enviadas para o Planeta Vermelho. Sabemos agora que a temperatura na superfície de Marte varia entre -143 ºC nos pólos e +27 ºC no equador. Marte tem uma atmosfera muito rarefeita (cerca de 1% da pressão atmosférica terrestre), não tem água líquida, e a radiação UV incidente, combinada com o rególito altamente oxidante, tornam a superfície de Marte um lugar que é fatal para a vida. Contudo, a partir das imagens que mostram enormes canais e redes fluviais, e dos Rovers de Exploração de Marte que evidenciam sedimentos estratificados e a alteração dos estratos por acção da água, aprendemos que nos primeiros 500 milhões de anos da sua existência, Marte era um lugar quente e húmido com uma atmosfera densa. Assim, poderia Marte tornar-se habitável novamente?
Esta é a premissa da terraformação – modificar o planeta tornando-o habitável para a vida de tipo terrestre. A ideia de terraformação foi inicialmente sugerida na década de 1930 – meramente no domínio da ficção científica. Contudo, na década de 1960, os cientistas começaram a pensar nesta ideia de forma mais séria. Será isto realmente viável? Poderá ser feito com a tecnologia actual?
Para responder à questão se a terraformação de Marte é possível, devemos primeiro considerar as condições necessárias à vida e se Marte possui estas exigências básicas. Actualmente Marte não consegue reter água líquida na sua superfície devido às suas baixas temperaturas e atmosfera rarefeita (a pressão atmosférica é inferior ao ponto triplo da água, pressão abaixo da qual um material pode apenas existir no estado sólido ou de vapor, independentemente da temperatura). Para além da água líquida, a forma de vida mais simples da Terra precisa apenas de uma atmosfera com a qual possa trocar gases. Organismos mais complexos têm requisitos mais rigorosos e numerosos – as plantas precisam de pequenas quantidades de oxigénio, os animais precisam de uma pressão atmosférica mais elevada – mas os microrganismos são seres de baixa manutenção.
Marte possui dióxido de carbono congelado (gelo de CO2) nas calotes polares e integrado no solo, que seria libertado se o planeta fosse aquecido. Isto tornaria a atmosfera mais densa e também aqueceria o planeta. O aquecimento também provocaria a fusão da água gelada que foi detectada nas calotes polares. Assim, Marte parece ter os dois ingredientes chave necessários para sustentar a vida. Não apenas isso, mas uma vez que Marte foi no início aquecido de alguma forma, haveria um ‘feedback’ positivo na libertação do dióxido de carbono das calotes polares e do rególito, o adensamento da atmosfera, o aquecimento adicional do planeta, a libertação de água e as consequentes condições que permitem à água líquida manter-se à superfície.
Como poderíamos aquecer Marte ou forçar a libertação do dióxido de carbono congelado para a atmosfera? Muitas ideias têm sido propostas, tais como: colocar espelhos em órbita em torno de Marte para reflectir luz adicional para a superfície marciana, aquecendo-a desta maneira; espalhar um pó escuro nos pólos para diminuir o albedo (i.e. brilho) para que mais energia solar fosse absorvida; e libertar gases de super-efeito de estufa na atmosfera para aquecer o planeta. Há grupos que estão a trabalhar na tentativa de tornar as duas primeiras ideias tecnologicamente viáveis. Mas nós já implementámos a ideia dos gases de efeito de estufa na Terra – tornando-a, pelo menos por agora, o método de terraformação mais promissor.
Os gases de super-efeito de estufa são moléculas bastante eficazes na absorção de energia libertada pela superfície do planeta, e irradiando, em seguida, esta energia tanto para cima, para o espaço – perdida para sempre – como para baixo na direcção da superfície do planeta, aquecendo-o ainda mais. Eles agem de forma semelhante a um cobertor. Mas nós não queremos um cobertor qualquer! Por exemplo, o dióxido de carbono seria como um lençol fino enquanto um gás de super-efeito de estufa, como o perfluorpropano (C3F8), seria como um espesso cobertor de lã. Por isso preferimos usar gases de super-efeito de estufa – com potenciais de aquecimento elevados, e também tempos de vida na atmosfera longos (de 1000 a 10000 anos) – para reduzir o ritmo de reposição necessária. Um último aspecto chave é escolher gases de super-efeito de estufa que não destruam a actual – e futura – camada de ozono natural de Marte (têm de ser diferentes dos clorofluorcarbonetos ou CFC’s).
Modelos atmosféricos detalhados mostram que um dos melhores gases de super-efeito de estufa que podemos usar é o perfluorpropano, e a quantidade total necessária é cerca de 26000 vezes a quantidade de gases semelhantes (CFC’s, perfluorcarbonetos e hidrofluorcarbonetos) libertados na Terra pelas indústrias anualmente. Isto significa que não podemos produzir os gases na Terra e depois enviá-los para Marte. Pelo contrário, os gases teriam de ser fabricados em Marte. Consequentemente, a terraformação de Marte começaria provavelmente quando se iniciasse a colonização de Marte e existisse tanto o incentivo como a capacidade para criar as indústrias necessárias para produzir os gases de super-efeito de estufa.
