Fusão no Universo: quando uma estrela gigante morre… Understand article

Traduzido por Pedro Augusto. Péter Székely da Universidade de Szeged, Hungria, e Örs Benedekfi do European Fusion Development Agreement em Garching, Alemanha, investigam como morre uma estrela e o que uma explosão em supernova próxima pode significar para nós, na Terra.

Impressão de artista de uma
explosão em supernova de
tipo Ia.

A imagem é cortesia do ESO

Às 7h35 da manhã de 23 de fevereiro de 1987, um quilómetro debaixo de terra, o detetor de neutrinos japonês Kamiokande II registou 11 neutrinos em 15 segundos. Isto não soa muito dramático, mas os neutrinos são difíceis de detetar por interagirem muito dificilmente com a matéria. Normalmente, o detetor regista apenas um par de neutrinos por dia, vindos do Sol; por isso, o resultado indicava um evento espetacular algures no Universo: uma estrela gigante tinha morrido.

O tamanho é tudo

Provavelmente, a propriedade mais importante que determina o destino de uma estrela é a sua massa. Como descrito anteriormente nesta série (Boffin & Pierce-Price, 2007), estrelas com uma massa semelhante à do Sol morrem sem grande alarido: fundem hélio em carbono e oxigénio, depois libertam as suas camadas exteriores como uma nebulosa planetária e, durante biliões de anos, o núcleo arrefece para formar uma anã branca.

Estrelas mais massivas têm uma vida mais curta e um destino mais violento. Enquanto uma estrela do tamanho do Sol pode viver durante biliões de anos, estrelas que têm oito a dez vezes a massa do nosso Sol duram apenas uns milhões de anos pois esgotam rapidamente o combustível. Quanto isto acontece, o equilíbrio perde-se entre duas forças fundamentais: a gravidade, que tende a contrair o material estelar; e a pressão de radiação produzida pelas reações de fusão nuclear no núcleo, que tendem a expandir a estrela. O núcleo contrai para formar uma estrela de neutrões e as camadas exteriores da estrela caem e ressaltam do extremamente denso núcleo numa gigantesca explosão: uma supernova de Tipo II.

Ondas de partículas, incluindo neutrinos, deixam o núcleo, transportando a energia gravitacional da estrela em colapso. As camadas exteriores em colapso absorvem muitos destes neutrinos, originando temperaturas extremamente altas – quentes o suficiente para iniciar a fusão de elementos, incluindo o ouro e o urânio (como descrito em Rebusco et al., 2007). Uma pequena proporção destes neutrinos, contudo, escapa da atmosfera da estrela a morrer e pode ser detetado na Terra, no silêncio das profundezas bem por baixo da superfície do planeta.

Um segundo tipo de cataclismo estelar ocorre durante a colisão de uma anã branca e uma muito maior gigante vermelha, que tem uma atmosfera expandida (com centenas de milhões de quilómetros de diâmetro). Se uma anã branca e uma gigante vermelha se orbitarem uma à outra numa relação próxima chamada de estrela binária, a anã branca pode agregar material da sua companheira e aumentar a sua massa (ver imagem). Assim que a anã branca excede em 1.44 vezes a massa do Sol (o limite de Chandrasekhar), fica instável, reações de fusão produzem elementos pesados tais como o lantânio e o ruténio e o conjunto desintegra-se numa explosão gigante: uma supernova Tipo I (ver imagem).

Esquerda: representação artística de uma anã branca (em baixo, à direita) a agregar material de uma estrela gigante vermelha.
A imagem é cortesia do ESO

Direita: assim que a massa da anã branca atinge um valor crítico, a estrela explode como uma supernova do Tipo Ia.
A imagem é cortesia do ESO

Seja de Tipo I ou II, uma supernova é um dos mais poderosos eventos no Universo desde o Big Bang. Nas semanas após a explosão, a estrela e os seus restos emitem mais energia do que o nosso Sol faz durante biliões de anos. Esta enorme explosão pode ultrapassar em brilho todas as outras estrelas da galáxia hospedeira e a luz pode ser detetada a uma distância de milhares de milhões de anos-luz. De facto, uma supernova que ocorra em qualquer local do Universo será, provavelmente, visível com um telescópio poderoso.

Os restos de uma estrela

Assim, o que sobra depois de tão violento e dramático acontecimento? No centro da explosão de uma estrela que tem menos de 20 massas solares está uma recém-formada estrela de neutrões, com a massa da estrela empacotada numa esfera com um raio de apenas dez quilómetros – inimaginavelmente densa. O peso de uma colher de chá da estrela de neutrões equivale ao de todos os veículos de transporte (milhões de carros, autocarros e comboios) que temos na Terra (Swinton, 2006). Devido à conservação do momento angular (quanto mais pequeno o raio mais rápida a rotação), as estrelas de neutrões usualmente giram muito rapidamente (centenas de revoluções por segundo); isto pode fazer com que feixes de ondas rádio sejam emitidos pelos pólos magnéticos, em cujo caso descrevemos a estrela como um pulsar.

