Em demasia faz mal – o problema da poluição luminosa Understand article
Cego pela luz: precisamos de luzes para ver no escuro mas sabia que a poluição luminosa tem sérias consequências ambientais?
O que é a poluição luminosa?
A poluição luminosa tem origem, principalmente, na iluminação de vias públicas, em luzes de segurança, na iluminação de estádios e decorativa (iluminação de edifícios e monumentos, feixes luminosos e lasers a apontar para o céu). Por que se consideram poluentes? Afinal, precisamos de luz à noite para nos deslocarmos em segurança. Isso é verdade, mas estas luzes são, usualmente, excessivamente brilhantes, desnecessárias ou não adequadas ao propósito a que se destinam. Devemos atingir um equilíbrio onde possamos obter a luz noturna que precisamos com um impacto mínimo no ambiente.
Efeitos na Astronomia
A iluminação perturba a visibilidade estelar através da reflexão em superfícies, dispersão por aerossóis e intrusão em propriedades, até ao ponto da maioria das pessoas nunca ter visto a Via Láctea.
Iluminação mal desenhada permite que o brilho se espalhe no ambiente e a poluição luminosa está a crescer a uma razão entre 2% a 6% ao ano, o que significa que céus verdadeiramente escuros já não existem em muitas áreas. Se todos os astrónomos amadores e profissionais do mundo falharem o próximo asteroide em rota de colisão com a Terra devido à poluição luminosa global, só teremos de nos culpar a nós próprios.
Efeitos na vida selvagem
Animais
É bem sabido que os insetos são atraídos por luzes e que andam em espirais em torno delas até caírem no chão, exaustos.[1,2] Uma luz não fará grande diferença, mas expandamos isso para todas as luzes em todas as cidades do mundo e a situação torna-se muito séria.
Organizações ambientalistas britânicas, tais como a Buglife, e o German Centre of Integrative Biodiversity Research têm reportado um declínio substancial na população de insetos, tal como é medida por ‘esmagómetros’ colocados nas matrículas de carros. Este declínio é parcialmente devido a pesticidas e à destruição de habitat, mas a poluição luminosa é, também, um fator contribuidor principal.[3]
O declínio dos insetos é muito preocupante por duas razões. Em primeiro lugar, os insetos estão na base da cadeia alimentar. Se os insetos diminuem, o efeito vai-se alastrar aos animais que deles dependem para se alimentarem, tais como aranhas, anfíbios, répteis, aves e pequenos mamíferos. Em segundo lugar, os insetos são relevantes polinadores e, assim, se o seu número diminui, vai haver uma redução no número e diversidade de plantas. Isto, por sua vez, pode deixar os próprios insetos com menos que comer, iniciando uma espiral negativa. Esta questão é importante para os seres humanos, já que os insetos, normalmente, são os polinadores das colheitas de que dependemos para a produção de alimentos.
Sabe-se que os morcegos consomem cerca de 3000 insetos por noite e, assim, se as populações de insetos diminuírem, isto colocará as populações de morcegos debaixo de enorme pressão. Os morcegos precisam de acumular reservas de gordura para sobreviverem ao período de hibernação no inverno e uma insuficiente alimentação também diminui a sua resistência a doenças. Episódios do síndroma do nariz-branco,[4] causado pelo fungo Pseudogymnoascus destructans, têm acontecido nos EUA, onde morcegos esfomeados têm sido vistos a alimentar-se durante todo o inverno. Os morcegos consomem enormes quantidades de mosquitos e, se as populações de morcegos declinarem, as populações de mosquitos podem aumentar. Isto pode levar a que doenças trazidas pelos mosquitos se espalhem por novas áreas.[5]
As aves e os besouros-do-exterco usam as estrelas e a Via Láctea para a sua navegação.[6] Se estas fontes de luz forem inundadas pela abundante poluição luminosa, as aves e os besouros ficam confusos e perdem-se. Em países tropicais, as tartarugas recém-nascidas são atraídas pelo luar refletido pelo mar, mas podem ser confundidas pela iluminação da frente-mar e não conseguirem chegar à água.[7]
Plantas
Para além dos efeitos nos insetos polinadores, a poluição luminosa pode evitar que as plantas se ajustem às estações ao interferir com a função dos fitocromos. Estas hormonas vegetais controlam o fotoperiodismo[8] através do qual as plantas medem as horas de escuridão e as alturas para florescerem[9] produzirem sementes ou deixarem cair as folhas. A disrupção do fotoperiodismo pode ter consequências na produção agrícola e levar a uma diminuição da capacidade de sobrevivência e da diversidade de plantas selvagens. Por exemplo, árvores de folha caduca expostas a luz artificial tendem a manter as suas folhas durante o inverno.
Efeitos no uso energético
Finalmente, a iluminação requer energia para sua manufatura e operação, o que traz consequências financeiras e ambientais. Um estudo recente demonstrou que um pequeno município italiano usa 60% do seu consumo energético em iluminação da via pública.[10] Reduzir a poluição luminosa levará, por isso, a uma redução, também, da nossa pegada de carbono e a uma contribuição positiva no combate às alterações climáticas.
O que pode ser feito?