Os gases de efeito de estufa estão actualmente a modificar drasticamente – e indesejavelmente – a Terra, por isso usá-los em Marte pode parecer irresponsável ou simplesmente errado. Contudo, alterar o clima na Terra é indesejável porque já existe um ecossistema bastante desenvolvido que está intimamente ligado ao clima. Mas em Marte não existe nenhum ecossistema deste género: investigações químicas e fotográficas mostraram que a vida não se multiplicou e não controla o seu ambiente. Talvez ainda existam organismos em dormência, ou a viver no solo. Como bons exploradores e cientistas, e em conformidade com o tratado de protecção planetária, devemos procurar a existência de vida em toda a extensão de Marte antes de contaminarmos as nossas investigações científicas com organismos terrestres ou provocarmos a competição entre vida da Terra e a de Marte.
Fortuitamente, espera-se que os primeiros estádios da terraformação façam regressar Marte à forma que apresentava no seu início – quando a vida terá começado – dando assim a possibilidade a quaisquer sobreviventes de sair de hibernação e recriar uma biosfera.
Uma abordagem à terraformação estaria incompleta se não colocássemos a questão ‘Devemos fazê-lo? ‘. Apenas porque a terraformação seja tecnologicamente viável e não vá destruir directamente um ecossistema, não significa necessariamente que a devemos fazer. Marte é um planeta belo e interessante tal como está, e talvez o devêssemos deixar assim para permitir o seu estudo pelas gerações futuras, assim como para conservar a sua beleza actual. Eu diria que a vida é a coisa mais valiosa e bela que conhecemos, e disseminá-la pelo nosso Sistema Solar e mais além é a coisa mais importante que podemos fazer! É a presença de vida que torna a Terra única, e é esta presença de vida que permite a nossa própria existência.
A terraformação de Marte também nos permitiria colonizar e explorar o planeta mais facilmente, exigindo-nos apenas a utilização de máscaras de oxigénio, mas sem fatos espaciais, numa atmosfera de pressão mais elevada.
Há cem anos atrás, os astrónomos pensaram ter visto água e vegetação em Marte. Estavam enganados nessa altura, mas talvez estivessem apenas a prever o futuro.
Review
Um aspecto essencial de um bom texto de ficção científica é que independentemente de quão fantasiosa é a ideia, ela deve ser teoricamente viável, para que, numa data futura, o avanço da tecnologia transforme a ficção futurista em facto vulgar. Margarita Marinova da Caltech detalha a viabilidade do prospecto, que soa a ficção científica, da terraformação de Marte – tornando as condições no Planeta Vermelho mais parecidas com as do nosso planeta azul, na esperança de permitir sustentar vida (humana).
A maioria dos alunos possui um interesse inato em assuntos de astronomia assim como em temas ambientais, e o artigo percorre de forma agradável ambos os domínios, incorporando aspectos das três tradicionais vertentes da ciência, em conjunto com a geologia. Há também espaço para a ética da terraformação a ser abordada em aulas de educação para o indivíduo, para a sociedade e para a saúde (PSHE). Como alternativa, artistas poderão criar ilustrações do que seria o aspecto de um Planeta Vermelho recentemente tornado verde, e talvez ver como estas se comparam com ilustrações produzidas em meados do século passado.
O artigo presta-se a ser utilizado como exercício de compreensão ou como estímulo para um debate em sala de aula, no qual uma série de questões podem ser elaboradas abordando as tradicionais subdivisões da ciência. Questões de compreensão poderiam incluir:
- Descubra onde a expressão ‘feedback positivo’ é mencionada no artigo. Explique o que significa no contexto do artigo. Apresente outro exemplo de ‘feedback positivo’ (não incluído no artigo). É o resultado do ‘feedback positivo’ sempre benéfico?
- Quais os três métodos de aquecimento do Planeta Vermelho que são mencionados? Quais os possíveis prós e contras de cada um deles?
- Como mudariam as escalas de tempo humanas se vivêssemos em Marte? Como seria a duração dos dias e das noites? Ainda teríamos estações do ano? Quanto tempo duraria um ano? Que relação existe entre a força da gravidade da Terra e a de Marte, e teria esta diferença algum efeito no desporto Marciano, por exemplo?
Podiamos também vaguear pela esfera dos direitos morais e dos aspectos negativos envolvidos nesta transformação planetária. A grande questão de ‘devemos fazê-lo?’ deveria gerar bastante discussão, e poderia ser perguntado aos alunos se a sua resposta estaria dependente das circunstâncias. Por exemplo, será ainda moralmente errado terraformar Marte se a vida no nosso planeta estiver em declínio e não houver nenhum outro lugar para onde a espécie humana possa ir? Como mencionado acima, este artigo poderia estar incluído em aulas PSHE de debate ético, e a uma escala maior do que o debate normal do ‘direito à vida’ que tende a ser usado quando os domínios da ciência e da ética se encontram.
Da mesma forma que é uma boa introdução ao tópico, este artigo é um útil ponto de partida para pesquisas adicionais se a ideia estimulasse o interesse dos alunos. Eles poderiam querer ver clips de ‘Uma Verdade Inconveniente’, onde Al Gore examina os gases de efeito de estufa, e sugere como é possível, apesar de tudo, haver uma aberta na nuvem da alteração climática global. Ou eles poderiam investigar Marte um pouco mais: como sabemos o que sabemos sobre Marte, considerando que ainda nenhum humano o visitou? Que planos existem actualmente para enviar pessoas a Marte? Quais são os desafios de uma missão deste tipo, e como se comparam com os desafios enfrentados nas décadas de 1960 e 1970 com o envio de homens à Lua? Finalmente, poderíamos pedir aos alunos que recolhessem ficções científicas históricas que já se tivessem transformado em factos científicos.
Ian Francis, RU