Um tipo de resto ainda mais exótico do que a estrela de neutrões ou um pulsar é um buraco negro, nascido quando uma estrela de, pelo menos, 20 massas solares explode numa supernova de Tipo II. Quando uma estrela tão massiva morre, o colapso gravitacional não pára com a formação de uma estrela de neutrões – em vez disso, a matéria em queda produz um fenómeno muito curioso com um volume teórico de zero e uma densidade infinita. Nada pode deixar o buraco negro ou as suas proximidades, a não ser que exceda a velocidade da luz; mas nenhuma luz pode escapar ao imenso puxão gravitacional – daí o seu nome.

Para além de uma estrela de neutrões ou buraco negro, podemos, usualmente, observar os restos das nuvens de gás da estrela, que foram empurrados pela supernova. Um destes interessantes objetos é a Nebulosa do Caranguejo: os restos de uma supernova que ocorreu cerca do ano 5500 AC e foi observada em 1054 por astrónomos chineses. Tal como outros restos, dispersar-se-á pelo meio interestelar ao longo de milhares de anos.

Aprender com as supernovas

Mesmo sem o benefício de telescópios modernos, uma supernova numa galáxia próxima é difícil de passar despercebida. A supernova mais antiga de que há registo foi notada por astrónomos chineses em 185 DC. Quando a formação da Nebulosa do Caranguejo foi detetada na China uns 800 mais tarde, esta ‘estrela convidada’ era tão brilhante que pôde ser vista durante o dia ao longo de semanas.

O brilho máximo de explosões de supernova individuais é muito semelhante (chamamos-lhes ‘velas-padrão’) pois as massas em explosão são semelhantes. Ao comparar o brilho esperado com o brilho observado, podemos calcular quão longe está a galáxia anfitriã da supernova. Esta técnica é muito importante para a ‘escada das distâncias cósmicas’: é, para já, o melhor método para medir a distância de galáxias longínquas. E, claro, é uma forma de observar a história inicial do Universo: quando observamos um cataclismo distante, a estrela em si já morreu há muito.

É claro que os astrónomos não querem apenas saber quão longe está a galáxia hospedeira de uma supernova mas também caracterizar a supernova individual em si. Para isso, usam dois métodos indiretos: fotometria e espetroscopia. A fotometria mede o brilho de uma supernova ao longo do tempo, enquanto este diminui, e o brilho máximo: esta é a técnica usada para calcular a distância a galáxias longínquas. A espetroscopia permite deduzir os elementos químicos numa supernova com base nos seus comprimentos de onda característicos (como explicado em Westra, 2007). Normalmente, os astrónomos usam ambos os métodos para determinar as propriedades físicas da estrela agonizante, tais como as suas massa, temperatura e luminosidade.

Supernovas próximas?

Por agora, todas as supernovas observadas foram-no muito longe da Terra mas o que aconteceria se uma estrela bem mais próxima se tornasse numa supernova? Felizmente, as supernovas são bastante raras, com apenas uma supernova a cada 50-100 anos numa galáxia espiral normal como a Via Láctea. As últimas supernovas observadas na Via Láctea foram-no em 1572 e 1604, embora nuvens de poeira vastas e densas possam ter escondido algumas explosões do outro lado da nossa galáxia. O cataclismo mais recente e relativamente próximo foi a SN 1987A que, em 1987, entrou em ignição na Grande Nuvem de Magalhães, uma das pequenas galáxias “escorte” da Via Láctea, a uma distância de cerca de 160 000 anos-luz (ver imagem); esta explosão foi visível a olho nú. Mais longe, os astrónomos observam centenas de explosões em supernova por ano em outras galáxias distantes, algumas vezes duas em simultâneo na mesma galáxiaw1.

As posições de SN 2002bo e SN 2002cv estão assinaladas nesta imagem da galáxia espiral NGC 3190.
A imagem é cortesia do ESO

Felizmente, não há estrela na nossa vizinhança imediata (até cerca de 12 anos-luz) que se transforme numa supernova num futuro próximo, embora mais longe os astrónomos já tenham identificado algumas potenciais supernovas. Betelgeuse, a supergigante vermelha no ombro esquerdo da constelação de Orion, é a melhor candidata, mas fica a cerca de 450 anos-luz de nós. Pensámos que a zona de segurança tem cerca de 100 anos-luz de um lado ao outro: mais próximo do que isto uma supernova pode danificar seriamente o nosso planeta. Merecendo mais preocupação existe IK Pegasi – uma estrela binária que consiste numa estrela anã e numa estrela normal em envelhecimento a cerca de 150 anos-luz. Apesar da Betelgeuse poder explodir a qualquer instante desde amanhã até daqui a milhares de anos, IK Pegasi vai encontrar o seu destino em algum momento nos próximos poucos milhões de anos.

Efeitos na Terra

Esta nebulosa brilhante e
compacta (SNR 0543-689)
são os restos de uma
explosão em supernova
recente.