Então, se a poluição luminosa é um problema ambiental tão sério, quais são as soluções? A iluminação das vias públicas e de outros tipos deve ser usada apenas onde e quando necessário, na quantidade correta e utilizando tecnologia de iluminação certificada-para-céu-escuro. Por exemplo, a iluminação LED das vias públicas em zonas residenciais e suburbanas sossegadas pode ser acionada pelo movimento e desligada entre as 11 da noite e o raiar do Sol matinal. Além disso, a iluminação da via pública não reduz, necessariamente, o crime.[11,12]
Em zonas rurais, a iluminação das vias públicas não deveria ser utilizada, uma vez que existem métodos alternativos para garantir segurança na estrada (tais como linhas de guia com relevo e refletores olhos-de-gato[13,14]). A iluminação decorativa que não serve nenhum motivo útil deve ser banida ou, pelo menos, desencorajada.
O tipo de luz pode também ser adaptado para minimizar efeitos perniciosos. As lâmpadas devem ser totalmente colocadas dentro dos escudos, de forma a reduzir a intrusão em propriedade alheia. Não devem exceder 400 lumens e a sua temperatura de cor não deve ultrapassar os 1750 K, de forma a reduzir a prejudicial componente azul. Isto vai produzir um brilho suave alaranjado, como a antiga iluminação SOX de vapor de sódio.
A adoção destas medidas contra a poluição luminosa não vai levar a uma perda de segurança mas vai, de forma substancial, aliviar os problemas sérios que são causados pela poluição luminosa.
References
- [1] Electricity and English songbirds. Los Angeles Times 14 September 1897.
- [2] Henshaw C (1994) The ecological implications of light at night. Journal of the British Astronomical Association 104: 312.
- [3] Owens ACS et al. (2020) Light pollution is a driver of insect decline. Biological Conservation 241: 108259. doi: 10.1016/j.biocon.2019.108259
- [4] Um artigo sobre o síndrome do nariz-branco no website do National Park Service: https://www.nps.gov/articles/what-is-white-nose-syndrome.htm
- [5] Reiskind MH, Wund MA (2010) Bats & Mosquitoes. Bat Conservation International 28: 6.
- [6] Dacke M et al. (2013) Dung beetles use the Milky Way for orientation. Current Biology 23: 298–300. doi: 10.1016/j.cub.2012.12.034
- [7] Informação do Sea Turtle Conservancy sobre as ameaças para as tartarugas causadas pela iluminação artificial: https://conserveturtles.org/information-sea-turtles-threats-artificial-lighting/
- [8] Chaney WR (2002) Light pollution harms plants in the environment: does night lighting harm trees? FAU Astronomical Observatory
- [9] ffrench-Constant RH et al. (2016) Light pollution is associated with earlier tree budburst across the United Kingdom. Proceedings of the Royal Society B 283: 20160813. doi: 10.1098/rspb.2016.0813
- [10] Fiaschi D, Bandinelli R, Conti S (2012) A case study for energy issues of public buildings and utilities in a small municipality: investigation of possible improvements and integration with renewables. Applied Energy 97: 101–114. doi: 10.1016/j.apenergy.2012.03.008
- [11] Morrow EN, Hutton SA (2000) The Chicago alley lighting project: final evaluation report. Illinois Criminal Justice Information Authority.
- [12] Steinbach R et al. (2015) The effect of reduced street lighting on road casualties and crime in England and Wales: controlled interrupted time series analysis. J Epidemiol Community Health 69: 1118–1124. doi:10.1136/jech-2015-206012
- [13] Information on the history of cat’s eyes: https://www.ypsyork.org/resources/yorkshire-scientists-and-innovators/percy-shaw/
- [14] Henshaw C (2017) The social implications of light at night (LAN).
- [15] Claudio L (2009) Switch on the night: policies for smarter lighting. Environmental Health Perspectives 117: A29–A31.
Resources
- Descubra quanta poluição luminosa existe na sua região usando este mapa interativo do Cooperative Institute for Research in Environmental Sciences da University of Colorado Boulder
- Leia uma excelente introdução à poluição luminosa da International Dark-Sky Association (IDA).
- Aprenda sobre os princípios de uma iluminação exterior responsável neste pequeno guia da Mont-Mégantic International Dark Sky Reserve.
- Aprenda mais sobre os efeitos da poluição luminosa na vida selvagem neste artigo da BBC news.
Review
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É uma visão concisa mas completa dos tipos de emissores de luz noturna, das consequências desse tipo de iluminação e avança com propostas para mitigar o seu impacto, tornando o artigo útil para estudar o tópico com alunos de diferentes idades.
Além disso, o artigo está bem redigido e é de fácil leitura, contendo recursos úteis para prolongar as discussões.
O artigo pode ser usado para exercícios de compreensão. Questões possíveis incluem as seguintes::
- De acordo com o autor do artigo, as categorias de fontes de poluição luminosa são:
a) Iluminação pública, de estádios, de segurança e lasers
b) Iluminação pública, de estádios, de cinemas ao ar livre e feixes para o céu
c) Iluminação pública, decorativa, de segurança e dos estádios
d) Iluminação pública, de segurança, de Natal e dos estádios
2) Quais dos seguintes organismos NÃO são afetados pela iluminação noturna?
a) Répteis marinhos
b) Insetos noturnos
c) Plantas fotoperiódicas
d) Insetos das cavernas
3) De acordo com o autor do artigo, as lâmpadas que devem ser usadas na iluminação noturna devem ter as seguintes características:
a) luminosidade ≥400 lumens e temperatura de cor ≥1750 K
b) luminosidade ≤400 lumens e temperatura de cor ≤1750 K
c) luminosidade ≥400 lumens e temperatura de cor ≤1750 K
d) luminosidade ≤400 lumens e temperatura de cor ≥1750 K
Giulia Realdon, antiga professora de ciências; neste momento é investigadora de educação e formadora de professores na Itália.