A imagem é cortesia do ESO

Assim, quais os efeitos que uma supernova próxima teria na Terra? As supernovas produzem uma enorme quantidade de radiação gama e partículas tais como protões e eletrões, todos com muito alta energia, podendo destruir a atmosfera da Terra ao degradar o ozono e o oxigénio atómico. Por exemplo, os raios gama desassociam o azoto atmosférico (N2) em óxido nítrico (NO) e outros  óxidos de azoto (NOx) que catalisam o desmantelamento do ozono.

A SN 1987A na Grande
Nuvem de Magalhães
(assinalada com uma seta).

A imagem é cortesia do ESO

Sem a camada protetora de ozono, os raios ultravioleta do nosso próprio Sol chegariam à superfície da Terra sem qualquer obstrução e destruiriam o fitoplâncton (plantas microscópicas que vivem na coluna de água). Uma vez que o fitoplâncton constitui um componente fundamental da cadeia alimentar, a sua perda teria efeitos devastadores na maioria dos restantes organismos. Energia de alta radiação também poderia danificar células vivas, causando cancro e mutações genéticas: muito semelhante a uma alta dose de raios X. Também é possível que os níveis de elementos radioativos na atmosfera aumentassem, com efeitos nocivos.

Pode ter sido uma explosão de supernova o que causou a extinção em massa do Ordovício-Silúrico, há aproximadamente 450 milhões de anos. Mais de metade das formas de vida marinhas foram erradicadas neste evento, que se pensa ter sido a segunda maior extinção na Terra em termos do número de géneros que morreram. Acredita-se que a extinção resultou quer da destruição do fitoplâncton quer da redução global de temperatura causada pela opacidade do dióxido de azoto (NO2).

É, também, possível que a Terra tenha sofrido uma explosão de supernova próxima há cerca de 2.8 milhões de anos. Durante a sua explosão, a estrela moribunda envia uma onda de elementos radioativos que podem depositar-se na superfície de planetas. Elementos radioativos característicos, como por exemplo Ferro-60, encontraram-se quando núcleos profundos foram perfurados do fundo marinho. Estes podem ser provas de uma supernova, mas o debate continua. Mais provas de uma explosão em supernova local e recente é a Bolha Local, uma cavidade com 300 anos-luz de largura no meio interestelar onde o nosso Sistema Solar está localizado. Esta bolha foi criada por várias explosões em supernova, que empurraram o fino meio interestelar circundante.

As nossas origens “supernóvicas”

Felizmente, essas explosões gigantes também têm efeitos positivos. Provavelmente devemos a nossa existência a uma supernova próxima. A onda de choque de uma supernova comprime a matéria interestelar circundante – uma nuvem de gás atómico e molecular e poeira, vasta mas fina – e espoleta formação estelar. Assim, talvez uma supernova tenha causado o colapso da nuvem enorme de onde nasceu o Sistema Solar.

Além disso, as supernovas foram a origem de tudo o que conhecemos: o ser humano e tudo o resto, desde a mais pequena bactéria até à mais alta montanha, são feitos de cinzas de estrelas. Uma estrela ordinária pode produzir elementos leves mas as reações de fusão que formam elementos mais pesados requerem as enormes temperaturas e pressões que prevalecem em estrelas gigantes (para mais detalhes, ver Boffin & Pierce-Price, 2007; Rebusco et al., 2007). Estes elementos são formados e dispersos pelo espaço interestelar por supernovas, enriquecendo as nuvens de matéria de onde as estrelas, os planetas e a vida surgem. Em certo sentido, somos filhos de supernovas.

Assim, as supernovas modelaram o nosso Universo e a nossa história. Criaram as condições para a vida na Terra ao produzir elementos, afetaram a evolução ao causar extinções em massa e, agora, ao examinar supernovas, podemos aprender muito sobre o Universo e sobre nós mesmos.

A educação e a divulgação do EFDA

Muitos dos institutos de investigação em fusão dentro do European Fusion Development Agreement (EFDA) têm os seus próprios programas de divulgação que, normalmente, incluem aulas e visitas a escolas e a instalações de investigação como o JET. Os detalhes dos institutos individuais estão disponíveis no website do EFDAw2. No contexto do EIROforumw3, o EFDA participa no Science in School, no festival Science on Stagew4 e noutros projetos de divulgação e educação.

O EFDA publicou uma brochura de 60 páginas para escolas secundárias, ‘Energy, Powering Your World’, que dá uma introdução geral ao mundo da energia. Os tópicos incluem as formas como usamos a energia nas nossas vidas quotidianas, de onde vem e como trataremos das nossas necessidades energéticas no futuro.  

Para receber uma cópia gratuita da brochura, disponível em Inglês, Holandês, Espanhol, Francês, Alemão ou Italiano, envie um email para aline.duermaier@efda.org, incluindo o seu nome, endereço postal e o número de cópias que deseja (até cinco). A brochura também pode ser descarregada do website do EFDA.

A brochura do EFDA para escolas secundárias

O EFDA tem uma gama de outros materiais educacionais disponível, tais como um CD-ROM, ‘Fusion, an energy option for the future’, e um poster geral sobre fusão, podendo ambos ser requisitados no website do EFDA. O website também fornece informação básica e mais avançada sobre a ciência da fusão.


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